"São muito antigas as pontes culturais entre Portugal e China, graças, em muito, ao papel que Macau desempenha. Macau é um lugar privilegiado de cruzamento entre Portugal e China, entre o Ocidente e o Oriente", lembrou Luis Castro Mendes, no encerramento do 1.º Fórum Literário Portugal-China, que hoje se realizou em Lisboa..O ministro destacou o património cultural da literatura clássica e sublinhou que a literatura chinesa contemporânea constitui um território de descobrimento.."É para começar a colmatar e a combater esta carência que se fez este fórum. Espero que tenha contribuído para estreitar relações e espero que tais pontes nos aproximem cada vez mais uns dos outros", disse..O fórum reuniu escritores portugueses e chineses, que debateram os temas da literatura, sociedade e inclusão.."Nós podemos aprender muito uns com os outros nas áreas científicas, tecnológicas, mas há uma coisa muito importante que a literatura traz: é a compreensão do humano. Nós compreendemo-nos melhor uns aos outros como seres humanos através do conhecimento mútuo das nossas literaturas", afirmou..O debate abriu com a escritora portuguesa Dulce Maria Cardoso, que, como foi destacado no início do Fórum pela presidente da Associação Chinesa de Escritores, Tie Ning, "não está publicada na China, mas vai ser"..Para a autora de "O Retorno", "a melhor maneira de contar a verdade é inventar a melhor mentira que a sirva" e uma história ficcionada bem contada é mais real, porque perdura no tempo e pertence a mais gente, do que a própria realidade efémera..Falando de si, inventora de histórias desde a infância, o que lhe valeu a alcunha de mentirosa, Dulce Maria Cardoso mentia para provocar acontecimentos ou mudar a realidade e criar um mundo que lhe fosse mais confortável.."Nesse sentido, é onde eu cruzo o eu com a sociedade onde vivo e o futuro que sonho", afirmou..Para José Luis Peixoto, no centro da literatura está a natureza humana e é isso que torna os livros universais e compreensíveis em qualquer lugar do mundo, independentemente do tempo, do espaço, da história e da cultura a que está ligado cada escritor.."Por isso, um livro é compreensível aqui e do outro lado do mundo, porque partilhamos valores e ideias. A literatura tem a capacidade de ligar Portugal e China como a ponte sobre o Tejo", afirmou, lembrando o "importantíssimo" papel do tradutor neste processo, "que faz um trabalho fascinante" - permitir a qualquer pessoa falar qualquer língua..Gonçalo M. Tavares disse que a escrita é um trabalho solitário e que o trabalho do escritor é aproximar-se e afastar-se dos acontecimentos, para ter vários olhares..Na opinião do autor, um escritor tem de ter uma visão do passado e do futuro, e ilustrou a ideia com uma personagem "que era tão vesga que, à quarta-feira, olhava ao mesmo tempo para o domingo passado e para o domingo seguinte"..O escritor Zhan Wei, vice-presidente da Associação Chinesa de escritores, centrou a sua atenção na Internet e na forma como esta põe em risco o individualismo e a apreciação da arte. ."As pessoas vão-se afastar por não estarem habituadas a ter paciência. A era da internet é rápida, barulhenta, as pessoas perdem a paciência para o que não é assim. A apreciação da arte requer paciência. Hoje ninguém se consegue proteger contra este barulho. Na era da internet falamos todos com o mesmo tom, perdemos o individualismo", afirmou Zhan Wei..A escritora chinesa Chi Zijian considerou que a literatura, como criação individual, não se pode separar da sociedade e defendeu que um escritor deve conseguir integrar-se na sociedade para observar e exteriorizar-se, para conseguir dar vida à história que quer contar..O escritor Su Tong, o mais conhecido em Portugal dos autores chineses que participaram no fórum, vencedor do Man Asian Literary Prize e finalista do Man Booker International Prize, recorreu a um conto do escritor norte-americano John Cheever -- "The Enormous Radio" -- para afirmar que toda a história reflete alguma coisa do escritor e da sociedade..O conto narra a história de um casal que conseguia ouvir numa estação do seu rádio as conversas dos vizinhos, acabando essas vivências por se refletir nas suas próprias vidas.."É como se fosse o escritor a fazer a imitação de algo invisível. Temos de nos tornar invisíveis e entrar no rádio gigante ou tornarmo-nos o próprio rádio, para escutar a pulsação da sociedade".