Como já se demonstrou várias vezes, o consumidor tem um poder enorme e pode fazer a diferença muito a jusante, junto da produção onde os animais se encontram. Ou seja, um público informado e sensibilizado pode influenciar de forma decisiva as condições de produção de alimentos. E os animais agradecem.Primeiro uma pequena revisão daquilo que é a produção de leite no mundo e em Portugal. Uma vaca inicia a sua produção de leite após ter o seu primeiro parto, que normalmente ocorre aos dois anos de idade. Após dois ou três meses de lactação, a vaca é novamente coberta, de forma a produzir nova cria e iniciar nova lactação no espaço de um ano (entretanto estará dois meses a «descansar»). Em cada lactação uma vaca leiteira, numa exploração moderna, produz qualquer coisa como nove mil litros de leite e esta quantidade tem aumentado regularmente ao longo dos últimos anos, sendo consensual que cinquenta por cento desse incremento provém do melhoramento genético.Os sistemas de produção variam um pouco, mas essencialmente podem agrupar-se naqueles em que os animais estão em estábulos e aqueles onde estão em pastagem. Frequentemente há situações mistas, sendo que apenas nos Açores podemos encontrar vacas leiteiras que estão permanentemente nos campos. Quando estão nos estábulos, as vacas podem ter camas individuais (cubículos) ou deitarem-se livremente em parques. Em (felizmente) poucas explorações ainda se mantêm os animais permanentemente atados a uma manjedoura.A principal raça produtora de leite é a Holstein-Frísia, que é um ramo apurado de uma raça preta e branca proveniente da zona da Frísia, que inclui o Norte da Holanda e a Alemanha. Existem outras raças ou cruzamentos que, por enquanto, têm uma expressão mínima em Portugal.Umas das conclusões mais importantes deste relatório, e que deverá provocar uma reflexão cuidadosa, é que a selecção genética para alta produção, que se iniciou há umas décadas, é a razão principal para os problemas de saúde e bem-estar da moderna vaca leiteira. Isto quer dizer que, na ânsia para conseguir produções gigantescas, esquecemo-nos de que estávamos a trabalhar com um ser vivo e senciente. Esta conclusão não deve ser vista apenas como um alerta destinado a defender a qualidade de vida dos animais, mas é também um importante aviso para repor a sustentabilidade económica das explorações. É fácil entender que um animal que adoece facilmente nunca será produtivo, por muito potencial que tenha.O relatório também avança algumas das razões para os caminhos paralelos traçados pelo melhoramento genético e os problemas de bem-estar. Por exemplo, ao criar animais maiores, com capacidade para comer muito, tornamo-los impróprios para as instalações que desenhámos. Isto é particularmente evidente nos tais cubículos e comprova-se pelo elevado número de problemas nos membros e patas das vacas.Também o facto de criarmos vacas em que a grande prioridade genética é a produção de leite, significa que os recursos podem não ser suficientes para outras funções, ou que se instalem frequentemente desequilíbrios nutricionais que desembocam em doença e mesmo morte prematura. Apesar de a moderna exploração leiteira estar normalmente preparada para oferecer dietas à medida das altas produções, esta resposta apenas resulta quando não existe qualquer impedimento à ingestão do alimento. O pior é quando um problema de saúde, situações de stress ou mesmo o próprio parto, reduzem a capacidade de aproveitamento dos nutrientes. E todos estes são frequentes.Outro problema identificado no relatório é a incapacidade de as vacas leiteiras se adaptarem ao tipo de piso em que as colocamos, geralmente cimento escorregadio e abrasivo. Este ambiente conduz a lesões que causam dor e incapacidade permanente. Mais uma vez esta situação corresponde a sofrimento animal e humano, já que uma vaca em dor não produz o necessário e, muitas vezes, acaba por ter de ser dispensada. Também o sistema de manter a vaca sempre presa à manjedoura é fortemente criticado neste relatório, sendo provável que se sigam regras dissuasoras para este tipo de produção. Ainda outra desvantagem das explorações intensivas actuais é o elevado ratio de animais por tratador. Ou seja, com o avanço da tecnologia e o aumento do custo da mão-de-obra, as explorações «olham» cada vez menos para os seus animais. Isto significa que animais doentes podem ser ignorados durante mais tempo, ou que a assistência demore mais a chegar, ou que o stress de contacto com humanos seja maior.Finalmente, são apontados os quatro grandes problemas de bem-estar para as vacas leiteiras – problemas podais, infecções da glândula mamária, doenças metabólicas e infertilidade (este mais como um sinal do do que propriamente um problema de bem-estar).Após a descrição dos problemas mais prementes em termos de bem-estar, são avançadas algumas recomendações que se destinam a oferecer pistas para os produtores descontentes com a situação mas ainda ignorantes quanto ao caminho a trilhar. As soluções são várias e incluem, por exemplo, repensar os critérios de melhoramento genético, a melhoria das instalações com ênfase na necessidade de as vacas fazerem exercício e acederem ao campo, a aposta na longevidade produtiva do animal em vez da produção imediata, a consideração do animal como ser vivo com capacidade de sentir e sofrer, etc.Estes são apenas alguns exemplos daquilo que o relatório nos apresenta. Quem quiser ler em pormenor poderá consultá-lo a partir do site da EFSA (www.efsa.europa.eu). Como mensagem final, é importante perceber que é possível produzir leite sem prejudicar os animais e que este tipo de relatório, que provavelmente dará origem a alguma legislação, pode alertar para situações de exagero. O consumidor deve perceber o que estará a acontecer e devem ser-lhe dadas armas (por exemplo, rotulagem especifica quanto ao sistema e país de onde provém o leite) para que recompense aqueles que prometem produzir de forma sustentável, em equilíbrio com o animal e o ambiente.Uma coisa é certa: à melhor vida que dermos às nossas vacas corresponderá um melhor leite nos nossos copos.