É a história de uma demissão relutante: 19 médicos anunciaram que iriam demitir-se em protesto contra o novo modelo de controlo de assiduidade do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos. O ministro da Saúde chamou abaixo-assinado ao pedido de demissão entregue e garantiu que os clínicos continuavam a cumprir funções. Ao DN, o bastonário da Ordem dos Médicos afirmou que "estão demitidos". O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) reafirmou que a "carta de demissão colectiva" está em cima da mesa do director clínico do hospital. Mas enquanto o ministro disse tudo, os próprios não disseram nada. .Para Correia de Campos, antes da reunião de terça-feira com os médicos, havia quem achasse que teria de interromper uma cirurgia para picar o ponto. "Havia a noção generalizada de que o sistema era tão rígido que cortava a meio o trabalho dos diferentes profissionais, mesmo que estivessem no bloco operatório ou numa consulta." Mas "nunca tal esteve nas intenções de quem quer que seja, nem seria possível". .O mesmo terá acontecido com o bastonário Pedro Nunes, que afirmou que o relógio de ponto "só leva ao jogo do faz de conta". Mais, disse: "Este sistema não acrescenta nada, só serve para passar para a opinião pública a mensagem de que é isto que vai resolver os problemas do Serviço Nacional de Saúde.".Para Pedro Nunes, Correia de Campos está a cair no erro de não perceber que "os médicos já se controlam, através dos seus directores de serviço, porque só têm um patrão, que é o seu doente". Para o bastonário, "as administrações não têm o direito de perverter a relação médico/doente e de passar a mensagem aos médicos de que basta cumprir um horário"..Só que, em declarações à SIC Notícias, Correia de Campos foi mais longe e afirmou que "houve décadas de lascismo e isso tem de acabar, não pode haver médicos à boleia de médicos cumpridores". Até porque "a maioria das queixas do livro amarelo referentes ao Ministério da Saúde são sobre consultas que não começaram a tempo", contou..Num ponto o SIM e o ministro da Saúde concordaram: os 19 directores de serviço que apresentaram a demissão continuam no hospital. Mas "só continuam a desempenhar as suas funções até serem substituídos", explica Manuela Dias, do SIM. Há casos de directores de serviços, lembra, que ficaram "dois anos no cargo" até se concretizar o processo de substituição..Segundo a responsável, o documento colectivo de pedido de demissão é juridicamente válido - ao contrário do que afirmou Correia de Campos, que reclamou a obrigatoriedade de ser apresentado por cada médico um pedido de demissão individual. "Foi um processo ardiloso que usou para lançar poeira sobre a questão", acusa. .Sindicato apela a boicote.Acusando o ministro de considerar que o importante é o relógio e não a produtividade, o SIM lançou ontem o apelo ao boicote do sistema. "O SIM recomenda aos seus associados e aos médicos em geral do Pedro Hispano que, enquanto decorrer o período experimental e na ausência de comprovativo de cum- primento dos procedimentos legais, se abstenham de efectuar o registo de assiduidade por meio de dados biométricos."."Essa é a posição do sindicato e é uma posição que eu compreendo", diz o bastonário. Em comunicado, o SIM deixa ainda um recado ao ministro: "Está a passar para a opinião pública a imagem de que está lançado numa cruzada de controlo de malandros incumpridores de horários, e isso é algo que os médicos não lhe perdoarão." *Com Francisco Mangas