Lula anda a falar demais? Analistas acham que sim

Declaração, considerada desastrosa, sobre Sergio Moro deu munição à oposição, gerou críticas da imprensa e constrangeu o próprio governo. Presidente do Brasil aconselhado a conter-se.
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Horas depois de Flávio Dino, ministro da Justiça, ter elogiado a polícia por desmantelar um plano do Primeiro Comando da Capital (PCC), maior organização criminosa da América Latina, para sequestro e execução de Sergio Moro e outros agentes públicos, Lula da Silva resolveu suspeitar da operação. "Foi uma armação do Moro", disse o chefe de Estado, desmoralizando ministro e polícia. A frase foi vista como uma gafe - mais uma - do presidente da República nos últimos tempos. A oposição aproveitou, os conselheiros pediram contenção e os analistas sentenciaram: Lula anda a falar demais.

"Ao bater boca com Sérgio Moro, Lula alavanca e joga luzes para seu maior inimigo pessoal", disse Eliane Cantanhêde, comentadora da Globonews. "Ele está falando demais e impropriamente, demonstrando instabilidade emocional, em razão da idade e de tudo o que passou na prisão". "O Lula do terceiro mandato sente-se no direito de falar o que quer, independentemente de alguém sugerir ou não", concluiu.

Para Celso Rocha de Barros, colunista do jornal Folha de S. Paulo, "Lula deveria esquecer Moro". "[Lula] Você já ganhou dele. Moro jogou fora o que lhe havia sobrado de dignidade, reputação, respeitabilidade profissional e direito de não ser tratado como militante de extrema-direita quando apoiou Jair Bolsonaro na segunda volta eleitoral. Valeu a pena dar palco para esses caras voltarem ao horário nobre às suas custas, Lula? Você sabe que não!" "Esqueça a guerra que você já ganhou e concentre-se na guerra que o povo brasileiro ainda está perdendo: a briga para reconstruir o Brasil depois desse desastre", rematou.

Para Dora Kramer, no mesmo jornal, o país tem visto "um Lula com faca nos dentes, afetado pela idade, pela influência de um entorno menos qualificado do que aquele de 2003 e, sobretudo, pelo ressentimento decorrente das acusações, das condenações, da prisão, das perdas pessoais". Para a articulista, "no espírito do tempo atual conta também o fator "volta por cima" no estímulo a instintos primitivos".

Tales Faria, jornalista do portal UOL, diz que as críticas de Lula ajudam "a manter Moro em evidência". "Mesmo depois de um período "apagado" no Congresso, Moro estava no chão e tinha virado um "Zé Ninguém" mas foi ressuscitado por Lula, ou é uma burrice ou é um gesto tão inteligente que eu não consigo entender".

Para piorar, a frase de Lula sobre "a armação de Moro" surgiu no dia seguinte a uma entrevista do presidente da República ao site de esquerda Brasil 247 em que partilhou o pensamento que mais lhe passava pela cabeça na cadeia: "Eu só pensava "só vai estar tudo bem quando eu foder esse Moro"". "Lula pisou na bola e passou dos limites" ao usar esse tipo de linguagem, continua Faria. "Isso acaba dando margem para bolsonaristas dizerem que ele está incentivando o PCC contra Moro e contra o ex-presidente Jair Bolsonaro".

Antes do ataque ao ex-juiz da Lava Jato, Lula apontara a mira a Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central nomeado na gestão Bolsonaro que insiste em manter os juros do país em 13,75%, os mais altos do mundo. A briga pública resultou na manutenção dos juros no mesmo patamar, pelo Comité de Política Monetária, órgão de que faz parte Campos Neto, para demonstrar resistência às pressões do Planalto. "O Lula está falando demais e isso reflete-se até na questão do Banco Central, houve falha da equipa de comunicação", advertiu Tales Faria.

Em suma, conforme o também jornalista Reinaldo Azevedo, "Lula deve mudar a forma de se relacionar com o público e falar menos". O colunista do Folha, como outros, defende que o relançamento dos programas de assistência "Bolsa Família", "Minha Casa, Minha Vida" e "Mais Médicos", a rápida resposta à tragédia do povo yanomami, a recuperação do prestígio internacional do país e o enfrentamento, firme, à tentativa de golpe de Estado de dia 8 de janeiro, em Brasília, ficam em segundo plano por culpa dos excessos retóricos.

As críticas às declarações de Lula não se esgotam na imprensa e na oposição. Aliados da esquerda mais radicalizada vêm acusando o presidente de emitir opiniões preconceituosas em relação a mulheres - "quer bater em mulher? Vá bater noutro lugar mas não dentro da sua casa ou no Brasil, porque nós não podemos aceitar mais isso" -, a indígenas - referindo-se aos povos originários do país como "índios", o que é considerado ofensivo -, a vegans - ao prometer em campanha "a picanha no prato dos brasileiros" -, e até a obesos - "a obesidade causa tanto mal quanto a fome, por isso, o Flávio Dino está até andando de bicicleta", afirmou, constrangendo, novamente, o seu pesado ministro da Justiça.

"Acho que é mais uma armação do Moro. Quero ser cauteloso, vou descobrir o que aconteceu mas é visível que é uma armação do Moro"

A propósito de declaração sobre operação da polícia para desmantelar plano para executar o senador

"Tenho consciência de que a Lava Jato fazia parte de uma mancomunação entre o ministério público brasileiro, a polícia federal brasileira e a justiça americana"

Acusação, sem provas, aos estados brasileiro e norte-americano

"Só vai estar tudo bem quando eu foder esse Moro"

Revelação, em entrevista a site de esquerda, sobre o que lhe passava na cabeça na cadeia

"Por que esse cidadão [Roberto Campos Neto] que não foi eleito para nada acha que tem o poder de decidir as coisas? E ainda diz que "vai pensar em como ajudar o Brasil". Não, você não tem que pensar em como ajudar o Brasil, tem que pensar em como reduzir a taxa de juros (...) esse país não pode ser refém de um único homem"

Ataque ao presidente do Banco Central

"Ele é um pouco ignorante, com aquele jeitão bruto dele, de capiau [labrego] lá do interior de São Paulo"

Ataque, ainda em campanha, a Bolsonaro que ofendeu os nascidos, como o ex-presidente, no interior de São Paulo

"Hoje temos um presidente que não derramou uma lágrima pelas vítimas da Covid ou com a catástrofe que houve em Petrópolis, ele não tem sentimentos, ele não gosta de gente, ele só gosta de polícias"

Ataque, ainda em campanha, a Bolsonaro que ofendeu os polícias

"Se a gente mapeasse o endereço de cada deputado e fossem 50 pessoas na casa dele, não para xingar, para conversar com ele, com a mulher dele, com o filho dele, incomodar a tranquilidade dele, isso surte muito mais efeito do que fazer a manifestação em Brasília"

Declaração contra opositores que soou a ameaça

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