Localizada no Equador, a montanha Chimboraço guarda um recorde mundial. É tida como a mais alta do mundo se medida desde o seu topo até ao centro da Terra, ao invés de se tomar como referência o nível do mar. O vulcão dista 6384,4 Km do centro da Terra, contra os 6382,6 Km medidos no Evereste. Desde o século XIX, que o cume deste gigante equatorial tenta exploradores e aventureiros. Em 1802, o naturalista alemão Alexander von Humboldt olhou para o perfil da montanha e viu-lhe um desafio superável. O autor de Kosmos alcançou os 5875 metros de altitude antes de desistir devido à rarefação do ar. A par com os seus companheiros de expedição, Humboldt tornou-se o ser humano do seu tempo a alcançar uma maior altitude confirmada. O pico majestático e cénico do Chimboraço, ornado de neves, também hipnotizou as artes. Em 1864, o pintor paisagista americano Frederic Edwin Church olhou para a montanha sul-americana e eternizou-lhe os contornos num quadro a óleo atualmente à guarda da Huntington Library, Art Museum, and Botanical Gardens, na Califórnia. Ao longo de uma carreira de décadas Church desenvolveu uma particular apetência pela representação a óleo de cataratas, vulcões e icebergues. Em 1865, o pintor captou em tela os impulsos eletromagnéticos de uma aurora boreal. A obra, denominada Aurora Borealis, em homenagem à expedição de 1860-1861 do explorador ártico Isaac Israel Hayes, integrou o tríptico de quadros que Church levou a uma mostra londrina. Na capital inglesa, a luz diáfana e ululante dos céus árticos disputou a atenção dos visitantes com outras duas pinturas, a erupção do vulcão Cotopaxi e a já referida obra Chimboraço. Frederic Church não conhecera as luzes do norte. Pintara a sua aurora boreal a partir de um esboço e uma descrição de Hayes: "A luz tornou-se cada vez mais intensa (...) a ampla cúpula acima de mim estava toda em chamas (...) a cor da luz era principalmente vermelha, mas não era constante, e todas as tonalidades se misturavam numa exibição feroz (...) flamulas azuis e amarelas brilhavam no fogo lúgubre", escreveria mais tarde o explorador no livro de 1867, The Open Polar Sea: A Narrative of a Voyage of Discovery towards the North Pole..Church e Hayes encantaram-se por um fenómeno ótico que decorre do impacto de partículas de vento solar com a alta atmosfera da Terra, canalizadas pelo campo magnético do nosso planeta. Numa perspetiva mais prosaica, a Aurora Polar (no hemisfério norte denominada aurora boreal; no hemisfério sul chamada aurora austral) há milénios que assedia espíritos fantasistas, encantados com as luzes fantasmagóricas que visitam as noites polares. Numa abordagem científica, o fenómeno é estudado desde o século XVII. O francês Pierre Gassendi e o italiano Galileu Galilei formularam teorias sobre a origem das auroras polares. O inglês Edmond Halley suspeitou que as auroras estariam relacionadas com o campo magnético terrestre. No século XIX, em 1860, o astrónomo norte-americano Elias Loomis estabeleceu a relação entre as auroras e a atividade solar. No ano de 1896, o físico norueguês Kristian Birkeland, "capturou" uma aurora. Pela primeira vez o fenómeno foi reproduzido em laboratório. Das latitudes a norte chegavam continuamente relatos de uma outra dimensão das auroras boreais..Contava-se que nas noites gélidas, limpas de nebulosidade, de céus pontuados de estrelas, a luz da aurora se fazia acompanhar de sons. Estalidos, rangidos e murmúrios ecoavam no firmamento. A canção da aurora motivou inúmeros relatos e também uma acesa disputa no seio da comunidade científica sobre se os ruídos seriam imaginados, ilusórios ou objetivos. "Durante décadas foi uma questão altamente controversa que dividiu opiniões, provocou discussões acaloradas e confundiu aqueles que estavam fascinados com aquele mistério", escreve Fiona Amery, investigadora britânica, num exaustivo artigo sobre o tema publicado no site da inglesa Royal Society ("The Disputed Sound of The Aurora Borealis"). Oliver Lodge, físico britânico, envolvido no desenvolvimento de técnicas de rádio, defendia que o som da aurora deveria ser um fenómeno psicológico causado pela vivacidade da aparição..A 20 de maio de 1933, o jornal The Shetland News, território insular escocês, publicou o depoimento de Peter Hutchison: "Sou de Whalsay e lembro-me de que, em noites claras e geladas, há cerca de 30 anos, as "lindas dançarinas" (como as chamávamos) vinham em largas faixas amareladas no céu do nordeste. Voavam de um lado para o outro e faziam um barulho (...) um som abafado, alto o suficiente para qualquer um ouvir". O testemunho de Hutchison não nascia órfão de outras narrativas em torno da canção da aurora. Em janeiro de 1927, a revista Nature publicou o artigo do astrónomo norueguês Hans Jelstrup detalhando a aurora de outubro de 1926 e os sons que lhe estavam associados. Em 1932, o explorador e antropólogo dinamarquês Knud Rasmussen mencionou a canção da aurora num trabalho que coligia as tradições folclóricas dos esquimós da Gronelândia. Ainda no século XIX, em 1882, Sophus Tromholt, professor dinamarquês, estabeleceu uma base polar na fronteira da Noruega com a Finlândia. Ali, de acordo com o próprio, testemunhou a canção da aurora. O mesmo afirmou o meteorologista canadiano Balfour Curie, membro do departamento de física da Universidade de Saskatchewan, autor de diversos artigos sobre o fenómeno nas décadas de 1920 e 1930. Um interesse pelos sons da noite boreal que suscitou debate aquando do primeiro e segundo Ano Polar Internacional, nomeadamente em 1822/23 e 1932/33, com a presença de 12 e 44 países respetivamente. Os encontros que visaram estudar a meteorologia, o geomagnetismo, a eletricidade atmosférica e as correntes oceânicas, detiveram-nos nos fenómenos aurorais das regiões polares, o que incluiu a canção das luzes da aurora. O tema, uma vez mais, não gerou consensos embora, na época, os primeiros passos para o entendimento do fenómeno surgissem no trabalho de um astrónomo canadiano, Clarence Chant. Em 1923, Chant escreveu o artigo "A audibilidade da Aurora". De acordo com o astrónomo, o movimento das luzes altera o campo magnético da Terra e instiga mudanças na eletrificação da atmosfera. Esta eletrificação origina um som crepitante próximo da superfície..Até à década de 1970, a canção da aurora hibernou num quase esquecimento. Contudo, em 1973, as teorias de Clarence Chant foram reabilitadas no trabalho de dois investigadores ("Auroral Audibility"). S.M. Silverman e T.F. Tuan apontaram a provável causa para os sons da aurora em descargas elétricas associadas ao fenómeno. A primeira década do século XXI viu nascer o projeto Auroral Acoustics pela mão de dois investigadores do Observatório Geofísico de Sodankylän, a par com o trabalho do finlandês Unto Laine. Este, há mais de duas décadas que se lança na senda das canções boreais. No ano de 2011, instalou dispositivos de gravação ao ar livre nas proximidades de uma aldeia do norte da Finlândia. O som captado surpreendeu: encontrava-se apenas a 70 metros acima do solo. Uma aurora boreal baila nos céus entre os 70 a 80 Km de altitude. Em 2012, Laine publicou na web um vídeo desconcertante captado em 2004. No filme, disponível para visualização na Internet ("Clap Sounds of Northern Lights?"), escutamos ao oitavo e trigésimo primeiro segundos, sons semelhantes ao bater de palmas. Os estalidos nada têm de humano, antes resultam das vozes fantasmagóricas da aurora. Uma canção funesta explorada na sua dimensão estética pelo compositor letão Eriks Ešenvalds. Em 2012 deu ao mundo a sua composição Northern Lights, um coro de vozes que inclui relatos do século XIX da canção da aurora, narrativas de exploradores polares e os sons de estática das luzes árticas.