Livros são um extra na conta dos rostos da TV

José Rodrigues dos Santos, Júlia Pinheiro, Júlio Magalhães, Maria Helena Martins, Tânia Ribas de Oliveira e outras figuras da televisão revelam à Notícias TV o que ganham e perdem por assinarem livros. Dos rituais e fontes de inspiração aos pés-de-meia, editoras revelam a fórmula do sucesso.
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Avida das celebridades da televisão é feita de páginas e páginas na imprensa de social e nos jornais. Porém, são eles que decidem o que folhear e protagonizam cada vez mais as suas próprias histórias, alargando as narrativas da TV às prateleiritas das livrarias. E o final não podia ser mais feliz: as contas bancárias dos autores engordam à proporção do gosto pela escrita. O encaixe dos editores também aumenta. Mas já lá vamos.

A Notícias TV sabe que há figuras públicas que conseguem pés-de-meia na ordem dos "10 a 20 mil euros por ano", diz um dos rostos que pediu para não ser identificado. E as contas não são muito difíceis de fazer: "Um autor pode ganhar entre 7% e 15% do valor de venda da obra, tudo depende da personalidade, do peso mediático, do número de tiragens e da história", refere um dos editores que, sob anonimato, falou à nossa revista.

Campeão de vendas, o pivô da RTP1, José Rodrigues dos Santos, que lançou recentemente A Chave de Salomão, considera "desadequado" falar na realidade lucrativa do mercado: "Falo em leitores." "As questões de mercado são legítimas, uma vez que estamos a falar de uma atividade artística não subsidiada, mas cabem aos editores." Sobre esta matéria, a Gradiva não quis prestar declarações.

Já Júlio Magalhães, diretor-geral do Porto Canal, assume, sem rodeios, que o seu caso "é rentável". O jornalista admite: "Eu, sinceramente, tenho ganho dinheiro com os livros. Tenho ganho bons rendimentos, mas para isso também é preciso estar na editora certa. Trabalho com uma editora muito séria, não é que as outras não o sejam, mas eu tenho esta experiência." Encaixe financeiro que Júlio Magalhães reencaminha para "poupanças" e por vezes, até, "para viagens ao estrangeiro, com a família".

Fátima Lopes, Júlia Pinheiro, Cristina Ferreira são também recordistas na venda de livros. Judite Sousa conseguiu que o livro Os Nossos Príncipes - de homenagem ao filho e cujos direitos de autores revertem para a criação de uma bolsa, "vendesse oito mil exemplares nas primeiras duas semanas", refere Clara Capitão, diretora da editora Objetiva, antecipando vendas superiores até ao final do ano.

Num segmento completamente distinto, a taróloga das manhãs da SIC, Maria Helena Martins, confirma que é "muito bem paga". "Trabalho com a editora Guerra e Paz, com o Manuel Fonseca, e eles tratam-me muito bem", ressalvando que "ninguém faz bons pés- -de-meia em Portugal", mas admite que este extra ajuda "a pagar despesas, e a ter uma vida melhor, é mais por aí".... "Com o dinheiro dos livros podemos fazer mais uma extravagânciazinha ou outra. O mercado é muito pequeno. Temos 10 milhões de pessoas e as que compram são poucas", afirma.

Serpa Pinto: O Mistério do Sexto Império é o romance histórico da autoria de Pedro Pinto, lançado em meados de novembro. O pivô da TVI crê que não é pela literatura que se faz fortuna. "Como diria um escritor famoso, não conheço autores ricos... só editores!" Nem tudo, porém, é dinheiro. "Há o orgulho, a satisfação em mergulhar numa reflexão."

A apresentadora das manhãs da RTP Tânia Ribas de Oliveira, que é autora de livros infantis, não fala em pé-de-meia ."Até agora não. Eu faço-o por fazer. O meu pé-de-meia vem do meu trabalho, que é ser apresentadora de TV. Não escrevo livros com esse objetivo." Na verdade, Júlio Isidro, apresentador da RTP que aposta no segmento infantil desde 1977, não poderia pôr as coisas de forma mais clara: "Os meus contratos foram sempre de mais ou menos 10% do preço de capa dos livros. Portanto, num exemplar de 12 euros, recebo 1,20. Subtraídos os descontos e a percentagem da SPA, fica menos de um euro. Logo, quantos livros preciso de vender para passar um fim de semana em Londres?"

Os rituais e as fontes de inspiração...

Bem-sucedidos à frente das câmaras, uns na área da apresentação e outros na área da informação, os profissionais de televisão têm diferentes métodos para na hora de criar as suas personagens, escrever diálogos e descrever cenários.

Júlio Magalhães admite que o seu método é... não tomar notas durante as pesquisas que faz para as suas obras. "O meu ritual é ouvir e ler tudo aquilo que preciso, mas não aponto nada. Não tiro notas, fico com tudo na cabeça. Por exemplo, no meu último livro, que era sobre a Guerra Civil Espanhola, tive de ver vários vídeos sobre a Guerra Colonial. Procuro apenas ouvir e construir a minha história face àquilo que eu ouvi", explica. O diretor-geral do Porto Canal admite, porém, que não resiste a um bom charuto nos dias em que tem de escrever. "Escrevo em todo o lado. O primeiro livro que fiz, escrevi-o na piscina de um hotel em Inglaterra. Quando estou a escrever gosto de fumar o meu charuto. Já o segundo livro, Um Amor em Tempos de Guerra , escrevi-o na Praia Grande, em Armação de Pêra, para onde vou sempre no verão, tem lá um restaurante com varanda e foi aí que escrevi", recorda o antigo diretor de Informação da TVI.

Júlio Isidro revela que um dos seus principais rituais é transpor as ideias para o papel ou computador quando está sozinho. "Gosto de estar só, de falar para mim e em voz alta. Como só tenho escrito pequenas histórias, inicio-as e termino-as sem parar."

Também a apresentadora Júlia Pinheiro confidencia à Notícias TV que para si é importante estar em silêncio para conseguir criar as suas obras. "Para escrever preciso de silêncio e de calma. Gosto de escrever em casa, no meu escritório, onde me sinto mais confortável." Sem grandes demoras, a estrutura do livro é delineada na sua cabeça. "Sei sempre qual é a primeira frase e a última do livro, o que pode não fazer muito sentido. Normalmente, desenvolvo a história muito rapidamente. Depois vou desenvolvendo o guião que tenho na cabeça", explica a diretora de Gestão e Desenvolvimento de Conteúdos da estação de Carnaxide que diz que "tudo me inspira, assim tivesse eu mais mãos, tempo e mestria. A atualidade é uma inesgotável fonte de inspiração".

Rosto habitual das manhãs da SIC, a taróloga Maria Helena Martins, que conduz diariamente A Vida Nas Cartas - O Dilema, e que lançou, em julho, o livro O Meu Segredo - Histórias da Minha Vida, conta que, tal como Júlia Pinheiro, também ela prefere escrever sem barulho à sua volta. "Escrevo em silêncio absoluto, prefiro. Escrevo sossegada." Porém, ao contrário de quem nos dias de hoje se dedica à escrita de livros, Maria Helena Martins não se sente à frente de um computador na hora de escrever. Isto porque, na verdade, conta com uma ajuda especial. "Tiro as minhas notas e aponto as ideias, mas dito em voz alta todo o livro para uma pessoa que trabalha comigo. É ela quem escreve o livro no computador. Tenho uma cadeira vermelha há já muitos anos onde me sento e é, sentada nela, que dito o livro."

E se o pivô da RTP1 José Rodrigues dos Santos indica que o seu "ritual é escrever", já o jornalista Pedro Pinto admite que é um homem de muitos hábitos na hora de escrever. Para si, as prosas começam quando o sol, muitas vezes, acaba de nascer. "O meu ritual é levantar--me cedo e escrever enquanto toda a gente dorme, o telefone não toca e o e-mail hiberna. Ouço música e procuro escrever pelo menos duas horas. Depois, vou à vida!"

Já Tânia Ribas de Oliveira conta que todos os minutos são preciosos para se dedicar à escrita de livros infantis. "Eu escrevo quando tenho tempo porque esta não é a minha profissão. Normalmente, quando tenho mais disponibilidade é à noite, é aí que tenho mais tempo para mim", diz indicando que "rasgos de inspiração tenho a qualquer momento e por qualquer motivo aparece seja um arco-irís mais bonito, um olhar."

Também é no período da noite que a apresentadora das tardes da TVI, Fátima Lopes, se dedica às letras. "Escrever é uma necessidade, é outra forma de comunicar e pôr cá para fora a minha criatividade. Para não roubar tempo aos meus filhos e ao meu marido, aproveito os momentos em que os miúdos estão deitados e o Luís [Morais] tem trabalho para escrever", contou numa grande entrevista à Notícias TV.

As motivações e as crises de criatividade...

José Alberto Carvalho, que lançou na semana passada, o livro 28 Minutos e 7 Segundos de Vida, dedicou-se, pela primeira vez, este ano à escrita de um livro e fê-lo por um motivo especial: homenagear o empresário e amigo Manuel Forjaz, que morreu vítima de cancro. "O livro surgiu depois de um pedido que ele fez e que me foi transmitido depois da sua morte. O Manuel morreu da doença, mas a doença não o matou, e este livro é a prova física disso mesmo. 28 Minutos e 7 Segundos de Vida corresponde a um pedido feito pelo próprio Forjaz, que não queria ficar conhecido como o excêntrico do cancro", vincou acrescentando que "ele não queria que o legado fosse o de um doente de cancro. Ele era muito mais do que isso. Para ele, a doença foi um pretexto extraordinário para conseguir tocar ainda mais pessoas do que até aí".

Também a pivô Judite Sousa encontrou na escrita a melhor forma de prestar uma homenagem àquele a quem chamava o homem da sua vida: o filho André Bessa, que não resistiu, no último verão, a uma queda numa piscina.

"Não tenho palavras para exprimir o significado porque este livro significa tudo, mesmo tudo. É sobre o meu filho, sobre a perda, sobre o impacto que a morte de um filho provoca em nós e nos outros, nomeadamente naqueles que viveram dores semelhantes", confidenciou, no início de novembro, a pivô de Queluz de Baixo à Notícias TV. Toda a obra, vincou a diretora adjunta da TVI, foi escrita como um "ato de amor de mãe". "Todos os textos são textos de lembranças, de saudade, de afetos. Para mim são todos importantes", apontou a jornalista que fez questão de que as vendas do livro Os Nossos Príncipes revertam, única e exclusivamente, para a bolsa de estudo André Sousa Bessa, criada para ajudar estudantes com dificuldades económicas que queiram frequentar o mestrado em Finanças da nova School of Business and Economics, em Lisboa.

O jornalista da RTP1 Vítor Gonçalves, autor de Este é o Tempo, assume que o "gosto pela escrita e o gosto por aprofundar o conhecimento da vida de personalidades de grande notoriedade da vida portuguesa" é aquilo que o move. Já no que toca a inspiração, aponta: "No meu caso, é ir ao encontro de personalidades cuja vida é marcante".

Autor de treze romances e sete ensaios, traduzidos em mais de 20 línguas e 40 países, José Rodrigues dos Santos recorda como surgiu o desejo de estrear-se na escrita literária: "Interessei-me por uma coleção literária chamada Ficção/Verdade e propus à editora publicar um romance de ficção/verdade sobre a ocupação indonésia de Timor. Nasceu assim em 2002 o meu primeiro romance, A Ilha das Trevas"

Já Júlio Magalhães refere que a "escrita é uma continuidade" da profissão de jornalista. "Um livro faz-me voltar aos meus tempos de início de carreira no jornalismo em que o texto valia mais do que a fotografia, e em que se escreviam milhões de caracteres e em que os jornais fechavam às três da manhã. No fundo, a minha principal motivação para escrever é poder recordar os tempos em que fazia jornalismo puro e duro."

Pedro Pinto, um dos principais rostos da informação televisiva, assume que a curiosidade que tem face a períodos históricos tem sido a sua principal motivação para se dedicar à atividade literária. "O romance histórico atrai-me porque me permite revistar grandes figuras, viajar no tempo e, como em qualquer romance, através das personagens viver as vidas que nunca tivemos a coragem de viver...

A solidariedade foi, por sua vez, o motivo que levou Tânia Ribas de Oliveira, apresentadora de Agora Nós, da RTP1, a abraçar o universo dos livros infantis. "Acabou tudo por surgir de forma espontânea, não foi nada planeado. Por sugestão do Hélder Reis, fui convidada por uma editora para fazer parte de um projeto de solidariedade. Tinha de escrever um conto infantil e na compra de um livro seria, posteriormente, um outro enviado para Cabo Verde", lembra a cara da estação pública. A escrita, garante, sempre a acompanhou. "Eu sempre gostei muito de escrever. Normalmente, as pessoas que trabalham em comunicação gostam de várias formas de expressão, seja ela a fotografia, a dança. No meu caso, gostando de escrever e de escrever para os mais novos, aquilo que fiz foi conciliar as duas coisas".

Júlia Pinheiro confidencia que a escrita de livros é para si uma atividade que lhe dá prazer porque, entre outros motivos, consegue inverter o ritmo acelerado que leva no dia a dia enquanto apresentadora de televisão e diretora de Gestão e Desenvolvimento de Conteúdos da SIC. "A minha vida na televisão é muito acelerada, enquanto a escrita é num outro ritmo, mais lento. É quase um antítese".

Mas desta história também fazem parte minutos de desorientação e crises de criatividade. "Os finais são sempre dramáticos. É o golpe que mais nos angústia, um nó que procuramos desatar com mais classe. Tão próximo do fim é tão longe! Com Serpa Pinto encerrei-me três dias num hotel, quase sem comer nem dormir e só sai quando acabei", conta Pedro Pinto. "Quando tenho um bloqueio continuo a escrever, nem que seja para deitar fora, que as boas ideias vão reaparecer".

Júlia Pinheiro conta que é mais drástica. "Paro. Fico uns dias sem escrever. Depois recomeço. Não me deixo condicionar pela pressão das editoras, ainda que saiba que tenho prazos de entrega a cumprir".

Televisão impulsiona venda de livros... mas não é tudo

As editoras apostam cada vez mais em rostos do pequeno ecrã e a exposição que têm dão um belo empurrão na hora das vendas. Não decide, porém, tudo. Pelo menos é isso que Guilherme Valente, editor da Gradiva, exemplifica: "Não há uma ligação, digamos, simples entre um caso e outro. Isto é, a presença na televisão garante, porventura, um mínimo de vendas, mas não implica, não determina, um máximo. As obras de José Rodrigues dos Santos - que é o exemplo mais expressivo - são best-sellers em vários países, número um ou no top 10 em França, nomeadamente, e todavia ninguém conhecia o autor ou o vê na televisão."

Clara Capitão, publisher da Objetiva, admite que "os livros das figuras que aparecem na televisão têm resultados consideravelmente superiores de que outros autores", considerando que "os leitores têm especial apetência, talvez movidos pela curiosidade de conhecer um lado desconhecido da pessoa que veem regularmente na televisão". Ser famoso, porém, não é condição sine qua non: "Se um determinado livro for desajustado ao perfil dessa figura, os resultados podem ser desanimadores".

"Algumas das figuras que mais vendem tem alguma relação com a televisão, são figuras que, pelo facto de estarem na TV têm uma notoriedade que faz com que muito público vá ler só porque se trata de alguém conhecido", reitera Manuel Fonseca, editor da Guerra e Paz e antigo diretor de programas de Carnaxide, canal com o qual criou o Clube do Livro SIC.

Encontrada a receita do sucesso, ela veio ficar por muitos anos, embora as editoras não antecipem, nesta fase, os segredos bem guardados dos famosos que as pessoas conhecem da TV. nTv

* com Filomena Araújo

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