Está demonstrado em estudos internacionais que a participação das mulheres em negociações para a paz aumenta em 35% a probabilidade de maior duração dos acordos, mas continuam em número muito reduzido na Segurança e Defesa, entre negociadores (13%), mediadores (6%) e signatários (6%) nos principais processos de paz entre 1992 e 2019..Na diplomacia e em áreas de soberania, como a Segurança e a Defesa, ainda há um longo caminho para andar e a meta da ONU Mulheres, no âmbito da "Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável", para se atingir nesse ano uma equidade plena, de 50%/50% na igualdade de género, está ainda muito longe..No podcast Soberania, uma parceria do Diário de Notícias e do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), as convidadas Élise Racicot, embaixadora do Canadá em Portugal, Dalila Araújo, ex-secretária de Estado da Administração Interna e vice-presidente do OSCOT, e Maria Luísa Moreira, secretária-geral da Women in International Security (WISS) Portugal, debateram o que está feito e o ainda tanto que falta fazer..Oiça aqui o podcast:.Em Portugal aumentou o número de mulheres nas Forças Armadas - 11% em 2016 e 14% em 2022 - e a atual ministra a Defesa Nacional, Helena Carreiras, é a primeira mulher titular desta pasta..Mas nas duas maiores polícias de ordem pública, a PSP tem 8,8% e a GNR tem 8%, o que significa um pequeno decréscimo em relação a 2020 em ambas as forças de segurança, quando a GNR tinha 9% e a PSP 10%. Segundo o Eurostat, ao nível da União Europeia, as polícias portuguesas estão em 5º lugar com menos mulheres no âmbito dos 27.."A falta de atratividade da carreira é uma evidência, mais difícil ainda para as mulheres, pelas razões da mobilidade, fracas condições e risco", são as razões apontadas por Paulo Jorge Santos, presidente do maior sindicato, a Associação Sindical de Profissionais de Polícia (ASPP-PSP).Do país que ganhou o estatuto de "campeão do género", Élise Racicot, trouxe algumas lições aprendidas. "Temos de ter objetivos e depois temos de ter também uma infraestrutura que os permita", sublinha, dando como exemplo um navio-reabastecedor das Forças Armadas "uma parceria público-privada, que tem as condições de ter muito mais mulheres a bordo (...) com alojamentos organizados"..A diplomata entende que "mais do que quotas, foram objetivos que colocámos e a forma como olhamos para todas as políticas públicas, inclusive orçamental. No Canadá, usamos o que chamamos de gender budgeting. Todas as decisões, todo o processo de decisão que chega a receber dinheiro do Governo Federal, precisa de passar por uma peneira que mostra que as perspetivas de género foram tidas em conta. E isso ajuda a melhorar as infraestruturas também"..Apesar de reconhecer que, no que diz respeito às suas Forças Armadas o número de mulheres (cerca de 14%, como em Portugal) ainda está aquém do que foi conseguido na diplomacia canadiana, na qual 50% dos postos de "chefe de missão, embaixadoras, cônsul-geral e high commissioner" já são ocupados por mulheres, salienta que "os colegas do Exército Canadiano estão muito felizes de ver mais mulheres. Dizem que as Forças Armadas melhoraram, que o nível de tolerância para turbulência é menor, e já foi demonstrado que ter mais mulheres em missões de paz, realmente melhora o ambiente dentro das forças também"..Referindo-se aos números do estudo da NATO atrás referido, frisa que aqueles números são exemplo do "impacto especial na vida das pessoas no contexto da segurança internacional" que pode ter esta evolução. "É o equilíbrio que é mais importante na mediação de conflitos. Porque se, por exemplo, temos uma missão de paz, é importante ter homens, mas é importante ter mulheres, porque as pessoas que estamos a ir proteger e pacificar precisam de ver pessoas com quem se identifiquem dentro do Exército", assevera,.Dalila Araújo, foi a primeira mulher a assumir funções de tutela na área de Segurança Interna, como secretária de Estado. Depois disso já houve duas ministras da Administração Interna, Anabela Rodrigues e Constança Urbano de Sousa..Mas passados 14 anos de ter entrado num ministério onde teve de corrigir à mão os documentos oficiais que tinham todos gravado "secretário de Estado", Dalila Araújo, que foi também governadora civil de Lisboa, diz que "estando a sete anos" da meta do "planeta 50-50" das Nações Unidas, "ainda estamos muito longe em diversas áreas"..Na sua opinião, "os partidos também têm um grande caminho a fazer. Os partidos internamente são os primeiros e é deles que depois vêm as políticas. Os partidos fazem as escolhas das lideranças políticas, escolhem o seu representante à Assembleia da República, ao Parlamento Europeu, ou para um conjunto de cargos que são dessa natureza. E os partidos não fizeram esse caminho"..A vice-presidente da OSCOT assinala que "os partidos, enquanto áreas para o recrutamento da vida política, têm de dar o exemplo, mas não dão esse exemplo. Conheço o que é um partido por dentro e do ponto de vista da sua organização, e há uma predominância masculina. A presença das mulheres nas estruturas partidárias e nos órgãos de decisão onde se escolhem os representantes políticos é diminuta. E também reconheço que internamente há alguma reação. Os partidos não podem exigir às empresas e à sociedade que façam políticas para a igualdade quando eles não as praticam internamente nas suas estruturas partidárias, nas suas estruturas locais, federativas e até nacionais. E depois virem dizer às empresas, por via da legislação, que são obrigados a colocar nos boards 40% de mulheres, quando os partidos não fazem isso. E essa vai ter de ser a primeira lição que os partidos vão ter de dar"..Maria Luísa Moreira, secretária-geral da WIIS Portugal, admite que já esteve "mais otimista". "Já perdi aquele otimismo característico dos jovens e do alto dos meus 25 anos, já percebi que estamos longíssimo de atingir igualdade plena até 2030. Portanto, nenhum dos objetivos de desenvolvimento sustentável (Agenda da ONU) vai ser atingido, muito menos o da igualdade de género que, de acordo com as previsões das Nações Unidas, é aquilo que vai avançar menos e isso preocupa-me"..Esta responsável nota que "nos últimos 10 anos houve uma grande evolução porque passámos de ter uma agenda apenas normativa e de políticas, que vem do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para passar para a prática. Nos últimos 20 anos foram adotadas 10 resoluções e, em 2014, a Suécia teve a coragem e a audácia de propor ao mundo a adoção de uma política externa feminista e marcar aí essa distinção. (...) Esse é o caso da "Agenda Mulheres Paz e Segurança", que procura a inclusão da adoção da uma perspetiva de género face à segurança internacional, neste caso, como estamos a falar, versus a adoção de uma política externa, ou repensarmos todas as interações dos Estados para que isto evolua um bocadinho mais rápido"..Para Maria Luísa Moreira esta matéria está condenada se as palavras não passarem à prática. "Porque percebemos que não basta só dizer umas coisas de igualdade numa resolução e esperar que o sistema se transforme todo"..Por isso, afirma, é um sistema que considera "pouco eficaz". "Se fosse eficaz já teríamos atingido muitos dos objetivos de desenvolvimento sustentável. Face a essa evolução de termos uma maior adesão e implementação da agenda, os Estados preocupam-se com o tema, o tema é quase, diria, obrigatório atualmente", afirmou..Por outro lado, continuou, "temos também aumentado um bocadinho o foco de análise. Já não olhamos para as mulheres só como vítimas ou em condição de refugiadas, mas também já as reconhecemos como agentes e pessoas perfeitamente capazes, que só precisam de empoderamento e capacitação. As mulheres só precisam que seja dado espaço para serem agentes nestes sistemas. Portanto, aumenta aí a participação das mulheres tanto nas questões políticas como nas questões das operações de paz e os benefícios que vêm dessa participação"..O que fica a faltar "neste esforço tão ambicioso é, de facto, o fortalecimento da monitorização e da responsabilização. Gostava de na próxima década, termos dados, termos monitorização, fazermos avaliação do que corre bem, além do que corre mal. (...) Porque não conseguimos medir o sucesso ou o insucesso de nada sem dados e sem estatísticas. Acho que fica a faltar isso, embora faça um balanço muito positivo e os esforços sejam louváveis. Estamos a sete anos do deadline dos objetivos de Desenvolvimento Sustentável e não acho que o futuro seja brilhante como as Nações Unidas nos fazem crer"..Élise Racicot.Embaixadora do Canadá em Portugal. Licenciada em Relações Públicas, iniciou a carreira no Ministério dos Negócios Estrangeiros e Comércio Externo em 2002..Estreou-se no estrangeiro como primeira mulher conselheira comercial no Irão. Cumpriu três colocações no Brasil, como chefe de missão para o Gabinete do Quebeque e como conselheira comercial para a plataforma de missões canadianas naquele país..Integrou vários anos o conselho mundial do "Trade Commissioner Service" do Canadá. No Ministério, trabalhou nas áreas da diversificação das exportações, alterações climáticas, financiamento do desenvolvimento limpo e relações intergovernamentais..Esteve ainda envolvida na elaboração de um programa de mentoria para promover a igualdade para mulheres diplomatas..Dalila Araújo.Foi a primeira mulher em Portugal a assumir funções de tutela na área de segurança interna, como secretária de Estado da Administração Interna, cargo que ocupou entre 2009 e 2011, com o governo do PS, partido de que é militante ativa..É Doutorada em Ciência Política, especialidade em Políticas Públicas, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, com uma tese sobre "Segurança - Paradigmas do Século XXI - estudo dos novos instrumentos de policiamento de proximidade em Portugal: Contratos Locais de Segurança"..Foi Governadora civil de Lisboa e é vice-presidente do OSCOT..Profissionalmente teve funções de responsabilidade em grandes empresas como a Altice e a PT, sendo atualmente administradora na Lusitânia Seguros..Maria Luísa Moreira É licenciada em Relações Internacionais pela Universidade de Essex, no Reino Unido, e mestre em Mulheres, Paz e Segurança pela London School of Economics and Political Science..Aos 22 anos, em 2021 ganhou o 1.º Prémio de um concurso da Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional com uma análise dedicada à "Terceira década da Agenda Mulheres, Paz e Segurança no Setor da Defesa Nacional"..É atualmente Secretária-Geral da WIIS Portugal (Women In International Security), uma organização apartidária que promove a participação das mulheres nas áreas da paz, defesa e segurança internacional, o ramo português da WIIS Global que foi fundado por Ana Gomes durante o seu mandato como deputada no Parlamento Europeu.