Médico deve 'denunciar' doente que é perigo público

Especialistas defendem que só em função do bem comum se devem revelar dados à justiça. Isto não quebra sigilo.
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"Quando um violador procura apoio psiquiátrico, confessa os seus crimes, e o médico que o assiste percebe que ele poderá vir a ter uma prática recorrente grave (constituindo por isso um perigo público), o profissional de saúde tem obrigação de denunciar a situação às entidades judiciais. Isto, após obter a devida autorização da Ordem dos Médicos (OM)." A explicação é dada ao DN pela vice- -presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental Maria Luísa Figueira.

Esta responsável sublinha, no entanto, que, perante uma situação desta natureza, o médico não está a quebrar o sigilo profissional, já que a denúncia - feita sempre "quando o interesse público se sobrepõe ao individual" - passa então a ficar sob segredo de Justiça, logo não poderá ser divulgada.

De acordo com a psiquiatra Luísa Figueira, as situações que mais são comunicadas às autoridades judiciais são as que estão relacionadas com maus tratos a menores, visando a protecção da criança que fica sob tutela do juiz.

No caso do vulgarmente designado "violador de Telheiras", não se sabe o que Henrique Sotero, de 30 anos, terá contado ao psiquiatra António José Albuquerque, que o acompanha desde Outubro de 2009 e muito menos se este médico terá feito ou não qualquer denúncia às entidades competentes.

Ao DN, António José Albuquerque disse preferir, para já, guardar silêncio em relação ao seu paciente. E evoca precisamente o dever de manter o sigilo profissional. "Mais tarde, e com a devida autorização do meu paciente, falarei. Até porque tenho a obrigação de manter o sigilo profissional. O meu contrato ético é com o meu paciente e só com a autorização dele poderei falar", explicou o psiquiatra, remetendo-se ao silêncio, até para proteger o seu paciente.

Esta postura vai de encontro ao que disse ao DN o bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, sem nunca se referir a situações concretas, nomeadamente a da violação. O bastonário é peremptório: "Os médicos só podem quebrar o sigilo profissional com a devida autorização dos seus doentes."

Há, no entanto, excepções, mas em casos extremamente raros: "Tal pode acontecer quando é necessário salvaguardar valores de maior relevo como é o caso da vida humana", referiu o bastonário, sublinhando que, mesmo assim, "são situações que obrigam a uma enorme ponderação". Adiantando que muito dificilmente isso se verifica, Pedro Nunes disse que quando tal acontece é "com a maior excepcionalidade e sempre sob autorização do presidente da Ordem dos Médicos".

Sem adiantar se já lhe passou algum caso destes pelas mãos, Pedro Nunes sublinhou que "este mecanismo [o sigilo profissional na área da saúde] existe não só para proteger o paciente, como para proteger a própria sociedade". E exemplifica: "Se um indivíduo se quer tratar [de alguma doença que coloca terceiros em risco], mas não tem a garantia de que pode confiar no seu médico, o mais provável é desistir do tratamento e continuar a constituir um perigo para a sociedade em que se encontra inserido."

De acordo com o bastonário da OM, "a sociedade deve proteger-se dos indivíduos [potencialmente perigosos] sem que seja necessário quebrar um direito que assiste aos doentes, que é o do sigilo profissional".

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