É imperioso que sejam criados em Lisboa mais locais que possam ajudar a mitigar o efeito de ilha de calor sentido na cidade e que é cada vez mais frequente. Essa é uma das grandes conclusões do estudo do analista de dados Manuel Banza, intitulado "Identificação e Priorização de Locais para Refúgios Climáticos em Lisboa".."Existem várias zonas da cidade sem uma grande quantidade de árvores ou jardins ou de outros equipamentos que possam ajudar a atenuar o calor, sendo possível identificar que este é um problema transversal à cidade", explica Manuel Banza, de 30 anos, sublinhando que "os efeitos das alterações climáticas podem por vezes agravar a desigualdade social, pois o acesso a parques, piscinas ou a casas com instalações climaticamente resistentes é limitado apenas àqueles que podem pagar por isso"..O ponto de partida deste estudo foi uma proposta do partido Livre, aprovada em Julho de 2022 na Assembleia Municipal de Lisboa, que defendia a criação de uma rede de refúgios climáticos na cidade. "Essa recomendação veio reforçar a minha vontade para analisar o efeito da ilha de calor na cidade. Esta análise surgiu porque tenho muito interesse nos temas das alterações climáticas e por ter seguido com atenção o trabalho desenvolvido em Barcelona, onde foi criado um mapa de refúgios climáticos. Fiquei bastante feliz por o Livre trazer esta recomendação à cidade e pela aprovação de todos os partidos, o que mostra a pertinência da criação desta rede de refúgios climáticos", destaca..No entanto, o trabalho deste analista de dados, que fez a pós-graduação em Data Science pela NOVA IMS, acaba por ter um contributo paralelo, visto que "procura identificar os locais onde não existe nenhum jardim ou infraestrutura que possa ser considerada um refúgio climático" e, dessa forma, "entrar no mapa que é proposto na recomendação e que os serviços técnicos da Câmara Municipal de Lisboa estão a desenvolver atualmente". Com a análise que propõe, são identificados locais nos quais terão de existir outro tipo de intervenções que exigem mais recursos para tornar essas zonas em refúgios climáticos..Manuel Banza explica que refúgios climáticos "são locais com determinadas características que ajudam a mitigar o efeito da ilha de calor e, por consequência, ajudam a combater o efeito das alterações climáticas, possuindo essencialmente três elementos, que são o verde, azul e cinzento". O verde engloba espaços verdes como jardins e árvores, o azul está relacionado com a água e vai desde bebedouros até lagos ou fontes, enquanto o cinzento está diretamente ligado à sombra, seja ela de árvores ou produzida artificialmente através de toldos. Estes refúgios podem ser em espaços ao ar livre, mas também espaços interiores, como por exemplo bibliotecas..Para calcular as zonas em Lisboa que estão mais sujeitas às ondas de calor, Manuel Banza utilizou as seguintes variáveis: o valor da ilha de calor urbano, que é medido em graus; proximidade a jardins e parques; densidade populacional; concentração de árvores; proximidade a bibliotecas. E chegou à conclusão de que há seis zonas especialmente problemáticas: Baixa, rua Morais Soares/Alto de São João, Chelas, Bairro do Rego, Parque das Nações e Ajuda..Especificando o caso da Baixa, explica que "praticamente não existem árvores e há muito trânsito automóvel, o que também faz aumentar a temperatura sentida". E no que toca à rua Morais Soares, juntamente com Arroios e a Penha de França, "são locais com poucas árvores e alta densidade populacional, sendo aliás o quilómetro quadrado com mais população do país, segundo os últimos CENSOS 2021"..Por outro lado, sublinha que "é nas zonas com presença de mais jardins que o efeito da ilha de calor é menos sentido". E, por isso, locais como "a envolvência da Fundação Calouste Gulbenkian nas Avenidas Novas, Campo Grande e Alvalade, ou Carnide, mostram que por vezes o efeito da ilha de calor é negativo, ou seja, é inferior ao ponto de referência que é usado para o cálculo deste indicador"..E o que pode ser feito para atenuar os riscos que estes pontos de calor comportam para a população? "Uma das prioridades deve ser plantar mais árvores e deveríamos utilizar esta oportunidade para resolver dois problemas: garantir que há mais espaços verdes, com sombra e com água para baixar a temperatura, mas fazer com que estes sítios sejam sítios de encontro entre as pessoas e que sejam confortáveis para se tornarem espaços de estar". Banza acrescenta que "é preciso repensar os propósitos do espaço público e como devemos ter mais espaços verdes, que não precisam de ser jardins, podendo ser ruas pedonais com sombra, árvores e plantas". Para que isso aconteça, "será preciso fazer mais conversões de ruas em espaços de acalmia de trânsito e conseguir tornar essas ruas em locais mais verdes".."Não devemos ter medo de começar com experiências temporárias durante umas horas ou dias e assim irmos aos poucos testando novas soluções. E deixo a sugestão de repensar os vários tipos de uso que um espaço pode ter, consoante a altura do ano e hora do dia. Um exemplo são as escolas, espaços já com muitos equipamentos e que uma grande parte do ano estão fechadas. Nas férias e nos fins de semana essas instalações podiam ser abertas à população, criando diferentes tipos de uso", acrescenta..Manuel Banza ainda não teve a oportunidade de apresentar o seu estudo à Câmara Municipal de Lisboa, mas sabe que a autarquia está bastante atenta a estas questões. "A Câmara tem ótimos técnicos, capazes de identificar soluções muito inovadoras e eficazes para este problema. Vários têm sido os esforços ao longo dos anos para mitigar o efeito da ilha de calor, tendo sido até Capital Verde Europeia em 2020. Nomeadamente através da criação do mapa dos refúgios climáticos já existente ou com o programa "Arrefecer a Cidade", que está em curso", diz..No entanto, alerta para a necessidade de "avançar com um pacote de medidas ambiciosas e com a participação dos cidadãos, no sentido de haver mais espaços verdes, menos poluição, melhor espaço público e por consequência melhor qualidade de vida"..dnot@dn.pt