Na entrada da Escola Básica 2,3 de São Teotónio, no concelho de Odemira, o painel que marca com fotos a saída dos estudantes é um retrato da diversidade populacional da região. Atualmente, 43% dos alunos da instituição são filhos de estrangeiros - com previsão de que cheguem a 50% ainda este ano letivo. Só em setembro ingressaram mais de 50 novos estudantes..A atual diretora, Inês Pinto, está na escola e na região há duas décadas. Neste período, viu a transformação do perfil de alunos, da paisagem, dos empreendimentos e localidades ao redor. "Nós sempre tivemos alunos estrangeiros, é natural para nós", conta. O que mudou foi o número e a nacionalidade daqueles que escolhem Odemira para viver: ingleses, alemães, ucranianos, búlgaros, tailandeses, nepaleses, indianos e bengalis. A população estrangeira no concelho corresponde a pelo menos 36% dos cerca de 30 mil habitantes, segundo dados do Censos de 2021 e do extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)..Além do país de origem dos migrantes e do número, outras coisas mudaram nos últimos anos: o tipo de trabalho que atrai tantas pessoas, a adaptação e a integração dos novos moradores na região alentejana. Veem-se famílias inteiras de várias partes do mundo em rotinas do dia a dia: crianças pequenas a brincar nos parques, casais a passear nos jardins, trabalhadores a voltar do trabalho ao final da tarde e pessoas a fazer compras. Mas para ali chegar e manter-se muitas são as barreiras..O Largo de São Teotónio, em frente à igreja, é como um ponto de encontro na vila. Sentados nos bancos estão idosos portugueses - em Odemira são 226 pessoas com mais de 65 anos para cada 100 jovens, segundo o Censos - e migrantes diversos, os mais antigos e os mais novos, como o nepalês Deepak Bhandari, de 37 anos. Ele chegou há apenas duas semanas, mas já foi acolhido por outros migrantes..Deepak é jornalista e exibe as carteiras profissionais, com validade nacional e uma internacional. Quer continuar o trabalho em Portugal, mas, para já, está disposto a qualquer trabalho, inclusive nas estufas, a área que mais emprega migrantes na região..Um dos nepaleses que acolheu o compatriota foi Raju Prasad Kandel, que vai completar seis anos em Portugal. Primeiro trabalhou a fazer sushi, no Montijo, onde a jornada na restauração era grande. Mesmo assim frequentou um curso público de português e aprendeu o idioma. "A vida ficou bem mais fácil quando aprendi a língua", explica. Desde que chegou ao país, contou com a ajuda de cidadãos portugueses. "Sempre me ajudaram muito", relata. Depois mudou-se para Odemira e começou a trabalhar na agricultura, com uma carga horária menor. A decisão partiu pela chegada da esposa, em fevereiro, da qual ficou cinco anos longe. "Antes eu trabalhava muito, não teria tempo para estar com a minha mulher.".Atualmente ambos trabalham em estufas e dividem um T3 com mais duas famílias - uma delas com filhos. Só a renda do imóvel é superior a mil euros, valor dividido entre todos. Raju reclama da dificuldade em conseguir casas, principalmente quando chegam novos imigrantes.."Todos os dias vêm mais pessoas para cá. Mas não há onde morar, então ficam com os amigos", explica. "Os amigos" que refere são os compatriotas, muitas vezes desconhecidos ou apenas contactados através das redes sociais. Assim, as casas ficam cada vez mais cheias. De uma perspetiva, é uma mostra de solidariedade, de outra, revela que a integração começa entre os próprios estrangeiros, que preferem ir em busca dos pares em vez de procurar instituições de apoio..Entre as ruas estreitas, prédios antigos e em condições precárias, é possível observar habitações sobrelotadas. Avistam-se pelas janelas diversos beliches. Os números disponíveis comprovam: cerca de 20,5% das casas em Odemira possuem moradores a mais, um aumento de 9,3 pontos percentuais na comparação com o Censos de 2011. Atrás da frieza dos dados estão rostos, corpos e vidas, que pagam até 300 euros por um beliche - quando não são obrigados a dividir a mesma cama de forma rotativa, o chamado "cama quente"..Mesmo em casas muito pequenas residem inúmeros migrantes. É o caso do indiano Kamal Bahadur Beniya, de 40 anos, que mora com mais 11 pessoas num T2. Há apenas uma casa de banho, uma sala e uma cozinha para todos. Cada morador paga 175 euros. Em conversa com o DN à porta da Repartição de Finanças em Odemira, diz que "é muito difícil encontrar casa e todas são muito caras" para o ordenado que recebe a trabalhar na agricultura. O serviço por vezes é sazonal e obriga a poupar dinheiro para sobreviver nos meses sem trabalho..O problema da habitação não é exclusivo de Odemira. Portugal passa por uma grave crise no setor. Porém, ali as condições são piores, e isso acaba por ser uma barreira na integração plena dos migrantes. Esta dificuldade não passa despercebida aos moradores portugueses da região. "Não há casas para todos, não há casas suficientes nem para nós, portugueses", afirma uma proprietária de um dos poucos cafés portugueses de São Teotónio. Ela também é senhoria, mas diz que se "recusa a explorar" os migrantes. Arrenda um T2 por 350 euros e não permite que morem lá mais de quatro pessoas nem subarrendamentos. Mas nem todos agem da mesma forma..Existem senhorios que arrendam apartamentos com três quartos onde vivem mais de uma dezena de pessoas, cada uma a pagar 300 euros. Contas feitas, o proprietário ganha pelo menos 3 mil euros por mês com o imóvel. O resultado da pouca oferta, abusos por parte de alguns senhorios, preços altos, ordenados baixos e a burocracia que estrangeiros recém-chegados enfrentam são a superlotação, a falta de dignidade, de privacidade e do mínimo de conforto para viver..A Câmara Municipal de Odemira reconhece que a habitação é um "problema grave". De acordo com Isabel Palma Raposo, responsável pela área da Inovação Social, a questão "não se resolve do dia para a noite". E refere que está em andamento a construção de novos fogos e iniciativas de arrendamento apoiado..Sobre as superlotações, ressalta que existe "uma abordagem colaborativa", em parceria com autoridades de saúde e outras entidades locais. Mas não há uma solução definitiva. "Temos a falta de casas, mas as próprias pessoas juntam-se para não pagarem tanto e assim conseguirem ter mais rendimento ao final do mês para mandar para as famílias que estão longe", argumenta..O DN conversou com mais de uma dezena de migrantes em Odemira. Todos dizem que a partilha de casa não é uma opção: é "uma necessidade", diante de uma equação que não fecha - altos preços das rendas, pouca oferta e baixos ordenados. Os valores na área da agricultura rondam, em média, entre 550 e 700 euros..Isabel pontua que apenas construir mais habitações pode não ser uma saída totalmente eficaz. "Não é assim tão linear. Podemos ter a perpetuação de casas com pessoas a mais. Não é só acharmos que vamos ter mais casas que a situação se resolve, podemos é ter mais casas superlotadas. Não quer dizer que não é importante a construção, mas é muito complexo.".Ao mesmo tempo, afirma que é uma prioridade a construção de fogos para "as famílias que vão permanecer no território a longo prazo". E cita o aumento dos reagrupamentos familiares e que a chegada de mais mulheres e famílias é um fator importante para a integração na vila..Teresa Barradas, da associação TAIPA, também considera essencial o reagrupamento familiar para "dissipar algum estigma ou desconforto" na comunidade local: "As famílias e as crianças têm um peso muito grande, porque todos percebem que eles são como nós, colegas dos nossos filhos na escola, pessoas em busca de qualidade de vida", argumenta a coordenadora de intervenção social da entidade..De acordo com ela, parte do desconforto surgiu de hábitos diferentes dos estrangeiros nas ruas, como andar em grandes grupos de homens, algo que não é comum por lá: "Pode ser bastante intimidatório para as mulheres, e não só as portuguesas, ver 30 homens sozinhos à noite. É um sentimento válido, mas que não se concretiza num aumento de crimes na nossa zona", assegura a profissional, que atua na área há mais de 10 anos..Entre os fenómenos migratórios é uma situação comum que o homem "vá primeiro" em busca de emprego, morada e condições para trazer a restante da família. No entanto, podem existir diferenças, conforme a cultura local do migrante..Segundo dados do SEF, entre a comunidade brasileira residente em Portugal no momento existem 20 mil mulheres a mais do que homens. Já nos cidadãos da China praticamente não há disparidade, com uma diferença que não chega a 300 pessoas. O mesmo ocorre com nações africanas e outros países europeus..Não existem dados específicos de Odemira no que diz respeito ao número de estrangeiros por género. Num âmbito nacional, notam-se em algumas nacionalidades a disparidade entre homens e mulheres. De acordo com os mesmos dados do SEF, de 2021 para 2022 obtiveram uma Autorização de Residência (AR) 6153 pessoas do Bangladesh. Destas, 5240 são homens e 913 mulheres, ou seja, seis vezes mais homens do que mulheres. No total, são 16.468 bengalis, dos quais 13.467 são do género masculino. Entre indianos a disparidade é semelhante: 5891 homens e 1523 mulheres obtiveram o título de residência em 2022. São 35.416 cidadãos na totalidade, dos quais 28.651 do género masculino e 6765 do feminino..A diferença é menor entre migrantes do Nepal. A AR foi atribuída a 2327 homens e 1531 mulheres, enquanto o total de residentes é de 23.839. Destes, 8817 são nepalesas e 15.022 nepaleses. Mas não são apenas traços culturais que ditam o fluxo migratório. Em alguns casos há vontade, planeamento e condições. Mas em Portugal um fator decisivo é ter esta oportunidade. Há quase um ano que o SEF não anuncia novas vagas no sistema. Quando surgem, acabam em minutos. Com a criação da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), o governo divulgou que a prioridade serão os reagrupamentos familiares, mas não anunciou medidas concretas nem quantas vagas serão disponibilizadas..Apesar da incerteza, a notícia dá esperança a quem sofre com a saudade do abraço e da convivência com quem ama. Para muitos, é um sonho pelo qual trabalham e buscam todos os dias. O nepalês Sanam Shrestha, de 40 anos, mostra com tristeza ao DN, no telemóvel, a quantidade de chamadas efetuadas para o antigo SEF: 1351 em apenas um dia. Conseguir a ligação para o órgão e uma vaga significa para o migrante a felicidade completa. Longe da esposa e do filho de 12 anos, os quais não vê há mais de um ano, Sanam lamenta que não consiga uma marcação há mais de um ano, mesmo com tentativas diárias.."Eu tenho Autorização de Residência, um bom emprego, uma boa casa, todas as condições para trazê-los", explica o nepalês, que está no mesmo emprego de apanha de frutas com contrato desde que chegou, há quase cinco anos. "É muito difícil ficar longe deles e saber que poderiam estar aqui comigo e não estão, mas eu não sei mais o que fazer", desabafa, com o cão ao colo, sua única companhia nas horas de folga..Segundo Teresa Barradas, são "enormes" os desafios de integração dos migrantes em Odemira. A TAIPA é a responsável por executar o Plano Municipal para Integração dos Migrantes. Além deste protocolo, a entidade promove diversas outras ações na área social..Os projetos com migrantes surgem a partir das necessidades observadas na comunidade, mas também como uma maneira de promover uma integração multicultural a longo prazo. Uma das iniciativas, criada em 2021, ocorreu a partir da dificuldade em aceder aos serviços públicos. Em parceria com a Câmara de Odemira, foi formada uma equipa de mediadores culturais, que atuam rotativamente em órgãos como Finanças, Segurança Social e centros de saúde espalhados pelo concelho..Conforme diz Teresa Barradas, era uma "necessidade gritante". Atualmente há três mediadores fixos das nacionalidades nepalesa, bengali e indiana. Também um mediador tailandês é chamado quando necessário. Mais do que tradutores, são profissionais que podem fornecer informações sobre questões burocráticas, por exemplo. Além disso, são vistos como figuras de referência nas suas comunidades. Por exemplo, eles também podem ser solicitados pontualmente para reuniões escolares ou formações nas empresas..Os mediadores são ainda transversais a outras atividades da TAIPA. Uma delas é um centro de aprendizagem e convivência para estudantes - portugueses e estrangeiros. Na colorida sala localizada em São Teotónio, crianças participam em ações socioeducativas e de convivência, com trocas de experiências culturais, como música, escrita e idiomas. Na tarde que o DN visitou o centro, o local estava repleto de miúdos de vários países a brincar, desenhar, tocar piano e jogar à bola - todos juntos..A aposta na educação não é somente para os mais pequenos. Outra ação da TAIPA é a promoção de workshops educativos nas empresas para ensinar temas como saúde, segurança rodoviária e igualdade de género. Os mediadores realizam a tradução nas formações. Na sede da associação também funciona um gabinete de acolhimento e prestação de informações aos migrantes. Outro serviço é um Gabinete de Apoio à Vítima - que atende todas as mulheres do concelho. Em 2022 foram realizados 970 atendimentos a 192 vítimas, com portuguesas, brasileiras e ucranianas nas três principais nacionalidades. Mas também duas indianas e duas nepalesas, de acordo com os dados obtidos pelo DN..Teresa considera essenciais as três principais ações em andamento. No entanto, várias outras ficaram pelo caminho por falta de dinheiro. Em 2022 estavam ativos nove projetos. Um deles foi realizado somente com mulheres, como forma de empoderamento, já que muitas vezes ficam isoladas por questões culturais e religiosas. "Temos na comunidade mulheres com muita capacidade, com vontade de mudar o mundo e de serem ouvidas", relata Teresa Barradas, que lamenta a descontinuidade por falta de recursos..A questão de género é central na integração. Os migrantes, quando chegam ao novo país, trazem consigo as suas tradições - algumas delas não condizentes com a cultura local ou mesmo com as leis. É o caso de como as mulheres são vistas por algumas comunidades de outros países. Durante as entrevistas em Odemira, o DN tentou conversar com algumas das migrantes asiáticas, mas muitas foram impedidas pelos maridos com a desculpa de não falarem o idioma. No entanto, elas sinalizaram discretamente que sabiam como comunicar..Luís Oliveira, nascido e criado em Odemira, ocupa a cadeira de comando do Corpo de Bombeiros Voluntários da vila. Sempre acompanhou de perto os fluxos migratórios na região. Ao DN contou que já aconteceram casos de homens migrantes recusarem atendimento por ser uma mulher quem estava ao volante da ambulância. Por outro lado, algumas pacientes, incluindo grávidas, não aceitam ser examinadas por profissionais homens. "Tentamos sempre contornar a situação, mas quando não é possível temos que informar que houve a recusa por parte do utente, nunca de nós", comenta o comandante. Ele traz também o dado de que em 80% dos transportes de ambulância para realização de partos as utentes são estrangeiras..Oliveira ainda refere que algumas mulheres disseram sentir-se intimidadas nas praias por olhares de cidadãos estrangeiros. Porém, acrescenta que nenhuma situação criminosa neste sentido se concretizou e que os próprios homens europeus fazem o mesmo. "Isso também acontece com os portugueses, mas as culturas são diferentes, as mulheres não são vistas como seres sem direitos", explica..No rol de situações de género, também existem relatos de trabalhadores que não aceitavam ser chefiados por uma mulher. "Mas isso tem diminuído, porque com o tempo habituam-se. Assim como nós, portugueses, um país de emigrantes, temos que nos adaptar às leis e culturas de outros países, eles precisam de fazer o mesmo cá", argumenta o bombeiro, que se define como um defensor da imigração e da integração das comunidades..A mesma questão de género é encarada pelas artistas que lideram o espetáculo Bowing, uma iniciativa que busca a interculturalidade através da arte. A produtora cultural Matilde Real é uma das cocriadoras da peça, concebida pela coreógrafa Madalena Victorino. De acordo com a profissional, "às vezes os homens estranham serem três mulheres a liderar os grupos, mas, ao mesmo tempo, passado uns meses, estão perfeitamente naturais connosco", sublinha..Além disto, também existia desconforto das mulheres na dança com os homens. "Agora já não existe, estou completamente confortável com eles. Se às vezes há invasões de fronteiras, como já houve, paramos e temos uma conversa, eles aceitam, pedem desculpa e não volta a acontecer", exemplifica. De acordo com Matilde, tornaram-se todos amigos e estabeleceram uma relação de confiança entre os que veem na arte uma forma de se integrar e compreender a cultura local..Matilde sabe que a mudança leva tempo, mas que é possível - desde que exista educação. Luís Oliveira concorda que não existirá integração possível sem educação a todos os níveis, não somente nas escolas. É o caso do já referido projeto da TAIPA nas empresas, onde são discutidas as questões de género. O problema é que as ações não são constantes e o motivo é a falta de dinheiro.."Se queremos provocar a mudança, temos que estar constantemente a repetir a informação no terreno", cita a coordenadora da TAIPA. A entidade está sempre em busca de candidaturas de fundos comunitários para poder executar os projetos. Mesmo diante das dificuldades, Teresa avalia que uma parte do caminho de integração foi percorrida: "Está interiorizado. Já nos habituámos a essa mudança de paisagem humana e dos diferentes contextos. É intrínseco. Claro que há sempre pessoas mais recetivas do que outras, isso faz parte da comunidade, pois não somos todos iguais", adianta..A antropóloga e produtora cultural Catarina Barata está atenta. Em conversa com o DN, declarou ter notado "um crescimento de discursos racistas e xenófobos" e que a situação "muito a preocupa". Segundo ela, que mora na região há anos e conhece a realidade local, a desconfiança gera discriminação. "As pessoas olham com desconfiança para aquilo que não conhecem e muitas vezes não estão disponíveis para a descoberta daquilo que lhes causa medo, por incompreensão, e a diversidade é uma riqueza.".A mudança em Odemira não é só de paisagem humana, mas também do próprio comércio. Em São Teotónio os restaurantes portugueses já são uma minoria, junto com barbearias, mercados, lojas de acessórios para telemóveis e agências de viagem. Ao redor do largo, em frente à igreja, os estabelecimentos indianos dominam. Na vila, numa área movimentada perto da Segurança Social, estão um restaurante nepalês, dois portugueses e um mercado nepalês..Os clientes são mistos. A preferência dos migrantes é pela comida picante. No entanto, a maior parte conta gostar de pastel de nata. No mercado nepalês, uma senhora portuguesa conversa animadamente sobre tabaco com o dono do local, Keshav Karki, que fala português. O nepalês diz ao DN que possui amigos portugueses e que a comunidade local frequenta o estabelecimento. No mercado está sempre a tocar música oriental - a combinar com a gama de produtos à venda, misturados com os demais itens essenciais encontrados em qualquer outro espaço comercial português..Na paisagem escolar a interculturalidade é a mesma. Na Escola Profissional de Odemira, durante o intervalo entre as aulas, os idiomas são muitos - as nacionalidades passam de uma dezena. Milan Budha, de 17 anos, é um deles. O jovem nasceu em Katmandu e é estudante de culinária. As aulas na escola são em português, idioma que está a aprender. Quando não entende algum conteúdo das aulas, pede para repetirem até compreender e avalia que os professores são bons. Filho de um casal de nepaleses que trabalha nas estufas, fez um part time num restaurante de Vila Nova de Milfontes no verão e conta ter adorado a experiência. A partir dos ensinamentos da escola profissional de Odemira, tem o sonho de ser chefe de cozinha, unindo a comida portuguesa e nepalesa..Nas escolas municipais estão outros alunos que podem vir a frequentar a mesma instituição no futuro e dali saírem como profissionais formados. Na entrada da escola em São Teotónio num painel de boas-vindas estão cumprimentos escritos em vários idiomas..Segundo a diretora, Inês Pinto, o currículo teve de ser recriado, de modo a acolher os diferentes níveis de ensino dos estudantes que chegam de longe. Inês também ressalta que os desafios escolares variam conforme a idade. "No jardim de infância são todos crianças, brincam, chamam pelos nomes, não por nacionalidades. Mas na adolescência a cena muda, ficam menos integrados", explica. Para a profissional, um dos maiores desafios para a integração é "cativar os alunos para o idioma", já que as comunidades estrangeiras são tão grandes que é comum que os alunos busquem os seus pares. "Causa uma espécie de segregação, que não é saudável e que tentamos reverter", pontua. Ao mesmo tempo vê avanços na integração..Como a maior parte dos entrevistados pelo DN referiu, os desafios são muitos. Porém, boas práticas também existem e partem de quem tem uma visão de mundo diferente - ou minimamente humana..Ao lado de um prédio sobrelotado está um apartamento onde moram quatro pessoas. Todas são de nacionalidade indiana e abriram as portas da arranjada casa ao DN, a pedido de dois colegas de trabalho brasileiros que moram num outro apartamento. O grupo trabalha na construção civil e começou recentemente uma obra na região..A preocupação com a moradia, uma das primeiras ao mudar-se, não foi um problema: a habitação e todas as contas são pagas pelo patrão português. A beber um chai, Amarlut Singh, de 28 anos, diz que "é muito bom" morar e trabalhar em Portugal. Os parceiros de casa concordam e dizem ser felizes no país..Os colegas brasileiros José da Silva e Seimar Marques ajudam a aprender português e afirmam que "eles pegam rápido, são despachados no serviço e tranquilos". Assim como os brasileiros, os quatro profissionais indianos são gratos: nenhum dos trabalhadores ganha menos de mil euros por mês, não pagam renda, nunca trabalham aos domingos e têm tempo para lazer, como jogar críquete e viajar pelo país..O alentejano Fábio Campos, de 35 anos, é o chefe do grupo. Praticamente todos os 30 funcionários são migrantes e o elogiam pelas condições de trabalho, que destoam bastante da realidade de Odemira. "Eu sei que muitos preferem ter só lucro, mas eu tento ser diferente. Coloco-me no lugar da pessoa que está cá, com a família longe. Eles sofrem muito. Tentamos ser uma família e gosto que os meus filhos deem o exemplo", argumenta. .Fábio tem como inspiração o falecido empresário Rui Nabeiro, antigo patrão da Delta, em Campo Maior. "As pessoas só pensam no lucro, não olham para o outro. É por isso que este país não anda." Afirma que mesmo com os "altos impostos", a pagar salários acima da média e habitação a parte dos funcionários, consegue ter lucro, uma boa vida e ainda reinvestir mensalmente na empresa. "É possível. Durmo com a consciência tranquila, sei que eles trabalham contentes.".Além das obras e estufas, os migrantes começam a trabalhar na restauração local. O restaurante O Tarro, que abriu as portas há mais de 50 anos, possui uma equipa com tailandeses, nepaleses, indianos, cabo-verdianos, brasileiros e portugueses, da sala à cozinha, todos tratados por igual. O gerente Luís Rodrigues conta que muitos chegam maltratados: "Uma pessoa não é um objeto. São seres humanos e a exploração acontece muito em Odemira, no emprego e na habitação. Aqui no restaurante tratamos todas as pessoas como seres humanos que são", ressalta Luís, que adora viajar pelo mundo..Mais do que um contrato de trabalho, o gerente ajuda com a burocracia, SEF, pagar consultas médicas, reagrupamento familiar e matrícula escolar. Num dos casos ajudou um migrante a pagar uma dívida que contraiu para conseguir chegar ao país, quando este corria risco de vida através das sabidas máfias que ali atuam - e ficou livre. "O povo alentejano e português, que também é emigrante, é um povo muito acolhedor. Temos que nos colocar no lugar do outro e tentar ajudar no que podemos. Se eu fosse para outro país, gostava que me fizessem o mesmo. Assim, juntos, o mundo vai para a frente", finaliza..amanda.lima@globalmediagroup.pt