Livro cheio de opiniões sobre o 25 de Novembro de 1975

São 300 páginas com dezenas de textos sobre o momento crucial após a Revolução de Abril.
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O adjetivo inevitável não pode deixar de estar numa recensão sobre o golpe militar do 25 de Novembro de 1975, porque é o que mais transparece desta análise com 300 páginas, intitulada, com bonomia ou clarividência, O 25 de Novembro e a democratização portuguesa, assinada por vários autores. É o que se lê logo à segunda linha do prefácio: "ao corrigir o desvio revolucionário"; à página 49, logo à primeira linha linha volta a refletir-se essa ideia: "um regime totalitário dá lugar a outro da mesma natureza mas de sinal contrário"; ou à 63, quando também essa ideia é dita logo ao início: "o 25 de Novembro é o momento de instauração da democracia"... Ou seja, não há volta a dar, a data será sempre considerada um momento radical de inflexão do rumo que o PREC gerava na sociedade portuguesa, mesmo que que se o possa considerar como imposto contra vontade sobre uma maioria de eleitores que tinham decidido o contrário nas primeiras eleições livres em Portugal, as de 25 de abril de 1975, pela dinâmica de uma alegada vanguarda esclarecida.

Este livro recolhe em três partes algumas dezenas de depoimentos sobre a data, contemplando uma extensa reflexão prévia de autoria de António Martins Barrento, em 27 páginas. Começa na fundação do Reino em 1143 e segue pela "intrusão arriscada nas áreas da antropologia, sociologia e ciência política, sem ignorar os desígnios da estratégia militar e lições de Clausewitz. Nada de errado, afinal o tempo em análise possuía uma união entre o povo e os militares e sem estes não se pode pensar esses dias de grande movimentação.

Algo que é amiúde referenciado ao longo do volume, como é um caso de um dos textos que melhor enquadra essa época, o da historiadora Maria Inácia Rezola, que se preocupa em repor o papel da Assembleia Constituinte nesse processo revolucionário. A investigadora recorda a manipulação do militar Rosa Coutinho no pós-eleições para conseguir atrasar a abertura dos trabalhos parlamentares, devido à crise que andava pela rua e no PS. Acrescenta Rezola que a divisão que minou o poder militar no verão de 1975 alterou substancialmente a correlação de forças, designadamente ao nível político-partidárias, e faz questão de alertar para o facto de continuar a existir "polémica" em torno da interpretação dos factos históricos e dos protagonistas dessas horas em que tudo mudou na Revolução.

Talvez esta fosse uma das preocupações que, ao verificar-se uma nova tentativa de fixar a História, deveria estar mais presente neste volume, mesmo que muitas opiniões anómalas fiquem registadas.

Nada que um dos organizadores, António Barreto, não justifique sem querer: "Tem-se criado a ideia de que é uma data que divide os Portugueses, que se opõe ao 25 de Abril ou mesmo que contrarie a liberdade e a democracia. (...) Tal como o Estado Novo quis esbater o 5 de Outubro, a democracia quer apagar o 25 de Novembro". Não deixa de insistir na ignorância histórica ao referir: "Começamos, só agora, a conhecer os episódios e as circunstâncias da jornada que foi a confirmação da democracia".

Há outro ângulo interessante neste volume, o que a cientista política Lívia Franco destaca no seu texto sobre a clarificação na política externa que o golpe promove e que até hoje norteia a matriz e o posicionamento estratégico de Portugal.

A única situação gritante neste livro exaustivo sobre aquele momento é a ausência do pensamento da extrema-esquerda. Mas aí nada se pode fazer, pois o relato segue sempre a voz dos vencedores. Não é por acaso que no texto de Francisco Pinto Balsemão fica registado: "O 25 de Novembro representou o fim da movimentação do pêndulo da direita para a esquerda. Estivera quase 50 anos aprisionado à extrema-direita, e, por isso, quando foi solto, deslocou-se vertiginosamente para a esquerda".

O 25 de Novembro e a democratização portuguesa

Vários autores

Editora Gradiva

293 páginas

PVP: 14euro

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