Mário Crespo e outros problemas

Publicado a
Atualizado a

Embora Mário Crespo seja uma pessoa decente e um óptimo profissional, não sei, não posso saber, se a conversa por ele descrita é verdadeira. A alegada conversa, que se tornou na polémica da semana, terá envolvido o eng. Sócrates acompanhado de dois subordinados, de um lado, e o director da SIC Nuno Santos do outro. Este, segundo as fontes citadas, disse pouco ou nada. Aquele disse umas coisas, entre as quais que Crespo é um "louco" e um "problema" que precisa de ser "resolvido".

Admitamos que a conversa existiu de facto. E depois? Todos os dias, milhões de portugueses, em restaurantes, táxis, paragens de autocarro e centros columbófilos, emitem alívios semelhantes, ou um nadinha piores, acerca do eng. Sócrates. Raros sofrem represálias, excepto por um outro pivô televisivo, um ou outro professor chamado Charrua e uma ou outra directora de centros de saúde de Vieira do Minho. Eu próprio dou frequentemente por mim a tecer comentários sobre o "chefe máximo" do PS, que por acaso também considero um problema a necessitar de resolução. E urgente. A diferença é que, à semelhança de Mário Crespo, posso fazê-lo nos media.

É no mínimo justo que o eng. Sócrates utilize os meios à sua disposição para reagir aos que o atacam. Por isso acho normalíssimo que insulte Crespo nos restaurantes, Manuela Moura Guedes na Assembleia da República e jornalistas avulsos em telefonemas protegidos pelo zelo judicial. Acharia igualmente adequado que o homem não concentrasse a justificada fúria na imprensa e desatasse a responder a taxistas, funcionários públicos e adeptos do Benfica. Quem não se sente não é filho de boa gente, e o eng. Sócrates, que descende com certeza das melhores pessoas do mundo, tem o direito de se sentir tanto quanto quiser.

Os puristas discordam, alegando que, acima de fúrias e sentimentos, está a contenção que se impõe a quem, como o eng. Sócrates, é primeiro-ministro. Pois é. Mas não parece. Nunca pareceu muito e cada vez parece menos.

Terça-feira, 2 de Fevereiro

Duzentas janelas de oportunidade

O que falta para inverter a baixíssima taxa de natalidade indígena? Vontade? Fertilidade? Emprego? Nem por sombras: faltam exactamente 200 euros, o montante que o Governo vai depositar na conta de cada recém-nascido e que este poderá levantar aos 18 anos - se, ao que percebi, entretanto completar a escolaridade obrigatória.

Bastaria isto para sairmos à rua a exaltar a medida. Quantas crianças trocaram precocemente a escola por uma vida de errância graças à inexistência de estímulo material? Ao contrário do que ha- bitual e apressadamente se afirma, os trágicos resultados nacionais a Matemática, Português e etc. não se devem ao facto de os meninos e as meninas não saberem nada de coisa nenhuma, mas ao desânimo de quem sabe não ter 40 contos dos antigos à espera no fim do liceu. Daqui em diante, o abandono escolar será uma memória difusa. Valerá a pena aguardar 18 anos para ver milhares de jovens iniciarem carreiras repletas de "empreendedorismo" e risco, munidos com o portentoso trunfo profissional que é o diploma do 12.º e os 200 euros (fora juros) que o Estado lhes deu. Lamento unicamente que o Governo não ouse estipular donativos graduais para as crianças que adquirirem uma licenciatura (230 euros, por exemplo), um mestrado (245) ou um doutoramento (252).

Tal como está, porém, a medida já é excelente. E possui a vantagem adicional de servir, nas palavras oficiais, de "incentivo à poupança". Pelos vistos, o Governo dispõe de indícios de que os progenitores nacionais médios são demasiado apalermados para se lembrarem sozinhos de abrir uma conta em prol da descendência. Ou seja, as famílias não poupavam porque não lhes ocorria. Agora, por obra da generosidade governamental, não há esquecimento possível: os pais poderão poupar, poupar imenso, poupar tanto que os 200 euros virtuais que a criança recebe à nascença talvez alcancem os reais milhares que a criança nasce já a dever, por conta de um défice que medidas assim maravilhosas multiplicam e justificam em pleno.

Quinta-feira, 4 de Fevereiro

Provas irrefutáveis

Sempre que escrevo sobre o "aquecimento global", e reconheço que o faço com frequência e com o cepticismo que as aspas sugerem, sou acusado de estar do lado oposto à credibilidade. Durante algum tempo, porém, supus que a tal credibilidade fosse sinónimo dos cientistas e activistas que vivem a expensas de interesses diversos e não liguei. É difícil ligar a sujeitos que, como tem sido notório, distorcem, omitem e inventam informação de modo a legitimar (digamos) as respectivas teses. O problema é que, quando parecia desacreditada de vez, a tese da influência humana no clima ganhou enfim um defensor acima de qualquer suspeita.

Falo, é claro, de Bin Laden, cuja mais recente (e atribuída) gravação é inteiramente dedicada à preocupação com as "alterações climáticas". Para cúmulo, a intervenção segue passo a passo o cânone do género e inclui visões apocalípticas, evocação do Tratado de Quioto, críticas aos EUA e a George W. Bush e, num acto de ecumenismo, citações de um judeu. A evidência ecuménica diminui se se disser que o judeu se chama Noam Chomsky. Ainda assim, o testemunho de Ben Laden é arrasador para os cépticos. Eu, pelo menos, confesso-me inclinado a começar a acreditar no "aquecimento global", sobre o qual apenas aguardo a confirmação de Ahmadinejad e daquele canibal que manda na Guiné Equatorial para abolir as aspas, aderir à Quercus, berrar contra o capitalismo americano e engrossar as fileiras credíveis.

Sábado, 6 de Fevereiro

Como chegámos à Madeira

Primeira hipótese. O Governo, tomado por súbita parcimónia contabilística, acha vital poupar os 50 milhões com que a alteração da Lei das Finanças Regionais beneficiará a Madeira, por isso votou contra e espera o veto de Cavaco. A oposição, tomada por amnésia no que respeita ao "rigor" e uma generosidade unânime face à segunda região mais rica de Portugal, acha importantíssimo providenciar-lhe a verba em questão, por isso a aprovou na AR e espera a promulgação de Cavaco.

Segunda hipótese. O Governo tipicamente não se prende com poupanças, apenas viu na irrelevância das Finanças Regionais uma oportunidade para fazer birra e, se Cavaco ajudar, cair e talvez beneficiar de eleições antecipadas. A oposição nem sabe onde fica a Madeira, apenas percebeu que um mero pretexto para irritar o Governo pode, se Cavaco não ajudar, resultar em eleições que, talvez, dizimem o actual conforto de CDS e BE e castiguem esse vazio chamado PSD.

Terceira hipótese. O Governo descobriu que, muito por sua causa, o País afocinhou de vez e sem remédio, pelo que se serve de qualquer argumento para ensaiar uma fuga airosa. A oposição concorda que, um bocadinho por sua causa, o país afocinhou de vez, pelo que não lhe interessa, nem sob ameaça de arma, responsabilizar-se por ele.

As duas primeiras hipóteses indiciam uma luta pelo poder reveladora de que estamos nas mãos de malucos. A terceira indicia uma saudável (no sentido psiquiátrico) cautela. Eis o dilema do momento: dada a situação actual, Portugal precisa de alguém sensato que lhe pegue. Sucede que, assaz compreensivelmente, ninguém sensato lhe quer pegar. Sobra o que sobra, e de certeza que sobrará para todos nós.

Segredos e mentiras

O jornal Sol divulgou as "escutas" que confirmam o que todos já sabiam: as artimanhas do PS para abolir o Jornal Nacional de Manuela Moura Guedes. Em quantos países um governo resistiria a tamanho regabofe? Em muitos, embora quase nenhum no hemisfério Norte, onde o Portugal do eng. Sócrates passeia uma bela figura. É verdade que o procurador-geral reagiu imediatamente às "escutas". Simplesmente, e sem surpresas, fê-lo para prometer investigar a violação do famoso segredo de justiça. Por cá, o objectivo da justiça não é garantir os direitos dos cidadãos: é manter-se secreta, coisa que, dada a sua ineficácia e relativa inexistência, nem é difícil.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt