Cinema. Três artistas incómodos reuniram-se para fazer um filme. Daí nasceu 'Maradona by Kusturica', película que pretende mostrar três facetas do astro do futebol mundial. A primeira mostra foi em Cannes, onde o seleccionador argentino foi uma das estrelas presentes.Juntar Emir Kusturica, Diego Armando Maradona e Manu Chao num mesmo sítio deverá ser suficiente para abrir um lastro mediático que agite as águas mais paradas. São três vozes incómodas contra o statu quo, três dissidentes da globalização, por assim dizer. E eles tocam-se em Maradona, filme do realizador sérvio, que estreia na próxima quinta-feira (19 Fevereiro) e tem banda sonora do músico francês de ascendência espanhola. São três artistas incómodos, ou irritantes, consoante a perspectiva, numa obra em que se revelam, segundo o cineasta/músico, três Diegos diferentes: "O professor de futebol, o cidadão incorrecto que se opõe às políticas unilaterais dos Estados Unidos e o homem de família." É Maradona by Kusturica..O filme que estreou em Cannes, em Maio de 2008, só agora vai entrar no circuito comercial em Portugal. Mas já vem de longe a aura de curiosidade que o envolve: Maradona é um símbolo do futebol, Portugal é devoto do futebol..Aliás, esta película, rodada em vários dos palcos que consagraram o ex-futebolista argentino (agora treinador da selecção do país que conduziu ao triunfo no Mundial 1986), é um tributo à personalidade maior do que o Mundo do astro de Buenos Aires. Mas um tributo que não foge muito das personalidades que o imaginaram (Kusturica) e personalizaram (Maradona): uma espécie de manifesto político em que se conta a vida de Diego Armando Maradona..Vai um sinal inequívoco? "Somos pessoas de outro tempo, somos dionisíacos", registou Kusturica em Cannes, quando lhe perguntaram o que é que o une a Maradona. Esta é a parte dos cultos de personalidade, mas há um outro lado muito forte na obra: a consciência política. Ou o manifesto. "Com este filme eu também quis falar, quis mostrar que também podia dizer, que podia ser a voz do povo da Argentina", explicou o jogador. Não são raras as aparições neste filme de Fidel Castro e Hugo Chávez , dois dos melhores amigos do argentino.Mas, bem, também há futebol pelo meio dos corredores da política e dos famosos amigos de Diego, neste filme. À cabeça, o Argentina-Inglaterra de 1986. Uma escolha nada subtil: afinal, continuamos num púlpito do cima do qual se apregoam ideologias. Com uma bola a servir de argumento, e "El Diós" a dar uma mão. Ou duas. .O célebre golo "com a mão de Deus", que anos e anos Maradona parodiou sem admitir que não foi mão divina, como ficou evidente logo ali, no Estádio Azteca da Cidade do México - só verbalizou pela primeira vez que marcou aos ingleses com a mão cerca de 20 anos após o ter feito no relvado - é protagonista. Merece um largo destaque e percebe-se se recuarmos a 2004 e à explicação que Diego deu a esse golo: "Vingança pelas Malvinas."."Diego Maradona é um personagem de cinema, podia ser um personagem dos meus filmes. É como aquele homem que é o seu pior inimigo, que causa a sua própria perda, em Gato Preto, Gato Branco", explicou Kusturica em Cannes, aquando do lançamento mundial do filme. Um filme em que a cocaína também joga um papel relevante. Como na vida de Maradona, aliás. "E se não fosse a coca, que jogador eu poderia ter sido!", comentou em Maio passado Diego..O culto maradoniano chegou bem longe na vida, e também no filme. A Igreja Maradoniana, culto de milhares, está bem representada no ecrã. O actor Lucas Fuica representa-se a si próprio na película de Kusturica: Fuica é membro da Igreja Maradoniana na vida real, e transmite-o no filme que chega às salas de cinema na próxima quinta-feira. Para cultores de Diego Maradona, ou de Dionísio.|