Procurei "aconselhamento" na internet e passei por várias páginas de hipóteses antes de me decidir, finalmente, por uma psicóloga com uma cara simpática. No final dessa semana fui ao consultório dela para falar sobre fidelidade e quebra de confiança mas, sem saber como, acabámos a falar sobre sexo e culpa. Chorei muito..Oito anos antes, tinha eu 20, servi no Afeganistão como artilheiro num pelotão de segurança que acompanhava os comboios, uma missão de seis meses de um tédio opressivo intercalado com episódios de violência inesperada e de morte. Mas não foi isso que me levou ao consultório da psicóloga. Fui porque o meu casamento tinha acabado..A minha mulher teve um caso. Como acontece frequentemente nos casamentos, a infidelidade foi mais um sintoma dos nossos problemas do que a sua causa. A situação deles foi típica; conheceram-se no trabalho. Uma noite, antes de eu perceber o que estava a acontecer, nós os três estivemos no mesmo evento de angariação de fundos e, a dado momento, ele e a minha mulher saíram para fumar um cigarro e eu fiquei sozinho..Bom, não fiquei completamente sozinho. A mulher dele também lá estava, com um recém-nascido ao colo, parecendo desconfortável. Não falámos um com o outro. Alguém estava a fazer um discurso sobre os objetivos futuros, e eu estava a comer a sobremesa..Depois de o caso se tornar público, a minha mulher e eu separámo-nos. Eu tinha saudades do gato. Nos momentos em que não me sentia zangado tinha saudades da minha mulher também. À noite ouvia Springsteen, encomendava piza, assistia a um jogo de hóquei, dormia mal e passava as horas cinzentas da madrugada a pesquisar o nome da minha mulher, o nome do sujeito e "a dor do divórcio"..Numa noite, o primeiro link disse-me para orar a Deus, o segundo disse-me para me preparar para "uma nova vida com muitas mulheres bonitas" e o terceiro levou--me para um site de depilação. Decidi ir a um psicólogo..Alguns meses mais tarde estava na sala de espera da psicóloga, preparado para pagar pela minha quarta sessão de um bom choro, quando entrou uma mulher com uma criança ao colo. A princípio não a reconheci, mas depois lembrei-me da cara dela da angariação de fundos.."Você é a mulher do tipo com quem a minha mulher tem um caso?", perguntei-lhe, sem qualquer tato..A pergunta foi estúpida. Antes do mais, foi estúpida. Em segundo lugar, deu a entender que a identidade desta mulher, como a minha, está embrulhada em fidelidade e infidelidade e tudo o mais que vem no meio. Deu a entender que a pele dela, como a minha, parece a massa extrafina e translúcida de um crepe tailandês que tem lá dentro a alface e o camarão, o molho de amendoim e a dor.."Sim", disse ela. "Mas nós já não estamos juntos. Sou a Catherine.".A rececionista saiu a correr e voltou com a psicóloga.."Está tudo bem?", perguntou a psicóloga quando entrou na sala..Olhámos para ela, e ela entendeu o que estava a acontecer. "Oh, meu Deus", sussurrou ao ver os seus mundos a colidir..Para dizer a verdade, as hipóteses de Catherine e eu nos encontrarmos desta forma eram extremamente baixas. Ela e eu nunca tínhamos falado antes. Ambos trabalhávamos a tempo inteiro e vivíamos em extremos opostos de uma grande cidade. Ambos procurámos psicólogos na internet e, sabe-se lá porquê, decidimos ir à mesma psicóloga e marcámos consulta com ela no mesmo dia, em horas consecutivas..A rececionista continuava a abanar a cabeça.."Oh, meu Deus", murmurou a psicóloga novamente..O bebé de Catherine fez um barulho..Mais tarde, Catherine e eu fomos para um café simpático e falámos sobre os nossos cônjuges distantes e as circunstâncias que nos tinham trazido até ali. O filho de Catherine saltava em cima do seu joelho. Ela perguntou-me se eu gostaria de pegar nele; estendi os braços..Ele cheirava maravilhosamente, a limpo e bem tratado, e não queria saber quem eu era ou o que tinha acontecido, nem quando ou porquê tudo tinha começado. Por um instante, as minhas perguntas, o meu medo e a minha raiva desapareceram com aquela criança sentada no meu colo..Depois começou a chorar e Catherine pegou nele outra vez, embalando-o no seu braço e, puxando o casaco, tapou-os aos dois com ele..Eu sentia-me atraído pela força dela - e talvez por ela também. Perguntei-me se ela se sentiria atraída por mim, mas a questão era irrelevante. Nenhum de nós sabia o que fazer com o amor naquele momento. Perguntei-lhe se ela gostaria de casar-se novamente.."A dado momento, penso que sim", disse ela. "E você?"."Provavelmente em algum momento no futuro", respondi.."Estou contente por nos termos conhecido", disse ela..Com o início do inverno chegou o meu último dia de trabalho no departamento de habitação no centro da cidade e disseram-me para ir comprar um bolo para a minha festa de despedida no final da tarde. Percorri os corredores do supermercado sob as suas luzes brilhantes e fiquei a olhar para as prateleiras cheias de alimentos..Quando voltei do Afeganistão, eu odiava supermercados. Como o soldado Jeremy Renner do filme Estado de Guerra, que regressa da guerra e só consegue sentir-se oprimido pelas muitas escolhas e demasiada liberdade, sentia-me paralisado pelas opções. Eu queria voltar para as rações e para o refeitório e queria que as decisões fossem tomadas por mim. Assim, limitei as opções e casei-me..Agora, novamente solteiro, decidi-me por um bolo de cenoura gigante. Tinha umas rosas do tamanho de um punho, feitas de glacé cor-de-rosa e azul e pesava quase tanto como o filho de Catherine. Paguei a minha compra, peguei no enorme bolo com ambas as mãos e dirigi-me para a saída, onde dei comigo a poucos metros de distância do amante da minha ex-mulher..Nunca mais o tinha visto desde o jantar de angariação de fundos. No entanto, ele tinha feito parte dos meus sonhos. Num deles, eu estava a bater à porta da minha casa de infância, foi ele que a abriu e ficou ali parado: bonito, sem camisa, confiante, tudo o que eu não era. Quando acordei estava a chorar, sozinho num apartamento novo e recém-divorciado..Ele fazia parte dos meus sonhos da mesma forma que o bombista suicida no ano a seguir a ter voltado do Afeganistão; nem sempre o conseguia ver, mas sentia a sua presença nos limites da consciência, empurrando-me para algum lugar onde eu não queria ir, obrigando-me à conclusão inevitável. Sonhos como o arder demorado de um incêndio florestal, onde as raízes em combustão lenta sob a terra se estendem em cem direções diferentes..Passei muito tempo a pensar como queria que a minha ex-mulher e o seu amante sentissem essa combustão das mais diversas maneiras. Achei que o odiava. Mais tarde, alguns amigos declararam que um bolo de cenoura gigante na cara dele na fila do supermercado teria sido uma conclusão adequada para a história. Mas eu nem sequer considerei essa opção. Limitei-me a ficar ali com o bolo nas mãos, sentindo-me ridículo..Ele parecia cansado. Talvez tivesse o filho com ele naquela altura. Talvez tivesse estado acordado a noite toda a tratar dele.."Quer ir tomar uma cerveja um dia destes e falar sobre o assunto?", perguntou ele.."Não, não quero ir tomar uma cerveja e falar sobre o assunto", respondi, o que era petulante e verdadeiro. "Mas eu perdoo-lhe", acrescentei, o que era arrogante e falso.."OK", disse ele, continuando com um aspeto cansado..Não consegui sentir-me verdadeiramente zangado. Ele era apenas o pai cansado de uma criança. Nem sequer foi antipático. Saí segurando o bolo, sentindo-me feliz por não ter irrompido em lágrimas ou tentado lutar..Deveria ter deixado as coisas por ali, mas numa das mudanças de humor que parecem ser uma característica da minha ansiedade pós-divórcio, enviei uma mensagem à minha ex-mulher dizendo--lhe que não podia acreditar que ela me tivesse deixado por ele. Ela não respondeu e eu não fiquei orgulhoso de mim mesmo. Deixámos de enviar mensagens; mais propriamente, eu parei de enviar mensagens estúpidas..Continuei lentamente o meu processo de cura..Nos meses que se seguiram, pensar no amante da minha ex--mulher como o pai daquele menino doce ajudava-me de alguma maneira. Eu tinha pegado no filho de Catherine ao colo, sentido o peso bom do seu corpo, e acabei por perceber que é difícil odiar uma pessoa quando essa pessoa tomou parte no ato de trazer algo de bom ao mundo..O filho dela está agora muito maior, é uma criança bonita. Vejo as fotografias dele no Facebook e às vezes ponho um "gosto". Catherine e eu não falamos há algum tempo e estou bem com isso. Não sei o que aconteceu com a minha ex-mulher e o ex-marido de Catherine, e estou bem com isso também. Já há dor suficiente no mundo e já não a desejo para eles..Às vezes desejo ter aceitado o convite do ex-marido de Catherine para tomar uma cerveja naquela tarde, ter sido mais simpático com a minha ex-mulher, ter aberto um pouco mais o meu espírito a essas possibilidades. Continuo grato pela oportunidade de conhecer Catherine e gostaria de voltar a ver o filho dela quando ele for mais velho. Um café, uma fila de supermercado ou a sala de espera de uma psicóloga parecem todos bons lugares para um tal encontro..Não iria explicar a situação; isso não seria justo. Provavelmente limitar-me-ia a sorrir e a murmurar: "Tu ajudaste-me a passar por um período difícil quando eras mais novo." Depois afastar-me-ia, confiando nas possibilidades..Exclusivo DN/The New York Times