Moradores temem efeitos de radiações na saúde

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Na encosta de S. Marcos, em Sintra, ninguém quer mais uma linha de alta tensão a passar junto ao bairro. Os cerca de 170 moradores queixam-se de que já vivem há mais de 20 anos com linhas por cima da cabeça e recusam ser afectados pela nova linha de muito alta tensão (220 kV) que a Rede Eléctrica Nacional (REN) pretende construir entre a subestação do Alto de Mira, na Amadora, e Trajouce, em Cascais.

A comissão de moradores de S. Marcos receia os eventuais efeitos da radiação electromagnética na saúde. E baseia-se numa lista de 13 mortes nos últimos anos, dez das quais vítimas de cancro.

"Este ano já morreram quatro pessoas com cancro", explica José Martins, de 63 anos, um dos elementos mais activos da comissão. "Em Setembro entregámos à REN a lista dos moradores que já faleceram", conta ao DN. Entre 1992 e 2006, morreram nove pessoas na Rua Júlio Dinis e outras quatro na Rua do Luso. Tinham entre 44 e 73 anos. Além disso, "há mais dois moradores gravemente doentes". Segundo a mesma fonte, todos com doenças do foro oncológico.

Em 1992 a REN instalou duas linhas de alta tensão que passam directamente sobre as casas. "Houve protestos e até estragos", lembra José. "E ninguém soube de qualquer consulta pública." Maria Rosa Pinheiro, de 86 anos, ainda se recorda: "Fizemos uma manifestação e até o padre foi." Vive no bairro há quase 25 anos e está inconformada. "Não tenho para onde ir, nem consigo alugar um quartito que tenho vago. Têm medo das linhas", lamenta.

António Ferreira, de 64 anos, conhece bem estas preocupações. "A minha mulher morreu há três meses com cancro. Tinha 63 anos", conta. "E nesta rua já morreram mais pessoas com o mesmo tipo de doença."

A comissão de moradores espera que a REN cumpra uma promessa recente. "Ficaram de vir ao bairro avaliar a possibilidade de afastar as linhas", revela José Martins. Os moradores defendem o afastamento das torres para um espaço que divide este bairro clandestino do de S. Marcos. "Mas o melhor seria enterrarem as linhas todas", defende.

A comissão tem contado com o apoio das associações Quercus e Olho Vivo. Em Junho, moradores e associações realizaram uma vigília junto ao Ministério do Ambiente. "Já tentámos de tudo, desde reuniões na Assembleia da República, nos ministérios, na câmara", conta José. "Pelo menos ficamos com a consciência de que fizemos o que estava ao nosso alcance, mesmo que não valha nada."

O próximo passo será contactar a autoridade de saúde, "para saber se existe relação entre estas mortes e as linhas, porque de cancro já sabemos que morreram". Fonte do gabinete da delegada de Saúde de Sintra assegurou ao DN que este assunto é conhecido e está a ser acompanhado pelo Centro Regional de Saúde Pública de Lisboa e Vale do Tejo (CRSP--LVT).

Seis doentes no mesmo prédio

Em Alfornelos, na Amadora, também há moradores preocupados. No número 45 da Rua Capitães de Abril vivem 49 famílias num prédio ladeado por três postes de média tensão.

Ana Pinto, de 49 anos, é ali porteira há 19 anos. Em Novembro descobriu que tem linfoma sanguíneo. "É deprimente ver como estava em Agosto", desabafa, enquanto mostra as fotografias. Uma comove-a particularmente. Está magra, sem cabelo. "Pareço uma africana subnutrida." Agora está de baixa a recuperar das sessões de rádio e quimioterapia.

"Os moradores estranham o número de casos e o facto de serem todos da mesma fachada", avança. Até agora estão contabilizados "seis casos de cancro, dois deles fatais, todos do lado norte do prédio". Mas foi a morte, em Fevereiro, da cadela Rosyn, que acabou por fazê-la reagir. Dias depois de a cocker spaniel morrer com leucemia, Ana Pinto alertou o CRSP-LVT. A resposta chegou através da EDP, que explicou que não é conhecida qualquer relação entre as linhas e eventuais problemas de saúde e que as medições que tem efectuado revelaram valores de radiação electromagnética 200 a 2500 vezes inferiores aos limites máximos.

Mesmo que não exista uma relação, Ana diz que a pressão psicológica é real. Tem-lhe valido o apoio da filha de 20 anos, que deixou os estudos e foi trabalhar para a ajudar.

O delegado de Saúde da Amadora, José Luís Silva, diz ter conhecimento da situação e que o caso está a ser estudado. "Está a ser feito um estudo epidemiológico", diz, mas desconhece onde pára o processo.

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