Na década de 1920, o mundo despertou para a ameaça robô
Não foi com a interpretação de um robô que o ator norte-americano Spencer Tracy arrecadou um dos seus dois óscares de Hollywood, conquistados em 1937 e 1938. Quinze anos antes de brilhar na Sétima Arte, no filme Capitains Couragerous, que lhe valeu o primeiro óscar para melhor ator, a estrela da era de ouro de Hollywood subiu ao palco em Nova Iorque a animar de movimento um robô. Tracy protagonizava na versão norte-americana de uma peça de teatro que conquistava, na época, públicos em dezenas de países. O ator assumiu o papel de uma das personagens da obra escrita em 1920 pelo checo Karel Capek, a alegoria futurista R.U.R. (acrónimo de Rossumovi Univerzálni Roboti). Para a peça em três atos, o escritor nascido em 1890 em Praga, convocou uma palavra em estreia no léxico da ficção científica. Robota, assume o significado de trabalho forçado na língua checa, uma alusão que, na visão de Capek, exprimia o duro labor a que eram obrigados os robôs que criou na sua ficção.
A peça situa parte do enredo numa fábrica, onde seres humanos produzem congéneres artificiais, os roboti, a partir de matéria orgânica sintética. Na abordagem de Karel Capek, os seus robôs, ideados há mais de cem anos, têm menos de dispositivos mecânicos e mais de organismos biológicos artificiais. Veem-se, contudo, montados segundo o modelo seguido nas fábricas de automóveis e não de acordo com o trabalho de filigrana de um laboratório. Munidos de identidade Maurius, Sulla, Radius, Primus, entre outros robôs, são escravizados pelos humanos num futuro que o escritor checo situou, algures, nas décadas de 1950/1960. Humilhados pelos humanos, os robôs sublevam-se numa rebelião que conduzirá a um destino pouco esperançoso para a humanidade.
Tema do confronto no qual Capek reincidiria ao escrever, em 1936, o livro A Guerra das Salamandras, enredo que põe face a face a humanidade e uma espécie inteligente de anfíbios. Na narrativa, o autor alude aos regimes totalitários que, na época, se erguiam na Europa.
No seu périplo mundial, R.U.R., teve estreia nos palcos nipónicos. No Japão, um biólogo, então com 40 anos, assistiu à peça, vendo com apreensão o anunciado domínio da máquina sobre o Homem. Makoto Nishimura, professor na Universidade Imperial de Hokkaido e investigador, viu na luta de humanos com máquinas humanoides uma aberração avessa à natureza. Uma convicção que ganhava o campo da possibilidade para o cientista, face ao desenvolvimento de projetos de autómatos na Europa e nos Estados Unidos. Uma atividade que vinha a envolver investigadores de diversos campos a partir da segunda metade do século XIX. Em 1868, os norte-americanos Zadoc P. Dederick e Isaac Grass patentearam o seu "homem a vapor", mecanismo com um motor a vapor interno que mimetizava um ser humano capaz de arrastar um carrinho. O invento nunca foi comercializado. Em 1927, a máquina humanoide TELEVOX, desenvolvida nos Estados Unidos, obedecia à voz humana. Por seu turno, Eric, o Robô, construído no Reino Unido, movia-se trôpego a arrastar a sua armadura metálica.
Makoto Nishimura olhava para estes desenvolvimentos para lhes ver trabalhadores escravizados, criados pelos humanos, cuja rebelião levaria a uma batalha futura entre dois mundos, o do homem e o da máquina. Makoto fez da sua apreensão motor para se lançar no projeto que levaria o Japão a desenvolver o primeiro robô do Oriente. Gakutensoku seria, de acordo com o biólogo nipónico, um humano artificial para celebrar a natureza, um modelo inspirador para as pessoas, dotado de capacidade para "aprender com as leis da natureza" (expressão onde a máquina de Makoto cunha o nome). Convencido de que essa seria a missão futura das máquinas, a da ajuda mútua, opondo-se à ideia de sobrevivência do mais apto, difundida na época pelo Darwinismo Social, Nishimura abandonou o ensino em 1926 assim como a investigação do Marimo, alga dos lagos frios japoneses, para se lançar na empresa de construção do seu robô.
Dois anos volvidos, em setembro de 1928, um gigante de três metros de altura, mais de uma tonelada de peso, sentado num pedestal dourado e de semblante sereno, era apresentado numa exposição em Quioto que celebrava o Imperador Hirohito. Gakutensoku ganhava exposição pública, dotado de um rosto artificial de borracha - Makoto procurava um robô expressivo em oposição aos congéneres norte-americanos - com movimentos alimentados a pressão de ar por serem, de acordo com o seu criador, comparáveis ao fluxo de sangue no corpo humano. Pouco mais se soube sobre os meandros da construção de Gakutensoku que segurava na mão esquerda uma luz elétrica em forma de cristal. Ao acender-se, a luz clarejava de vida os olhos da máquina. Gakutensoku escrevia em papel mensagens de esperança.
Em breve, a máquina humanoide de Makoto Nishimura iniciava um périplo por cidades japonesas. A Tóquio, Osaka e Hiroshima, seguir-se-iam, em 1929, apresentações na China e na Coreia. Makoto que via a sua criação como o primeiro membro de uma nova espécie, augurava-lhe a evolução continua e progressiva complexidade. Corria o ano de 1930, Gakutensoku principiava a sua carreira europeia, rumo à Alemanha. Nunca aí chegou, desaparecido no trajeto e jamais foi reclamado. Makoto Nishimura faleceria em 1950 sem nunca proferir explicação para o mistério do desaparecimento do seu robô emotivo.
Em 1995, a criação do biólogo japonês ganhou um pedaço de espaço, ao apadrinhar um asteroide descoberto por astrónomos japoneses, o 9786 Gakutensoku. Num outro quadrante do Universo, viaja um asteroide descoberto em 1969 pelo astrónomo checo Luboš Kohoutek e de pronto batizado 1931 Capek.
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