João Miguel Tavares, o amedrontado

O João Miguel Tavares acha, e se ele acha está o assunto arrumado.<br />
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O João Miguel Tavares não gostou da minha crónica de dia 13 de Dezembro neste jornal e ontem decidiu dedicar-me uma das suas. Entre considerações sobre o meu estilo resolve enfiar, nas palavras dele, um barrete sobre algo que escrevi nesse artigo. É lá com ele. Como ele muito bem diz, é preferível enfiarmos os nossos próprios barretes.

O João Miguel Tavares acusa-me duma estratégia que ele chama de enguia e que, pelos vistos, não aprecia. Podia correr-me pior. Imagine-se que o impoluto denunciador da sociedade do respeitinho decidia escrever, no exercício da sua inalienável liberdade de expressão, que eu não tinha pago a sisa da minha casa? Ou que eu roubava em supermercados? Podia fazê-lo, não podia?

O JMT acha, e se ele acha está o assunto arrumado. Ele acha que pode achar tudo o que lhe vem à cabeça e torná-lo público.

Espero nunca ver a reacção dele quando alguém achar que ele tem cara de corrupto ou coisa pior, sem que para tal tenha a mínima justificação. Não lho desejo a ele nem a ninguém.

Num esforço de glosa absolutamente notável, o JMT chega à conclusão de que o meu artigo é, no fundo, uma defesa de José Sócrates contra os colunistas que o têm atacado. Confesso, neste ponto, esperava mais do JMT. Esta estratégia de tudo resumir a uma imaginária defesa dum político é muito rasteirinha, apesar de popular.

Segundo esta doutrina, não interessa se acho José Sócrates um mau primeiro-ministro, não interessa se acho o Governo mau ou se ataco constantemente as opções governativas. Isso não interessa nada. Se eu não disser que José Sócrates é um bandido ou pior sou um Sócratista.

O JMT prefere fazer análises de carácter, fundadas ou infundadas, e desconfio que não vai ficar por aqui. Muitos outros primeiros-ministros, ministros, presidentes e outros que tais se seguirão. Tudo gente de quem valha a pena dizer mal, bem entendido. Tem outra vez razão, o João: as pessoas não mudam a sua natureza.

Como de costume, JMT proporciona-nos momentos de grande humor - é uma das razões por que sou leitor assíduo. A culpa do País viver na mediocridade política e moral (gosto mesmo muito, muito, de gente que enche constantemente a boca de moral) é, em boa parte, existirem uns tipos que acham que se devem fundamentar as acusações que se fazem. Excelente. Eu cá era capaz de dar outras razões, mas ele não está, com certeza, interessado em ouvi-las.

O JMT acha que vive numa sociedade amedrontada e dá três exemplos, que são prova cabal da nossa asfixia. Podiam ser um bocadinho melhores, sobretudo no que diz respeito à parede entre Governo e magistratura. Fosse eu dado a conselhos e recomendava-lhe a leitura da Constituição para que percebesse melhor as relações entre esses dois órgãos de soberania. Mas, às tantas, a sociedade está tão amedrontada que até a Constituição é letra morta.

Devemos, de facto, viver em sociedades diferentes. Eu vivo numa em que os que mais acesso têm aos media se queixam de ver a sua liberdade cerceada enquanto dizem o que muito bem querem (graças aos deuses). Aliás, é patente o medo em que o JMT vive.

Na minha sociedade há quem pense que caluniar, injuriar ou insultar é um direito sem limites. Ou seja, acha-se que se pode fazê-lo sem "arranjar chatices" - nas palavras do João Miguel Tavares.

Na sociedade onde vivo, um colunista cheio de moral pode, baseado em meia dúzia de boatos e conversas de café, aferir do carácter de um qualquer cidadão.

Pode até ignorar factos e continuar a proclamar mentiras aos sete ventos apelidando-as de opinião...

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