Lula é o plano A, B e C da esquerda para 2026
"Eu, se eleito, serei presidente de um mandato só", disse Lula da Silva no dia 25 de outubro de 2022, faz nesta quarta-feira um ano. "A natureza é implacável", justificava o presidente da República do Brasil, de 77 anos, às vésperas da eleição que venceria. Em fevereiro, já empossado, admitiu pela primeira vez concorrer em 2026. Em agosto, o Partido dos Trabalhadores (PT), divulgou resolução onde, em dois de 37 itens sobre as eleições municipais de 2024, defende a recandidatura do líder histórico. E, hoje, dirigentes do partido admitem em privado que Lula é o plano A, B e C à sucessão a ele próprio.
"Não há ninguém no PT com a esperança de achar um "novo Lula", isso denota sensatez da parte do partido, como fenómeno político a liderança de Lula emergiu de um contexto histórico muito específico que não vai se repetir", disse Celso Rocha de Barros, sociólogo, colunista do jornal Folha de S. Paulo e autor do livro PT, uma História.
"Se em 2026 a economia estiver bem e Lula também, preparem-se...", advertiu, por sua vez, Ricardo Noblat, jornalista que acompanha a atualidade política em Brasília desde 1982, a propósito de um eventual quarto governo de Lula, em coluna no site Metrópoles.
Naquela resolução da direção do PT de agosto está escrito, no ponto 37, que "o partido deve, nas eleições municipais de 2024, contribuir com as transformações necessárias no país para reeleger Lula em 2026". Segundo o ponto 29 do texto, "este terceiro governo Lula prepara as bases para um quarto governo Lula".
Em entrevistas, o próprio presidente da República costuma começar por chamar de "irresponsabilidade" discutir-se 2026 em 2023 para depois gracejar com o exemplo de Joe Biden, candidato à própria sucessão nos Estados Unidos, aos 81 anos. "Isso é um estímulo. Eu sou mais novo do que ele", disse no canal SBT. A outra emissora, a RedeTV, usou reticências: "se, nesse momento, houver uma situação económica delicada no país e eu estiver com saúde..."
A nuance está na situação económica: na opinião de Noblat "se a economia estiver bem", Lula terá mais probabilidades de se recandidatar mas o próprio presidente vê como cenário ideal para o novo mandato "uma situação económica delicada".
É aí que entra o eventual "plano D": Fernando Haddad (PT), 60 anos, ministro das Finanças. Para Bruno Boghossian, colunista do jornal Folha de S. Paulo, "Lula é um candidato natural à reeleição caso a economia gire forte e a avaliação do governo acompanhe o ritmo mas essa também poderia ser a oportunidade para uma passagem de bastão dentro do PT".
E, especificamente, para Haddad, que, além de sucessor designado pelo próprio Lula, é, como titular das Finanças, o responsável mais direto pela saúde, ou falta dela, da economia em 2026. "O presidente pode, portanto, concorrer à reeleição se a disputa for dura ou até abrir caminho se o vento for favorável", conclui Boghossian.
Haddad, que, como Lula, também começa por classificar qualquer discussão sobre 2026 como "irresponsável", já defendeu publicamente que o PT tenha candidato em 2026. Só não diz se ele pode ser esse candidato por "não poder ter outras preocupações além das atuais", no âmbito do seu ministério.
No plano da tática política, entretanto, Haddad parece querer fechar as portas às alternativas da esquerda além do PT que se afiguram. Desde logo, Geraldo Alckmin, atual vice-presidente, ex-governador de São Paulo e ex-candidato presidencial, ou Flávio Dino, ministro da Justiça e ex-governador do Maranhão, ambos do Partido Socialista Brasileiro (PSB).
"É cedo para falar disso, a nossa democracia só saiu, para já, das urgências do hospital, não tem ainda previsão de alta, se continuarmos a colocar os interesses eleitorais acima de tudo, arriscamo-nos a eleger outra vez algum tosco inexpressivo, como o Bolsonaro, mas o PSB tem, sim, esses dois nomes excecionais para eventual candidatura presidencial em 2026", disse, a propósito, Carlos Siqueira, presidente do PSB, ao DN.
No caso de não haver recandidatura de Lula, o PT trabalha em diversos tabuleiros para deixar o caminho livre a Haddad e fechar os de Alckmin e de Dino. O "vice" já foi especulado, em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, como candidato em 2026 ao governo de São Paulo, estado que governou quatro vezes, e o ministro da Justiça é o mais falado para ocupar a vaga da recém reformada juíza Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal. Em sentido contrário, Haddad vem viajando à COP27, à reunião dos Brics ou ao encontro dos G20 de braço dado com Lula que faz questão de o apresentar às principais lideranças internacionais.
Entretanto, há o fator idade: apesar de os médicos elogiarem a "saúde de ferro" de Lula, a tal "natureza implacável" a que o presidente brasileiro aludia já se fez notar nas operações recentes à anca, cuja recuperação é demorada, e às pálpebras.
Os institutos de pesquisa também já vigiam os movimentos dos políticos à direita para 2026. Todos os eventuais sucessores do ex-presidente Jair Bolsonaro, inelegível até 2030, foram testados, pela Paraná Pesquisas, numa sondagem presidencial frente a Lula.
No cenário que incluiu todos os nomes, Lula somou 36,6%, muito à frente de Tarcísio de Freitas, atual governador de São Paulo e tido como o mais provável sucessor de Bolsonaro, com 12,7%.
Foram ainda citados Simone Tebet, ministra do Planeamento de Lula mas vista ainda como alternativa de centro, com 7,4%, Sergio Moro, ex-ministro de Bolsonaro hoje senador, com 6,7%, Ciro Gomes, candidato habitual pelo centro, com 6,3%, Romeu Zema, governador de Minas Gerais, com 5,7%, Ratinho Junior, governador do Paraná, com 4,6%, Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, com 2,1%, Tereza Cristina, ex-ministra de Bolsonaro hoje senadora, com 1,9%, e Ronaldo Caiado, governador de Goiás, com 1,2%. Quase 15% não sabe ou vota em branco. Noutros três cenários, mas com menos nomes em cada, Lula também ganha com larga vantagem. A Paraná Pesquisas não testou o nome de Haddad.