Manifesto pela canibal
Eu estou bem colocado para dar um pontapé no Pedro Marques Lopes caído no chão: somos amigos. Ele é amigo, dos melhores, daqueles que se conhecem tarde e se escolhem. Amigo com quem discuto tanto e com o consolo, meu, de ficar quase sempre claro, para mim, que sou eu a ter razão. É bom ter amigos assim. Ontem, o Pedro escorregou como só ele, de forma original e com estardalhaço, com a ponta dos dedos. Escrevia ele um tweet sobre a momentosa questão expressa num título do Público, "Carta aberta pede legalização da cannabis para fins medicinais", e, então, ele postou: "Só há uma explicação para a canibal ainda não ser legal para fins terapêuticos: uma imensa ignorância." Eis um assunto (refiro-me ao tratado pelo jornal Público) sobre o qual eu não tinha nada para dizer, mas com a incómoda suspeita de falhar a ocasião de defender uma causa justa. Porém, outro assunto (refiro-me ao tweet do Pedro) veio libertar-me da indecisão. Sei que vou aproveitar-me da partida que o corretor ortográfico lhe pregou e vou juntar-me à turba (quase toda risonha e simpática, aliás) que gozou ontem com o Pedro e a sua defesa de uma insólita causa: a inalienável urgência de tornar a canibal legal para fins terapêuticos. Em doses pequenas, simples mordidelas, também acho que a canibal devia ser legalizada. Até digo mais, não vejo a necessidade de qualquer doença para o consumo, moderado, da citada mezinha. O tipo de marcas que a canibal deixa é imediato, ao contrário do álcool que só tarde nos previne com um nariz vermelho, já quando é irremediável a decomposição de órgãos internos. Prevenidos com as dentadinhas dela, à canibal nunca a deixaremos chegar ao fígado. Parabéns, pois, querido Pedro, pelo manifesto que ousaste, embora sem quereres. E voltando ao assunto de que eu não sabia como escrever por ignorar tudo, o aparecimento da canibal vem acompanhado de uma vantagem sobre a canábis: não vejo como aquela traga qualquer dependência.