Presidentes Lula e Zelensky finalmente se encontraram em Nova Iorque, aproveitando o período da reunião anual da Assembleia-Geral da ONU. A foto oficial que regista o encontro mostra os dois presidentes apertando as mãos de forma protocolar. Ela simboliza as diferentes posições do Brasil e da Ucrânia em relação à guerra que afeta o país europeu..Zelensky gostaria que o Governo brasileiro adotasse uma posição de apoio total à Ucrânia e de isolamento da Rússia, principalmente, em um momento em que esse apoio começa a sofrer rachaduras nos Estados Unidos e na Europa. Alguns parlamentares norte-americanos da Oposição ao Governo Biden já criticam o volume de ajuda ao Governo ucraniano, e a Polónia, um dos principais aliados da Ucrânia, além de proibir a importação de grãos deste país, reclama da "ingratidão de Zelensky", e declara que não vai mais fornecer armamentos aos ucranianos..Lula se posiciona contra a invasão russa, mas defende uma solução negociada entre os lados em conflito. O Brasil é o único país dos BRICS que votou na ONU condenando a invasão e exigindo a imediata suspensão das atividades militares russas na Ucrânia. No entanto, o Governo brasileiro não apoia o envio de armas para a Ucrânia, e não adota as sanções económicas estabelecidas pelos EUA e seus aliados contra a Rússia. A diplomacia brasileira tem, historicamente, apoiado sanções estabelecidas pelas Nações Unidas, rejeitando sanções unilaterais. Além do mais, o Brasil evita isolar a Rússia em outros fóruns multilaterais. Esta posição reflete o entendimento da diplomacia brasileira de que o isolamento prejudica as possibilidades de interação, dificultando a negociação para conversações que conduzam à paz. Nesse complexo contexto, Lula tem evitado repetir as declarações ambíguas que anteriormente fez sobre o conflito e que foram criticadas pela Ucrânia, EUA, alguns países europeus e por alguns setores da sociedade brasileira. No entanto, manteve a posição de criar um grupo de países que possa ajudar Rússia e Ucrânia a se sentarem à mesa de negociações..O Brasil tem como uma das suas mais importantes credenciais na cena internacional ser uma das poucas nações a ter relações diplomáticas com todos os países membros da ONU. A Constituição brasileira estabelece entre os seus princípios de atuação internacional, a solução pacífica dos conflitos, e a política externa defende o multilateralismo. Assim, a diplomacia brasileira tem sido, historicamente, atuante nos fóruns multilaterais. Nesse sentido, o Brasil tem promovido a formação de "clubes de países amigos" para mediar crises políticas ou conflitos regionais na América do Sul e Central. Foi o caso do "Grupo do Rio", criado em 1986 para mediar conflitos na América Central, do "Grupo de Amigos da Venezuela", criado em 2003, inclusive com a participação da Espanha e Portugal, para contornar a crise que ocorreu com a tentativa de golpe de Estado para derrubar o presidente Hugo Chávez. Finalmente, em 2017, a tentativa de reativar esse mesmo grupo para lidar com a crise venezuelana no Governo do presidente Nicolás Maduro..No caso da Guerra na Ucrânia, Lula defende a criação de um mecanismo similar, chamado de "Clube da Paz", formado para que alguns países, que não estivessem diretamente envolvidos no conflito, pudessem contribuir para o início de um processo de paz. A proposta foi recebida com críticas pela Ucrânia, sem entusiasmo pela Rússia e ignorada pelos EUA e seus aliados. Dessa forma, a ideia de criação do "Clube da Paz" sofre grandes dificuldades para ser implementada. Zelensky afirma que não negociará com Putin, derrotará os russos, retomará todos os territórios ocupados e que a vitória ucraniana conteria as ambições territoriais russas em relação a outros países europeus. Esse discurso do presidente ucraniano convenceu o Governo norte-americano, que passou a defender o enfraquecimento da Rússia como potência, justificando as medidas unilaterais contra a economia russa e o amplo apoio financeiro e militar à Ucrânia..Apesar do discurso do presidente ucraniano, a solução militar, mesmo com alguns sucessos pontuais, não tem trazido os resultados desejados. A tão anunciada ofensiva ucraniana até agora não conseguiu os objetivos militares que os EUA e seus aliados esperavam. Na verdade, ao apostarem todas as fichas no discurso de Zelensky e no sucesso no campo militar, esses países se tornaram vítimas da armadilha deste discurso. Consideraram que a Rússia seria uma ameaça existencial e tomaram medidas excecionais que causaram prejuízos, principalmente, na economia de alguns países europeus. A realidade, no entanto, demonstra que os russos, até agora, mal conseguem manter os territórios que conquistaram. Além do mais, a Ucrânia e seus aliados se colocaram em uma posição de paralisia diplomática, causada pela dificuldade de justificar uma mudança de posição favorável à negociação..O presidente Putin afirma que está pronto para negociar, desde que seja considerada a "realidade no terreno", ou seja, desde que a Rússia mantenha os territórios ucranianos ocupados já incorporados na sua Constituição..O conflito já dura mais de 18 meses. A solução militar até agora não produziu a vitória de nenhum dos lados. Portanto, como toda guerra um dia tem que acabar, talvez esteja chegando o momento da solução diplomática, para evitar maiores sofrimentos e destruição. Se esse for o caso, o "Clube da Paz", sugerido pelo Brasil, poderá ter alguma chance, mesmo que remota, de sucesso. A esperança é que a reunião entre Lula e Zelensky em Nova Iorque possa contribuir para dar uma chance ao início de um processo diplomático que conduza à uma paz duradoura entre russos e ucranianos..Antonio Ruy de Almeida Silva. Almirante (Reformado). Doutor em Relações Internacionais pela PUC-Rio. Pesquisador-Sénior do Núcleo de Estudos Avançados do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense. Membro do Grupo de Avaliação da Conjuntura Internacional (GACINT/USP). Autor do livro A Diplomacia de Defesa na Política Internacional..Danilo Marcondes. PhD em Relações Internacionais pela Universidade de Cambridge. Bolsista de Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Brasil (CNPq).