A última segunda-feira foi o dia em que Jair Bolsonaro demitiu finalmente o ministro da Educação Ricardo Vélez, autor de pérolas ao longo do seu curto consulado como "o brasileiro, viajando, é um canibal, rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião, ele acha que sai de casa e pode carregar tudo, esse é o tipo de coisa que tem de ser revertido na escola", em desabafo à revista Veja..E ideólogo da decisão de mandar as escolas tocar o hino, saudar a bandeira, ler uma mensagem como "o Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", lema de campanha de Bolsonaro como remate, e ainda filmar a cena. Se tocar o hino e saudar a bandeira são apenas resquícios de um patriotismo com cheiro a mofo, as duas recomendações seguintes, ler o slogan e filmar as crianças, são mesmo ilegais..Para colocar ordem no ministério, o presidente da República chamou para o seu lugar o economista Abraham Weintraub. Weintraub e o irmão, Arthur, ficaram conhecidos por publicamente compararem "o socialismo à sida e o comunismo às doenças oportunistas", defenderem que a melhor resposta a um esquerdista "é o insulto" e revelarem que "a introdução do crack no Brasil", droga com alto poder viciante, "foi feita de caso pensado pelo Foro de São Paulo", uma organização de governos de esquerda da América do Sul..Sai Vélez, entra Weintraub, mas o resultado é o mesmo: ambos são discípulos de Olavo de Carvalho, o alucinado guru de Bolsonaro e prole que acredita num complot mundial orquestrado por gente tão heterogénea como Rockefeller e Gramsci para controlar, numa fonte central, os horários, os itinerários e as transações financeiras de toda a gente, como tentou resumir em conversa de outubro de 2017 com a revista Época..Da substituição na Educação, Bolsonaro passou então ao compromisso seguinte de segunda-feira: uma entrevista à rádio Jovem Pan, onde admitiu que o filho Carlos tem acesso às suas contas nas redes sociais. Para o pai, no entanto, o filho não merece crítica por ter sido, supostamente, o responsável digital pelo caso do Golden Shower, o momento mais inusitado dos já de si inusitados cem dias de governo, e pela demissão, por causa de intrigas palacianas online, de Gustavo Bebianno, o outro ministro, além de Vélez, que já caiu..Diz Bolsonaro que o seu filho "02", como lhe chama por ser o segundo da prole, merecia até ser ministro porque, admite o presidente, foi ele, através da campanha nas redes sociais, quem o levou ao cargo..Momentos antes de Bolsonaro colocar Weintraub num ministério e prometer ao "02" outro, no Rio de Janeiro, o músico e segurança Evaldo Rosa levava no seu carro a família, mulher, sogro e filho de 7 anos, mais uma amiga, para um chá de bebé. De repente, a viatura foi atingida por uma rajada de 80 tiros. Evaldo morreu. O sogro feriu-se com gravidade. A viúva e o filho ficaram em estado de choque. E a amiga contou que o falecido, cidadão negro de 51 anos, era "um pai de família", "um homem honesto e trabalhador", "um cidadão de bem".."De bem" é um termo que os adeptos do regime bolsonarista capturaram para se referir a quem "não é bandido" e "nem corrupto" e que inclui no seu raio muito elástico desde defensores de torturadores, como o próprio presidente, a Fabrício Queiroz, amigo íntimo da família presidencial que desviava dinheiro de assessores, passando por milicianos que extorquem favelados, por si homenageados publicamente..Os assassinos de Evaldo foram dez elementos de uma patrulha do exército que num depoimento com muitos pontos ainda por esclarecer dizem ter-se confundido..Bolsonaro que, quatro dias antes, felicitara os polícias que mataram 11 assaltantes de bancos, ainda não teve oportunidade de reagir, apesar de ter feito dois discursos e publicado 17 vezes no Twitter desde então..Falou de tudo, menos de Evaldo, um verdadeiro cidadão de bem.