Sem surpresas, a marcha de Alfama alcançou a vitória na 75.ª edição do concurso das Marchas Populares de Lisboa. Além de melhor marcha, Alfama conquistou a melhor coreografia e dividiu com Marvila o prémio de melhor figurino. .O prémio da melhor musicalidade foi repartido pelas marchas de Alfama, Marvila, Bairro Alto e Campolide, enquanto a Bica segurou o prémio da melhor letra e composição original. Marvila venceu ainda o prémio de melhor cenografia e Campolide o prémio de melhor desempenho do cavalinho. .A noite de Santo António, a mais longa de Lisboa, iniciou-se na Avenida da Liberdade, com o desfile das 18 marchas representativas de outros tantos bairros, mas a festa da cidade no interior dos bairros e nas colectividades durou até de madrugada, quando finalmente o júri do concurso divulgou a classificação final. .Acumular títulos.Alfama conquistou assim pela quarta vez consecutiva o título de melhor marcha, acumulando prémios diversos desde 1990. Nos últimos onze anos, o bairro onde o poeta Ary dos Santos "descansou o olhar" alcançou por oito vezes o título de melhor marcha. Só em 2001, 2002 e 2003, o primeiro lugar escapou às gentes de Alfama, mas ainda assim foram garantidos os prémios de melhor coreografia (2001 e 2002), figurinos (2001) e letra original (2003). .As gentes que ao longo dos tempos habitaram o bairro - afinal, o coração da cidade -, contribuindo para a miscigenação de Lisboa, foram o tema escolhido este ano por Alfama que se enquadrou como uma luva no espírito das marchas populares, divulgado pela entidade organizadora, a EGEAC, empresa municipal de animação cultural de Lisboa..Junto ao Centro Cultural Magalhães de Lima, a colectividade organizadora, o ambiente era ontem à tarde de euforia por mais uma vitória, com os marchantes a serem saudados com os tradicionais "Alfama é linda", durante o encontro informal com os residentes no miradouro de Santa Luzia. .As suspeições que se têm levantado nos últimos anos sobre as sucessivas vitórias de Alfama não incomodam ninguém em São Miguel e na Sé. "Já viu alguém sentir-se incomodado por ganhar?", afirma Sofia Cuba a meio caminho da Rua da Regueira..Ricardo Cuba vai mais longe: "É a mística de Alfama. É como ser do Benfica". E isso, dá a entender, pesa na cidade. "Marvila tem alguma coisa de típico?", desafia, aludindo a uma eterna rivalidade entre as duas marchas populares, reflectida em classificações muito próximas, obtidas nos últimos anos. "A imagem de Lisboa são os bairros históricos. Antigamente a rivalidade de Alfama era com o Castelo", recorda..Ana Paula tem Alfama no coração. Os seus 53 anos pertencem ao bairro. "Alfama é Alfama", afirma, mas reconhece que há outras marchas bonitas. "Alcântara, por exemplo, ia muito bonita", mas não se sente nada melindrada pelo acumular sucessivo de primeiros lugares, embora reconhecendo que essa classificação já não a surpreende..O percurso de sucesso está associado a Carlos Mendonça, homem ligado às artes cénicas e coreógrafo, ensaiador, cenógrafo e projectista da marcha de Alfama desde 1990. Das 18 marchas que organizou, onze conquistaram o primeiro lugar. .Carlos Mendonça atribui o sucesso ao grande envolvimento das pessoas, não apenas dos 70 envolvidos directamente, entre marchantes, aguadeiros e pessoal de apoio, mas também das gentes do bairro, no carinho que dispensam à sua marcha. .Para as marchantes, algumas estreantes como Débora Matos e Neuza Vieira, o mérito de Carlos Mendonça reside acima de tudo no empenho e na motivação que transmite. "Com grande rigor e disciplina", explica a marchante Sofia Gonçalves, acrescentando que os ensaios são feitos com espírito de sacrifício e trabalho. "Quando quero ir para os copos, não vou para os ensaios. Estamos ali para trabalhar. Essa disciplina, imposta pelo Carlos, é fundamental."|