A bandeira do Kuwait foi desenhada a partir de um poema do escritor árabe Safi al-Din al-Hilli, o qual inspirou as cores da bandeira (verde, branco e vermelho, com um triângulo preto truncado). O poema intitula-se "Fakhr" (Ostentação), escrito no século XIII: "Brancos são os nossos atos, pretas são as nossas batalhas, verdes são as nossas tendas, vermelhas são as nossas espadas." Eu costumo pensar que, verdadeiramente, ostentação é poder ter aquilo que o dinheiro não compra e não apenas o que está ao alcance dos abonados. Porém, o que dizer de um país que, com a sua riqueza económica, possibilita que o Governo pague todos os serviços públicos, pague a uma mulher divorciada um subsídio mensal até conseguir um emprego, pague uma bolsa a qualquer estudante no estrangeiro, pague qualquer transporte e tratamento médico no estrangeiro, não cobre taxas na aquisição de imóveis até um limite de custo e, naturalmente, a gasolina seja mais barata do que a água potável? Nem todos os países ricos o fazem. E o que dizer, ainda, de um país que quer marcar o futuro da arquitetura, com níveis de sustentabilidade ambiental "carbono zero"? Na passagem pelo Kuwait, pude assistir a uma exposição sobre o pensamento holístico em arquitetura e sobre os vários desafios que impactam diretamente na qualidade de vida. Isto quer dizer que quem tem dinheiro também se preocupa com a próxima geração de cidades, que estas sejam exemplos da economia circular, da segurança alimentar, da conservação da água, da reciclagem de resíduos, da energia renovável, dos novos materiais de construção, da mobilidade, da biodiversidade, do combate à poluição do ar e da promoção do bem-estar da população em geral. Contudo, esta preocupação não deveria ser exclusiva de quem tem posses, mas de todos à escala mundial e à medida das possibilidades de cada qual. Este é um caso em que está bem patente a importância de um quarto pilar de sustentabilidade, como costumo ensinar aos meus alunos. A política é essencial para projetar com eficiência os restantes pilares: condições sociais, económicas e ambientais. A macroescala da futura cidade XZero passa por alcançar parâmetros de cidade produtiva e tecnológica na informação, tanto na sua infraestrutura física, como na massa inteligente, em resultado de políticas de cariz ecológico. À escala do edifício, os sensores desempenham um papel fundamental, porque a iluminação interna e a temperatura podem ser ajustadas automaticamente, baseadas em vários parâmetros para reduzir o consumo sem reduzir o padrão de vida. A arquitetura moderna no Kuwait começa a disseminar estes conceitos, ao mesmo tempo que não deixa de manter, em alguns empreendimentos, uma relação com os temas do Médio Oriente. O "estilo internacional" foi iniciado com as "Torres de Água", cónicas e pontiagudas, sobre um tanque de água esférico. A torre principal tem 187 metros de altura, com um restaurante, servindo também como caixa de água, além de possuir uma esfera giratória que proporciona uma vista panorâmica da cidade. A segunda tem 145,8 metros de altura e serve igualmente como caixa de água. A terceira guarda os equipamentos para controlo das duas primeiras. As duas torres têm capacidade para 4500 metros cúbicos de água. Foram abertas ao público em 1979, mas danificadas durante a ocupação do Kuwait pelo Iraque, durante a Guerra do Golfo, tendo sido recuperadas, mantendo a sua posição imagética no "skyline" da capital. A libertação do Kuwait começou com a intervenção norte-americana, para impor as ordens do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e continua através de uma política inteligente de desenvolvimento ambientalmente sustentável. Porém, seria necessário que, numa próxima viagem, eu recolhesse histórias de pessoas que não aquelas para as quais estes empreendimentos estão destinados e talvez não confirmem que "verdes são as nossas tendas", a fazer jus a um dos provérbios locais: "Full grain plants bow humbly, while the empty ones raise their heads proudly" (As plantas de grãos cheios curvam-se humildemente, enquanto as vazias erguem a cabeça orgulhosamente)..Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.