Mais de 200 corpos ainda estão sepultados sob a lama

Muitas famílias estão de luto: perderam-se filhos, pais, irmãos. Há preces e lágrimas
Publicado a
Atualizado a

As chuvas diluvianas desta semana, no Rio de Janeiro, já causaram 190 mortes confirmadas - e, na favela do morro do Bumba, situada na vizinha cidade de Niterói, onde os bombeiros acharam dez corpos, pode haver até 240 cadáveres sepultados debaixo da lama. Onde se pensava que era um morro como os outros, a maior parte da base onde as pessoas haviam instalado as suas casas era afinal um velho depósito de lixo, sem firmeza suficiente para funcionar como alicerce. A força da lama, devido à chuvada, levou à destruição de mais de 60 casas. Supõe-se que o número de vítimas seja muito grande. Não se espera que seja encontrado nenhum sobrevivente. É a maior tragédia da história de Niterói desde 1961, ano em que um incêndio num circo provocou cerca de 500 mortos.

O prefeito do Rio (presidente da câmara), Eduardo Paes, assinou um decreto em anuncia que irá transferir, de forma compulsória, as pessoas que tenham instalado barracas em áreas consideras de risco pelas autoridades. Mas comenta-se que o custo da remoção de famílias é altíssimo, pois há que se encontrar um local plano e ainda construir as residências.

Já o prefeito da cidade de Niterói, Jorge Roberto Silveira, está a ser acusado de haver, demagogicamente, ajudado as pessoas a instalarem-se no morro do Bumba, apesar do perigo. Ele defendeu-se afirmando que existem milhares de casos similares no país, com gente pobre em áreas de risco. Ele não poderia prever que o perigo era tão intenso.

À excepção do morro do Bumba, a vida começa a voltar ao normal na região do Rio de Janeiro. Nesta sexta-feira, uma ressaca impediu o trânsito na Avenida Atlântica, na Praia de Copacabana, mas os surfistas apreciaram a novidade, passando a comparar as altas ondas com as do Havaí. O oceanógrafo David Zee afirmou que, com a mudança no clima, tempestades como a que gerou tantos mortos no Rio poderá repetir-se, aqui e em outros locais.

Nem a TV Globo escapou aos efeitos da chuvada. Amanhã o programa Domingão do Faustão será transmitido de São Paulo, pois o centro de produção da Globo, o Projac, foi severamente atingido pelas águas.

Um dos casos que mais comoveram a opinião pública brasileira foi o de Sabrina Carvalho de Jesus, de 26 anos, moradora do morro do Bumba. Abraçada ao marido, Sabrina já sabia que tinha perdido a mãe e o avô, mas rezava para achar o filho de seis anos, com muito poucas hipóteses de ser encontrado vivo. Mas a tragédia ainda podia ter sido maior: ela conseguiu salvar o filho mais novo, com apenas sete meses, que teve apenas ferimentos leves.

Outro caso a que as televisões brasileiras têm dado destaque é o de Adriano Gonçalves. Ele integrou-se nas equipas de socorro, do morro do Bumba, incessantemente, desde a noite de quarta-feira. Conseguiu tirar as duas filhas do meio dos escombros, mas perdeu a mulher, a enteada e o sogro.

Diversos membros da Igreja Católica e de igrejas evangélicas têm ajudado nas buscas, mas há um pastor desaparecido: Evandro Barci, de 43 anos. Também desapareceram a mulher e os dois filhos do casal.

Um rapaz contou que, na noite de quarta-feira, no morro do Bumba, ouviu um vizinho avisando que as casas iriam ser destruídas. Ele salvou-se, bem como os pais e os irmãos, mas perdeu tios e primos.

A dona de casa Auciléia de Freitas, moradora do morro do Bumba, perdeu a casa e todos os electrodomésticos, mas ficou viva, bem como os filhos e os netos. "Agora, vou tentar refazer a vida, embora já tenha 65 anos", disse esta empregada doméstica, com um salário que mal dá para os gastos correntes.

Muita gente tem sido encontrada a rezar, com rosários nas mãos. "Pelo amor de Deus, se Deus existe ele vai dar uma força para todos aqui, porque isso é um desespero só", declarou Maria Auxiliadora, moradora do morro do Bumba. A Igreja Universal do Reino de Deus, em geral criticada na imprensa, mostrou-se muito solidária com as vítimas: cerca de cem membros desta congregação religiosa têm passado as noites a ajudar as autoridades nas buscas e as confortar pessoas desesperadas.

A apresentadora do jornal vespertino da TV Globo, Sandra Annenberg, apareceu ontem perante os telespectadores com os olhos vermelhos. Ela confessou que, apesar da obrigação profissional, não suportou ver cenas algumas cenas muito duras, com famílias destruídas. Há casos em que um casal perdeu um bebé e outros em que os pais morreram e sobreviveu um ou outro fillho.

Outra repórter da TV Globo, Flávia Jannuzzi, relatou: "No morro do Estado, no início da cobertura, em Niterói também, a gente viu uma história de esperança: uma mulher que foi resgatada depois de ficar onze horas debaixo dos escombros, os bombeiros festejando, a imprensa festejando. Fiquei muito emocionada... Era uma senhora que estava com um filho portador de deficiência. Esse filho morreu e ela foi resgatada com vida. Todo mundo vibrou muito porque é uma história de esperança no meio de tanta tragédia." A comoção anda à solta no Rio.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt