Maiores hospitais de Lisboa só conseguiram preencher quatro vagas de Medicina Interna

O concurso de vagas para o internato da especialidade de 2024 deixou bem claro a que os jovens médicos não querem e que é fundamental para os hospitais e urgências: Medicina Interna. No Centro Hospitalar Lisboa Norte ficaram 15 vagas vazias e no Centro Hospitalar Lisboa Central 14, tendo sido apenas preenchidas duas vagas em cada um. A nível do país, ficaram a descoberto 104, das 248 vagas lançadas. Ministério assume preocupação. E sindicatos dizem que cenário tem a ver com "realidade do SNS".
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Em 2023, segundo dados disponibilizados pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), houve 2330 candidatos a concorrem ao internato das especialidades médicas que terá início em janeiro de 2024. Deste total foram colocados 1836, cerca de 80%, havendo 20% de jovens médicos que preferiram não escolher uma área para fazerem especialidade no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

A descoberto ficaram 407 vagas das 2242 que foram lançadas. Um número bem mais elevado do que aquele que foi registado nos últimos dois anos, já que, em 2022, ficaram por preencher 161 das 2057 vagas lançadas, e em 2021 foram 50 das 1938.

As especialidades de Medicina Geral e Familiar e Medicina Interna continuam a ser as mais preteridas em relação ao conjunto das 48 que foram a concurso, ficando cada uma com 165 e 104 vagas por preencher, respetivamente, 26,7 % e 58,8% das lançadas. Dois dos grandes hospitais do país, situados em Lisboa, apenas conseguiram preencher duas vagas, cada um, na área de Medicina Interna.

De acordo com informação das estruturas sindicais, estas duas grandes unidades são o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, que integra Santa Maria e Pulido Valente e ficou com 15 vagas vazias nesta área, e o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, que integra São José, Curry Cabral, Capuchos, Santa Marta, D. Estefânia e Maternidade Alfredo da Costa, e ficou com 14 por preencher.

A presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), Joana Bordalo e Sá, refere ao DN que a situação é tão mais grave porque a região de Lisboa e Vale do Tejo é das que está a sentir maiores constrangimentos nos serviços de urgência por falta de médicos e "esta é uma das especialidades fundamentais para o funcionamento dos hospitais e dos serviços de urgência". E, segundo apurámos, o cenário é idêntico nos hospitais da Grande Lisboa, como Amadora-Sintra, Garcia de Orta e Beatriz Ângelo, embora o DN não tivesse conseguido saber ao certo quantas vagas ficaram vazias nestas unidades.

Estes números não só são "um péssimo sinal para o futuro das especialidades de Medicina Interna e Medicina Geral e Familiar", como espelham "a degradação das condições de trabalho do SNS", refere o Sindicato Independente dos Médicos (SIM), em comunicado.

Para a FNAM são já sinal de desistência do serviço público. "São quase 500 jovens médicos que já estão a desistir do SNS", o que deveria fazer a tutela refletir em vésperas de nova ronda negocial (reunião agendada para amanhã, às 14:00).

"Os jovens médicos estão a dizer que não querem uma das especialidades nucleares dos hospitais, urgências e dos cuidados primários. Isto é significativo. Eles sabem que, neste momento, embora em formação, representam uma boa parte da força bruta do trabalho no SNS. São cerca de 10 mil dos 30 mil médicos do SNS e não só andam a colmatar as falhas nas escalas dos especialistas como têm nas suas mãos grandes responsabilidades, como a da vida dos doentes e tudo o que isso exige".

E os que vão entrar nas especialidades "já estão a dizer que não querem viver o que se passa nas urgências, que não querem trabalhar nas condições que existem".

Destaquedestaque "A integração do internato da especialidade nas carreiras médicas, passando este a ser o primeiro grau. Consideramos que é uma forma de salvaguardar os jovens médicos. É mais do que justo esta reivindicação".

Na opinião da dirigente sindical, são cerca de 500 médicos que querem ficar como indiferenciados ou que então querem ir fazer a especialidade fora do SNS ou de Portugal. Por isto mesmo, Joana Bordalo e Sá relembra que uma das reivindicações no caderno de encargos da FNAM era "a integração do internato da especialidade nas carreiras médicas, passando este a ser o primeiro grau. Consideramos que é uma forma de salvaguardar os jovens médicos. É mais do que justo esta reivindicação".

No entanto, nesta altura, pode ser difícil voltar a esta discussão. O Ministério da Saúde já manifestou querer discutir só a grelha salarial e não o pacote global de medidas, que previa, entre outras medidas, a reposição dos horários semanais de 35 horas e das 12 horas de urgência.

No comunicado enviado às redações pela ACSS é assumido que as vagas que ficaram por preencher em Medicina Interna geram "preocupação", pois "trata-se de uma especialidade nuclear para o funcionamento das unidades hospitalares". Também por isto, o ministério diz que irá "desenvolver, em conjunto com as instituições do SNS e em colaboração com a Ordem dos Médicos, uma análise sobre as razões que levam a uma menor preferência por esta especialidade". Para os sindicatos, não há dúvidas sobre as razões, já que "nunca houve tantas vagas por preencher".

A agravar a situação está o facto de a região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) continuar a ser a que ficou com mais vagas por preencher em todas as especialidades. No total, foram 178, contra 103 no Centro, 60 no Norte, 28 no Alentejo, 4 no Algarve, 16 na Madeira e 18 nos Açores.

E quanto ao motivo que mantém a zona de LVT no topo das vagas vazias parece não haver dúvidas também. "Tem a ver com o custo de vida, porque a esmagadora maioria das vagas são da área de Lisboa", refere a dirigente da FNAM.

Mas vagas de outras especialidades ficaram também por preencher, nomeadamente 2 em Anatomia patológica (10,5% das vagas); 8 em Infecciologia (27,6%); 1 em Estomatologia (11,1%); 3 em Farmacologia Clínica (50%); 2 em Genética Médica (50%); 13 em Hematologia, (56,5%); 16 em Imuno-hemoterapia (69,6%); 9 em Medicina Intensiva (11,7%); 2 em Medicina Legal (22,2%); 1 em Oncologia (2,2%); 21 em Patologia Clínica (70%); 2 em Radioncologia (15,4%) e 18 em Saúde Pública (32,7%).

Segundo os dados da ACSS, em 33 das 48 especialidades a concurso foram ocupadas 100% das vagas. Em 22, foi registado o maior número de colocados de sempre, como Pediatria (110, mais 8 do que no ano anterior), Anestesiologia (97, mais 13), Cirurgia Geral (85, mais 14), Psiquiatria (82, mais 10), Ginecologia-Obstetrícia (67, mais 14), Ortopedia (62, mais 10) e Cardiologia (45, mais 8). No final do comunicado, ainda é destacado que "este processo de escolhas teve por base o maior mapa de vagas de sempre para acesso à formação especializada do Internato Médico".

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