Morte da transexual Gisberta em documentário europeu

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"Queremos que este documentário seja visto por toda a gente." Jo Schedlbauer, 39 anos, veio da Áustria para, com a portuguesa Jo Bernardo, contar em meia hora de imagens a história de Gisberta Salce Júnior, a transexual/sem abrigo brasileira cujo corpo foi encontrado a 22 de Fevereiro num edifício abandonado do Porto, depois de torturada, durante dias, por um bando de jovens. O documentário passa a 17 de Maio na TV austríaca.

Schedlbauer, que nasceu mulher mas está algures na travessia para o género masculino, faz parte de uma recém-criada rede europeia de organizações de transgénero (European Transgender Network), que em Novembro último agrupou, no seu primeiro encontro, 68 organizações de 21 países europeus, "da Islândia à Turquia, da Rússia a Portugal".

Culpa de quem?

Uma das primeiras acções concertadas da rede, que vai procurar desenvolver objectivos políticos, como "o direito de escolher o próprio nome e de ver reconhecido oficialmente o género que se escolhe", terá sido a reacção à morte de Gisberta. "Enviámos cartas para as autoridades portuguesas, exprimindo a nossa preocupação e tristeza e protestando contra o facto de tudo se centrar na idade dos agressores e não na vítima." Não receberam qualquer resposta, acrescenta.

Mas também Schedlbauer é sensível à idade dos agressores. "A minha ideia sobre o que sucedeu é que jovens em má situação social que sofreram violência nas suas vidas e não foram apoiados encontraram alguém mais fraco para se vingarem do que lhes foi feito." Que acha que vai acontecer em tribunal? "Espero que as pessoas reflictam e tentem aprender com o que aconteceu, e não se limitem a tentar encontrar alguém para assumir a culpa. Prender alguém para o resto da vida não ajuda nada."

A ideia da culpa e, sobretudo, a possibilidade da retribuição deixa o activista pouco à vontade, embora veja como "disparate" o abandono da acusação de homicídio pela PJ (ver texto ao lado), e reputa de "fundamental" o agravamento para crimes com motivação "transfóbica". O agravamentopor "ódio homofóbico", incluído no novo Código Penal (em adição aos ódios religioso, racial e político) não lhe chega, mesmo se admite que muitos agressores não saberão distinguir entre homossexuais e transgénero."O facto de as pessoas não saberem o que é um transgénero - denominação que inclui os transexuais, (quem fez operação de 'mudança de sexo'), travestis e pessoas que não são homem nem mulher - torna ainda mais importante que a transfobia seja mencionada."

Esta posição dos movimentos transgénero criou atritos no seio das organizações LGBT que incluem acusações de discriminação. "A maior parte do tempo, as organizações de gays e lésbicas decidem por nós sem perguntar nada. Têm de perceber que temos a nossa própria agenda", diz Schedlbauer. A cisão surge, para a maioria das pessoas, como incompreensível. Afinal, a imagem das organizações LGBT está indissociavelmente ligada aos transgénero. É deles, sempre, o protagonismo em acções públicas como o Orgulho Gay. Uma escolha dos media que sublinha o paradoxo: na luta contra aquilo a que Schedlbauer chama as "rígidas regras do género", os transgénero são os mais expostos e os menos defendidos.

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