Na noite da primeira volta das eleições argentinas deste ano, enquanto as coligações lideradas por Sergio Massa e Javier Milei festejavam a passagem à segunda volta, ganha pelo libertário, o ambiente no quartel general dos vencidos, a candidata a presidente Patrícia Bullrich e o candidato a vice Luis Petri, devia ser de profunda desilusão. Sete semanas depois, tanto Bullrich como Petri, ambos aliados do antigo presidente Maurício Macri, serão ministros, da Segurança e da Defesa, do restrito - apenas oito ministérios - governo de Milei, cuja posse é hoje, em Buenos Aires, a partir das 15h30..Some-se a ambos o "macrista" puro sangue Luis Caputo, que será ministro da Economia, o centro nervoso do novo governo, e temos a dimensão da influência do chefe de Estado argentino de 2015 a 2019, um liberal moderado, no governo de Milei, um ultraliberal. Mais: a presença no executivo de Diana Mondino, nas Relações Exteriores, diplomata que vem apagando, na China, no Brasil, nos EUA e no Vaticano, os fogos ateados pelo candidato em campanha, do tecnocrata Guillermo Ferraro, na Infraestrutura, e do político - tão político que exercia cargo de confiança na gestão peronista anterior- Guillermo Francos, nas Relações Internas, revelam que de radical o próximo governo argentino terá pouco. Sobram Mariano Cúneo Libarona, na Justiça, e Sandra Pettovello, no superministério do Capital Humano (inclui Trabalho, Saúde, Educação), dois novatos na política..Do "mileísmo" puro, ultraliberal, radical e folclórico não coube ninguém, pelo menos, no primeiro escalão, a não ser Victoria Villarruel, a vice-presidente negacionista dos crimes militares, ultrapassada na escolha dos titulares da Defesa e da Segurança, pastas onde supostamente ela teria uma palavra a dizer. E Nicolás Posse, o braço direito de Milei e próximo chefe do gabinete ministerial. Em campanha, El Loco atribuiu a Conan, o cão falecido mas com quem comunica através da irmã, médium interespécies, o papel de principal conselheiro. No poder, Macri ocupará, ao que tudo indica, as funções de Conan.."Provavelmente, o sonho liberal-libertário e anarquista de mercado de Milei está fadado a ser um segundo regime de Macri, restando aguardar a posse e acompanhar a condução política no país vizinho para novas conclusões", escreveu Lucas Bastos de Souza, economista da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, no jornal Opção. "Milei vendeu sonhos mas acordou a dormir com o inimigo, Macri, que é um inimigo necessário, um frenemy, como dizem os americanos", completa Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, ao DN..Para o académico, "o primeiro desafio económico de Milei deriva do facto de o Estado argentino gastar mais do que pode". "Mesmo na era do boom das commodities, no kirchnerismo, o país não fez reservas, ao contrário do Brasil dos primeiros governos de Lula, por isso Milei vai congelar gastos públicos e gerar protestos porque o peronismo tem muita força sindical, social e, outro desafio, parlamentar". "Com os obstáculos na economia, Milei terá, entretanto, mais condições de fazer valer promessas na área da Segurança, de se tornar, como lhe é pedido, um Nayib Bukele, numa alusão ao presidente linha dura de El Salvador", diz Vieira..Na posse, por ser mais um prolongamento de campanha do que um ato político, Milei ambiciona voltar a ser o mais excêntrico possível. Não deseja falar no interior da Assembleia Legislativa, como é praxe, e sim na esplanada; quer percorrer a Avenida de Mayo em simbólica contramão num Valiant descapotável a evocar o Cadillac Serie 62 comprado por Juan Domingo Perón mas indisponível, para tristeza do novo presidente, por problemas burocráticos de falta de seguro e de permissão de circulação; e pretende descer do automóvel a meio da Avenida 9 de Julio e entregar-se aos braços da multidão..Para tal, Milei fará uso de um impressionante dispositivo de segurança, composto pelas quatro forças, Polícia Federal, Gendarmería Nacional, Prefectura Naval e Polícia de Segurança Aeroportuária, além de um corpo misto de militares e civis..O início da cerimónia está previsto para as 15h30 de Lisboa, com paragem, meia hora depois, na Catedral Metropolitana para celebração religiosa, a que se seguem os cumprimentos aos mandatários estrangeiros. Após o jantar de gala, de acordo com o diário La Nación, Milei vai assistir no Teatro Colón a Madame Butterfly, o mesmo cenário e o mesmo espetáculo em que foi apupado na véspera da segunda volta eleitoral que acabaria por vencer. O presidente pediu ainda para que no encerramento se tocasse um tango de Astor Piazzola - Balada Para Un Loco. A festa de El Loco, entretanto, será organizada por Darío Lucas, o comedido chefe de cerimonial da gestão de Maurício Macri.