Médicos internos ameaçam impugnar concurso à especialidade

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Os médicos internos ameaçam impugnar o exame nacional deste ano para a admissão na especialidade. Em causa está o tom utilizado pelo júri da prova para responder às reclamações a uma pergunta que não obedecia às regras em vigor. Aos 74 candidatos que pediram a anulação da questão, o júri respondeu por escrito que «qualquer pessoa com intelecto suficiente para fazer a 4.ª classe» a entende. Para os clínicos, a frase é «inadmissível» num exame com esta importância e traduz um «claro desrespeito» pelos profissionais.

Com uma impugnação do concurso, fica em causa a entrada destes profissionais em Janeiro nos diferentes serviços de especialidade dos hospitais. O que, a acontecer, afectará o seu normal funcionamento, já que os internos têm um peso importante na força de trabalho das unidades de saúde.

Foram 884 os médicos que fizeram este ano o exame que serve para ordenar os candidatos às diferentes especialidades médicas, depois de terminado o internato geral. A prova motivou uma contestação recorde: das 100 perguntas, 82 foram postas em causa quando, em média, as reclamações à chave de resolução não costumam ultrapassar as duas dezenas. Contudo, o júri entendeu considerar apenas três críticas e não anulou qualquer pergunta.

Rui Guimarães, presidente do Conselho Nacional do Médico Interno (CNMI), organismo da Ordem dos Médicos (OM), confirmou ao DN ter sido contactado por centenas de colegas que não se conformam com aquilo que consideram um «insulto». Vários estão apostados em avançar para um protesto formal. Impugnar o concurso e levar a questão ao colégio disciplinar da OM são as medidas mais prováveis. «Mesmo os colegas que acertaram a questão consideram que devia ser anulada», diz. Perante um cenário de «estupefacção e descontentamento geral», o CNMI decidiu enviar ontem uma carta ao Ministério da Saúde - responsável pela nomeação do júri - exigindo um pedido público de desculpas.

74 médicos solicitaram a anulação da pergunta que apresentava seis hipóteses de resposta, quando o estipulado em portaria do Diário da República é cinco. Mas o júri entendeu não dar provimento aos pedidos, alegando um erro de impressão. «A pergunta está bem formulada e qualquer pessoa com intelecto suficiente para fazer a 4.ª classe percebe a que número corresponde cada alínea», lê-se no documento com o carimbo do Ministério da Saúde.

«"Intelecto suficiente para fazer a 4.ª classe" julgamos ser também condição fundamental para ser presidente de um júri nomeado por despacho do ministro da Saúde», diz o CNMI na carta enviada à tutela. O documento sublinha ainda que aos candidatos não pode ser imputada qualquer responsabilidade de erros no enunciado.

Em declarações ao DN, o presidente do júri, Roberto Palma Reis, admite que «o tom não é o mais político», mas afirma que os candidatos agiram «de má fé». «Se as reclamações fazem parte das regras do jogo, há que ter fairplay para receber as respostas. Um júri não tem que agradar, tem que ser correcto», considera.

O médico admite que houve um erro de formulação na pergunta. Contudo, garante que a decisão de não anulá-la «é a mais justa» e foi tomada depois de os membros do júri analisarem os testes e perceberem que a decisão «iria prejudicar os melhores candidatos e apenas beneficiaria os piores». «A taxa de não resposta foi semelhante às outras questões e a maioria acertou», acrescenta. Sobre o elevado número de alunos que contestaram a chave de correcção, Palma Reis considera que a situação «é normal e compreensível», mas defende que globalmente este é um dos melhores testes que já foi feito.

O DN tentou obter uma reacção por parte do Ministério da Saúde, mas não obteve qualquer resposta até ao fecho desta edição.

Descontentamento. A contestação em massa ao exame deste ano é para Rui Guimarães um sinal do mal-estar dos médicos internos face à política da tutela. Recorde-se que este ano já houve uma greve geral de médicos internos contra a mudança do regime do internato. Numa altura de «indefinição» sobre o novo modelo de formação, os clínicos «estão apreensivos». Rui Guimarães dá o exemplo: «Quem realiza o exame pode sempre repeti-lo na próxima fase. Mas, este ano, nem essa possibilidade está ainda assegurada».

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