Manifesto por trinta anos de educação ambiental Educação Ambiental ou barbárie
A Associação Portuguesa de Educação Ambiental (ASPEA) soma mais de 30 anos de existência. É uma efeméride a ser celebrada por muitas razões: trinta anos são três quintos de toda a história da Educação Ambiental, sendo que poucas organizações ambientais, muito menos aquelas ligadas ao campo da educação, podem gabar-se dessa longevidade.
Menos, ainda, podem gabar-se de uma trajetória em que a ASPEA soube sintonizar-se com os desafios socioeducativos decorrentes de uma relação cada vez mais incompatível entre a humanidade e a biosfera.
A Educação Ambiental iniciou a sua trajetória no final dos anos sessenta do século passado. Foi esse o momento quando começámos a tomar consciência pública de duas ameaças estruturais resultantes do sucesso evolutivo da nossa espécie: a degradação, como consequência das atividades humanas, de sistemas biofísicos fundamentais para a existência da vida tal como a conhecemos, e o esgotamento progressivo de alguns recursos (minerais e energéticos, principalmente) que estiveram na base da Revolução Industrial e da extraordinária aceleração que se fez sentir desde os anos cinquenta do século XX.
Cada vez mais população, mais consumo per capita, mais exploração de recursos, mais resíduos de todos os tipos. E, também, cada vez mais injustiça e desigualdades na distribuição dos recursos e das responsabilidades ambientais.
A Educação Ambiental começou, assim, a tornar-se um campo, relativamente autónomo, como resposta necessária a essas ameaças. William Stapp propôs há 53 anos, em 1969, o que se tornou a primeira definição canónica de Educação Ambiental: "A Educação Ambiental -- escreveu ele -- visaproduzir uma cidadania que conheça o ambiente biofísico, assim como os seus problemas associados, e que esteja consciente de como ajudar a resolver esses problemas e motivada a trabalhar para sua solução".
Pois não, há 50 anos atrás, Stapp não falava de conservação da natureza, de alfabetização ecológica ou do ensino de ciências biofísicas... ele falava de "produzir uma cidadania"; isto é, de uma prática educativa eminentemente cívica e política. Uma prática para envolver as pessoas nos assuntos da comunidade, do público, da defesa e do cuidado do bem comum e dos bens comuns.
Quando o movimento da Educação Ambiental começou, há meio século, os seus objetivos e ambições eram máximos: não se tratava de acrescentar um novo adjetivo -- ambiental -- ao substantivo -- educação --, de sobrepor mais uma camada à educação já existente. Uma leitura cuidadosa dos documentos fundadores da Declaração de Belgrado, da Declaração de Tbilisi e dos documentos estratégicos produzidos em 1977 na capital georgiana, permite constatar como se esperava que a Educação Ambiental fosse o catalisador de uma profunda reforma educativa. Uma reforma a serviço de um novo modelo de desenvolvimento -o caminho fracassado do "ecodesenvolvimento" -- que permitisse à civilização humana ajustar-se aos limites externos -- biofísicos -- e internos -- sociais -- que lhe garantissem uma vida digna, ambientalmente responsável e socialmente justa.
Não acredito no destino ou no azar, mas a Educação Ambiental tem sido vítima da história. Precisamente quando começava a sua trajetória, também começava a última grande revolução conservadora: o capitalismo neoliberal imposto na década dos anos oitenta. Em síntese, quando se começava a considerar o ambiente como um novo pilar do bem-estar -junto com a educação, a saúde e a proteção social -- o neoliberalismo hegemónico começou a desmantelar e desregulamentar toda aquela iniciativa dos Estados e da sociedade que pudesse ameaçar ou condicionar o livre fluxo de capitais e bens.
Do sucesso deste programa ideológico dá-nos conta a atualidade: o marco regulatório da Organização Mundial do Comércio é mais decisivo para a gestão da saúde ou do ambiente do que aquele que pode ser estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUMA) ou pela Organização Meteorológica Mundial (OMM).
Os resultados dessa convergência histórica hoje são paradoxais: os níveis de conhecimento sobre a interferência humana na biosfera são imensos, a sensibilidade pública sobre essa situação também cresceu e tornou-se uma questão cada vez mais relevante socialmente --Um sucesso da Educação Ambiental --; mas, também, vivemos num mundo hiper-humanizado que é, agora, ambientalmente mais fragilizado do que era há 50 anos. Não é o fracasso da Educação Ambiental, mas sim o fracasso de uma certa forma de conceber a apropriação, a transformação e a distribuição dos recursos naturais; de uma ideologia económica -o capitalismo de mercado global -- que determina a nossa relação predatória com a biosfera e a maioria da humanidade. Essa forma ideológica não apenas condicionou as estruturas económicas e sociais, mas, também, colonizou as nossas subjetividades a ponto de nos impedir de imaginar e construir formas alternativas de ser e estar na Terra.
Atualmente enfrentamos uma emergência de saúde e uma emergência climática. Reagimos rapidamente à primeira e interpretámo-la como uma questão de vida ou morte, também para o mundo financeiro. No entanto, ainda não começámos a reagir à segunda emergência. Continuamos a operar como se não estivesse connosco, como se algo -- a tecnologia, o progresso, um líder carismático, a inércia da história, ou não está claro o quê -- pudesse impedir um clima cada vez mais implacável e um Planeta inabitável.
Nunca a Educação Ambiental foi tão necessária, apesar do enorme e abismal desequilíbrio entre o que queremos que ela alcance -- redefinir as relações entre os seres humanos e a biosfera para torná-las exequíveis -- e os recursos que alocamos social e institucionalmente à educação para esse fim. Este será o grande desafio da Educação Ambiental na próxima década: socializarmos para entender que estamos a colidir com os limites da biosfera e que as consequências desse impacto podem levar ao colapso da civilização atual se não empreendermos uma transição sócio ecológica sem precedentes. Nem mais nem menos.
Para uma organização como a ASPEA este é um grande desafio. Um desafio que vai ter de colocar em jogo todo o saber e o que cultivou, com carinho, nos seus 30 anos de história. Um desafio que a torna imprescindível e socialmente mais relevante do que quando nasceu em 1990. Num mundo onde precisamos decrescer de forma sustentável, grupos cívicos como a ASPEA devem crescer e multiplicar-se.