Lava-Jato. A operação policial que não tem limites

Um senador preso pela primeira vez na história. Príncipes da alta finança e construção civil em celas. E meia Brasília a suar frio
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Bernardo Cerveró, o filho de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras condenado a mais de 12 anos no petrolão, achava que o pai devia assinar um acordo de delação premiada que lhe diminuiria a pena em troca de informações que incriminassem outros beneficiários do escândalo de corrupção investigado pela Operação Lava-Jato. O advogado do pai discordava. Marcaram então encontro num hotel de Brasília para acertar agulhas. Dessa reunião resultou a primeira prisão de um senador em funções no Brasil, Delcídio do Amaral, do Partido dos Trabalhadores (PT), e do príncipe dos banqueiros no país, André Esteves, CEO do Banco BTG Pactual, na semana passada.

Como já há meses estavam detidos o maior magnata da construção civil, Marcelo Odebrecht, e um punhado de empresários e políticos de topo, incluindo José Dirceu, braço direito de Lula da Silva no seu primeiro mandato de presidente, Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, ou Otávio de Azevedo, patrão da poderosa Andrade Gutierrez, a Lava-Jato entra para a história como a operação policial que pode mudar a imagem brasileira de impunidade, superando o impacto das prisões do mensalão. E ainda pode ir a meio.

"A operação dissolve a imagem consolidada de que ricos e poderosos estão a salvo das garras da justiça", escreve em editorial a Folha de S. Paulo, o maior jornal do país. "Os criminosos não passarão pelos juízes", sentenciou Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, o órgão que, de acordo com a lei, determinou a prisão do senador em funções. "É um marco na história", sublinharam os constitucionalistas Eloíza Machado e Rubens Gleizer, no O Estado de S. Paulo. "Perplexo", "chocado", "triste", confessaram-se os pares de Delcídio do Amaral no Senado, ouvidos pelos repórteres.

Na reunião no luxuoso Golden Tulip, além de Bernardo Cerveró e do advogado do pai, estavam Delcídio do Amaral e o seu chefe de gabinete. Todos tentaram convencer Bernardo de que, em vez de denunciar, o pai deveria fugir pelo Paraguai rumo a Espanha. Discutiram até detalhes, como o modelo do jato a ser utilizado, o local de reabastecimento e as formas de o detido se livrar da pulseira eletrónica.

Em paralelo, o senador ofereceu--se para fazer lóbi junto de poderosos, como o vice-presidente Michel Temer, o presidente do Senado Renan Calheiros e juízes do Supremo. Além de pagar uma mensalidade à família, cortesia de André Esteves. Tanto Delcídio como Esteves temiam que Cerveró os citasse na delação.

O Brasil sabe dos detalhes do encontro porque Bernardo, ator de profissão, levou consigo um telemóvel com o qual gravou a conversa de uma hora e 35 minutos.

Perante a gravidade do que foi dito, as autoridades decretaram a prisão de todos os intervenientes na reunião, à exceção de Bernardo, e a de André Esteves, que não participa das negociações mas é citado.

"Dada a sordidez, só falta mandarem matar um juiz", desabafou o colunista da Folha de S. Paulo Vinicius Torres Freire. "República de bandidos, detalhes dignos de arranjos da máfia", escreve a propósito o Estadão, em editorial.

O que se segue

No Palácio do Planalto, a sensação é de desconforto. Vencida, por ora, a ameaça do impeachment, o governo de Dilma Rousseff sabe que a prisão de um senador do PT, aliada à detenção dias antes de um amigo íntimo de Lula, o empresário José Carlos Bumlai, faz voltar à estaca zero o esforço pela retoma da popularidade do executivo.

Por isso, o PT, pela voz do seu presidente, negou solidariedade a Delcídio. "Não há solidariedade, estou perplexo", disse Rui Falcão, dando a entender ainda que vai solicitar a expulsão do senador detido. "É coisa de imbecil", acrescentou em evento sindical Lula, citado por amigos.

Essa suposta declaração de Lula levou a que o senador decidisse interromper o seu depoimento à polícia, de acordo com a GloboNews, por ter ficado "completamente descontrolado".

Delcídio, que já dissera em depoimento que o vice-presidente Michel Temer era próximo de um dos diretores da Petrobras presos, se decidir começar a falar pode tornar a operação policial em curso ainda mais histórica. Os investigadores, liderados pelo juiz Sergio Moro, já disseram que a Lava-Jato não tem limites.

Em São Paulo

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