Na passada segunda-feira, o primeiro-ministro, questionado numa entrevista televisiva sobre a precariedade na investigação científica, respondeu que os "investigadores têm de ser integrados na carreira". A afirmação de António Costa merece clarificação e medidas concretas..Afinal de contas, que modelo de contratação defende o governo para os investigadores científicos? No passado mês de agosto, e sem que muita gente reparasse, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior aprovou o Diploma do Emprego Científico, plasmado no decreto-lei 57/2016, que se limita a trocar bolsas precárias por contratos precários..O diploma institucionaliza uma via paralela à carreira científica, em que as remunerações são ainda mais baixas do que as bolsas hoje existentes, não vislumbra qualquer tipo de vínculo destes profissionais após o término do contrato (seja de três anos ou renovado uma vez, seis anos) e a própria aplicabilidade da medida é duvidosa, o que instaurou no sistema uma confusão generalizada. Não por acaso, são vários os pedidos de clarificação provenientes de universidades e politécnicos..A ciência e a investigação não podem continuar reféns de contratos precários, prazos de atribuição que não são respeitados e bolsas infinitas que não permitem que os investigadores integrem a carreira da investigação científica..Um país desenvolvido e moderno, que tenha capacidade de responder à evolução do conhecimento, que encontre soluções para os problemas sociais, indústria, economia, agricultura, tecnologia e comunicações, não pode deixar a política científica refém de uma agenda que desvalorize os investigadores e aceite que estes trabalhem dez, 15, 20 anos com bolsas de investigação ou contratos que desresponsabilizam o Estado e as entidades empregadoras..As bolsas de investigação privam os trabalhadores científicos dos mais elementares direitos sociais e laborais como a proteção na doença, acesso ao subsídio de desemprego, direito à reforma, assistência na doença e à família, direito à maternidade e paternidade, férias remuneradas, subsídio de Natal e férias ou subsídio de alimentação..No início da atual legislatura, o ministro Manuel Heitor informou que estava a trabalhar num programa de incentivo para a contratação de investigadores científicos, o que viria a reafirmar na discussão do Orçamento do Estado para 2016. As expectativas saíram defraudadas. O programa de incentivos apresentado é a perpetuação da precariedade e, em última análise, a legitimação de uma contratação precária paralela, fora da carreira e com um horizonte curtíssimo, seis anos..O Bloco de Esquerda não podia deixar de agir sobre este assunto. Foi por isso que apresentámos, na Assembleia da República, um pedido de apreciação parlamentar deste diploma, que propõe a consagração de contratos de trabalho efetivos e o ingresso destes profissionais na carreira. É neste âmbito e, com a preocupação de ouvir todos os representantes da área, que promovemos nesta sexta-feira a audição pública "Dignidade para quem produz ciência"..As palavras do primeiro-ministro ficam registadas com boa nota. Esperemos que Manuel Heitor também as tenha ouvido e que, de uma vez por todas, se liberte a ciência da precariedade. Nos próximos tempos, no Parlamento podemos passar das palavras aos atos, aprovando as propostas do Bloco de Esquerda. Quem dá o melhor de si todos os dias, em condições laborais lamentavelmente instáveis, não merece menos..Arqueólogo e deputado do Bloco de Esquerda