Da história do brinquedo em Portugal sobressai a arte de muitos ferreiros, artesãos ou carpinteiros. Eram eles que faziam os brinquedos de antigamente, que entretanto se tornaram objectos de colecção. José Augusto Júnior foi um deles. Desde sempre fora conhecido pela sua arte de criar brinquedos. Em 1928 dedicou-se ao seu fabrico em madeira, e dez anos mais tarde lançou-se na produção fabril sob o nome de JAJ - adoptando a sigla das suas iniciais - com a produção de brinquedos em chapa. É a ele que cabe o mérito da criação da corda de fita de aço para a locomoção dos brinquedos. Instalados em Alfena desde 1929, decidiram mudar em 1946 para as novas instalações da JAJ e adoptar a designação de Indústria de Quinquilharias de Ermesinde. Foi a maior unidade industrial de produção de brinquedos em Portugal até pouco depois do 25 de Abril. Em 1955 surgem as primeiras dificuldades financeiras, e com a produção de brinquedos de plástico em força, a empresa passou a chamar-se Jato. Em 1977, alguns dos sócios decidem deixar o negócio e os irmãos Penela prosseguem com a produção usando o nome Pe-Pe (de Penela e Penela). O plástico começa a ser a sua grande aposta. No início dos anos 80 passam para novas instalações em Alfena, com a produção de brinquedos personalizados em plástico. Actualmente, a empresa chama-se Fábrica de Plásticos Jato, Lda. Joaquim Penela guarda com extremo cuidado os testemunhos de funcionários do tempo do bisavô «para posteriormente escrever um livro de memórias desta empresa» que marcou a infância de muitos e que faz parte da história do brinquedo em Portugal: «O meu pai e o meu tio nunca pensaram muito em guardar o que era antigo, mas felizmente foram-se mantendo algumas coisas que agora reuni».É a pensar na posteridade que Joaquim reserva papéis antigos da empresa como os que nos apresentou. A sua própria vida conta-se a partir da história da Jato. Começou aos 16 anos a trabalhar na fábrica e conta com 34 anos deste serviço, sendo actualmente sócio-gerente da empresa. Emanuel Penela, que também acompanhou a nm na visita, entrou mais tarde no negócio da família: «Fui trabalhar para o Porto, mas depois regressei e vim para a fábrica». Actualmente estão à frente da empresa cinco irmãos: Joaquim Alberto Penela, Júlio Penela, Paulo Penela, Emanuel Penela e Benjamim Penela.Joaquim tira do seu espólio um antigo catálogo de brinquedos da Pe-Pe. Na capa do pequeno livro está uma fotografia onde duas mulheres e três crianças se divertem com alguns brinquedos. Emanuel aponta para um dos rapazes da imagem, que segura um avião numa mão e uma carroça com cavalo na outra, e diz: «Este sou eu… devia ter uns oito anos talvez», recorda Emanuel, actualmente com 39 anos. Com a família a trabalhar numa fábrica de brinquedos, imagina-se o privilégio dos irmãos Penela, rodeados de bonecada em casa... Mas desenganam-nos: «Não tínhamos muitos brinquedos. Nós bem que pedíamos, mas só nos davam muito de vez em quando. Eram outros tempos», conta Emanuel. .Museu do Brinquedo«Já trabalharam cerca de 90 funcionários nas instalações da fábrica», lembra Joaquim Penela. Actualmente, não chegam à dezena. «Somos nós - os cinco irmãos - e mais quatro trabalhadores». O responsável relembra os tempos difíceis da empresa, no início dos anos 90: «A entrada para a União Europeia, com regras apertadas de produção e normas de segurança, a abertura de mercados e a concorrência chinesa» ditaram o declínio de vendas de muitas empresas. A Pe-Pe foi uma delas. «Tivemos de despedir muita gente, foi uma altura muito má. Tínhamos gente que tinha trabalhado aqui toda a vida», lamenta o responsável.«Esta senhora», diz o sócio-gerente da Jato enquanto mostra um papel amarelecido pelo tempo, «entrou para a empresa com 14 anos e ganhava oito escudos por mês. Isto em 1965». São muitos os contratos de trabalho que contam a história quase secular da Fábrica de Plásticos Jato e é com grande entusiasmo que Joaquim Penela fala do passado da empresa e do trabalho do seu avô e do seu pai. Na família segue a tradição e a arte de produzir brinquedos e há grande orgulho nisso. Mas os seus olhos brilham quando fala do Museu do Brinquedo de Alfena. Um projecto que tem entre mãos e que se encontra em andamento com o Instituto Português de Museus. .Os best-sellersCom o projecto sempre em mente, Joaquim vai reunindo material: «Tenho originais bem guardados e réplicas já postas de parte para o futuro museu», garante. É por isso uma viagem ao passado que proporciona quando mostra parte do espólio. Os famosos carros da marca Pe-Pe fazem parte das recordações de infância de muitos dos adultos de hoje: polícia, bombeiros, as carrinhas VW (pão de forma), as ambulâncias, os jipes de militares, os carros de corrida e os famosos táxis, entre tantos outros. Esse mesmo imaginário infantil é recordado através de um desfilar dos brinquedos de outrora: «As espingardas, a guitarra (com cordas de aço que vinham da Holanda), a carroça com cavalo, o avião, o rapa com o Pai Natal, o ferro e a tábua de engomar, as bonecas, a loucinha de brincar e os fogões. Tudo criado e fabricado cá», diz com orgulho Emanuel Penela. O fogão 1010 - número de referência do catálogo - foi um dos best-sellers. «As meninas gostavam muito, e ainda gostam, deste fogão, que ainda usa parte em chapa. Há também outro que vende muito bem, que é o fogão de campismo, totalmente em plástico». .Só por encomendaNa fábrica, em Alfena, encontram-se inúmeros moldes antigos e máquinas com mais de oitenta anos, que fazem parte da história da empresa. A produção adapta-se aos pedidos e, quando visitámos a fábrica, estavam a ser feitos os aros dos tambores que «têm muita saída para Espanha, para festas religiosas, colocando a imagem de uma santa». «Está agora também a sair uma encomenda grande de martelos para Lisboa. Usam-nos para a passagem de ano e para o Carnaval», informa Joaquim Penela. Mas nem só de brinquedos antigos e de martelos se fazem as histórias dos plásticos da Jato. «Barquinhos, as clássicas gaiolas de grilos, cornetas coloridas e apitos de todas as cores» - vendidos para universidades, clubes de futebol ou mesmo campanhas políticas – são outros dos produtos. «Actualmente, a maior parte dos brinquedos que fazemos é por encomenda. Não compensa produzir isto em força», justifica Joaquim. Por isso, a empresa sobrevive graças à produção de material industrial, como frascos de plástico e pegas para embalagens de cartão. Outra das suas produções são os frascos de cola líquida. As pistolas de água de Carnaval, que também eram uma produção de referência da Pe-Pe, deixaram de ter tanta saída devido à «forte concorrência dos artigos semelhantes de produção chinesa»..Reaproveitamento de material«Quando falhou a chapa - entre as duas guerras mundiais - o meu avô ia às sucatas buscar latas velhas e reaproveitava tudo». Foi assim que os irmãos Penela aprenderam a reaproveitar chapa – e ainda agora o fazem - para os brinquedos que depois pintam. «Os chassis dos carros têm todos chapa reaproveitada e pintada», desvenda Emanuel. «Antigamente o brinquedo era todo pintado à mão. Ainda agora muitas peças são pintadas uma a uma», diz, enquanto mostra a pintura do fogão 1010. «Aqui, a base de qualquer brinquedo é esta: montagem peça a peça e pintado também», lembra o sócio da Jato, salientando que «é uma coisa que parece simples, mas tem muitas mãos de trabalho. Aqui, tudo é feito ao pormenor». Apesar da pequena produção, comparada com números de há mais de uma década, a Jato ainda continua a fazer exportações. «Para a Holanda vendemos os martelos de plástico e para Espanha fazemos de tudo um pouco: tambores, vira-ventos, etc.». Para França também já exportaram conjuntos de praia (com balde, pá, ancinho e barquinhos) e «para a Alemanha chegámos a fazer os carros de bombeiros e de polícia (com autocolantes a dizer Polizei)», acrescenta Joaquim. .Recordar é viverEntretanto, as regras da União Europeia acabaram por criar um novo mercado para os seus artigos: o de coleccionadores e saudosistas. «Os brinquedos não são para crianças, porque não passam pelas normas de segurança, mas os adultos e coleccionadores compram para recordar», frisa Emanuel Penela. Qual o adulto de hoje que não se recorda de ter tido um balde de praia com o conjunto de utensílios indispensáveis para a brincadeira na areia? O balde, a pá, o ancinho, as formas e um barquinho. Primeiro em chapa, depois tudo em plástico. Tudo fabricado na fábrica Pe-Pe.«São várias as lojas de todo o país que nos compram os brinquedos para vender». São exemplo disso as lojas de Catarina Portas A Vida Portuguesa, em Lisboa e no Porto, um projecto que disponibiliza «produtos que atravessaram gerações e nos tocam o coração. Fabricados desde há muito, mantiveram até aos dias de hoje as mesmas embalagens originais, bonitas, pueris», diz o site de A Vida Portuguesa. «Apesar de serem mais caros, pelo processo artesanal, sempre vendemos muito bem os brinquedos de lata. Mas continuei a procurar mais brinquedos antigos e encontrei a Pe-Pe, que tem artigos muito tradicionais e conhecidos», conta Catarina Portas. Pela sua experiência, «o táxi com tracção é o brinquedo da Pe-Pe que mais se vende». «A máquina de costura, as pistolas de água, as rocas, a loucinha de plástico e os fogões também têm muita saída», explica a proprietária da loja, adiantando ainda que «os conjuntos de praia também vendem muito bem, mas mais no Verão». É «um regresso ao que é de qualidade e ao que é português», diz Catarina Portas.Também a Porto Paixão é uma das fiéis compradoras dos brinquedos da Pe-Pe. Na loja, situada no centro histórico do Porto, encontram-se diversos brinquedos antigos. Helena Barroso verifica que «os táxis e os ‘carochas’ da Polícia são os que mais se vendem e os fogões de plástico também». «Quem compra diz que é para recordar a infância e que não é para as crianças brincarem, porque senão estragam», conta Helena entre risos. «O brinquedo mais vendido de sempre da Pe-Pe é sem dúvida o Volkswagen azul como carro de polícia», informa Joaquim Penela. «O ‘carocha’ tem um barulho inconfundível quando se movimenta», destaca o responsável, salientando as invenções de José Augusto Júnior que ainda hoje acompanham os brinquedos. «O meu avô inventou a corda com fita. Descobriu que a fita, por ser mais larga, dava mais força. E para além de dar movimento aos brinquedos dava-lhes um som muito característico», revela.Helena Barroso, da Porto Paixão, relembra que «mesmo os clientes estrangeiros acham muita piada aos brinquedos, principalmente aos de lata e aos carrinhos de corrida». «As lojas» - notam os irmãos Penela - «estão a apostar cada vez mais nos brinquedos antigos». Sobre esta espécie de revivalismo, Helena Barroso ressalva que «não são só compras de Natal. Os compradores de brinquedos antigos e coleccionadores visitam-nos o ano inteiro».