O mundo mudou e os japoneses também. Apesar de a Constituição escrita pelos Estados Unidos, enquanto força ocupante na sequência da Segunda Guerra Mundial, proibir o Japão de ter um exército, em 1954 foram criadas as Forças de Autodefesa. Na década passada, quando Shinzo Abe - assassinado a tiro este ano - quis mudar o texto fundamental para dar um novo papel às Forças Armadas, sofreu pressões externas e críticas internas. Em 2016, 36% dos japoneses estavam a favor da expansão do poder militar; hoje, 51% aprovam a reforma do governo de Fumio Kishida, que contorna a revisão constitucional..Considerada a maior mudança na política de defesa do Japão desde que o governo de Abe reinterpretou a Constituição para permitir aos militares lutar em apoio a um aliado sob ataque, em 2014, a reforma abrange a revisão de três documentos de estratégia de segurança nacional e prevê um aumento das despesas com a defesa para o dobro, ou seja, o equivalente a 2% do Produto Interno Bruto até 2027, após décadas limitada a 1%..A questão que agora divide os japoneses não é se devem ter umas Forças Armadas à altura do seu país, mas como financiar essa transformação, orçada em 294 mil milhões de euros nos próximos cinco anos. Apesar da oposição de dois ministros, o governo deverá subir os impostos das empresas..O dinheiro irá servir para desenvolver as suas próprias armas, incluindo aviões de caça, mísseis hipersónicos e drones, e para a aquisição de 500 mísseis de cruzeiro Tomahawk, com a Coreia do Norte e a China ao seu alcance..Os documentos de segurança designam a China, a sua expansão militar e as tensões com Taiwan como ameaças principais, mas a Coreia do Norte e a invasão da Ucrânia pela Rússia são também mencionadas. Segundo a imprensa, a mudança de paradigma não se deve aos Estados Unidos, que há muito têm incentivado Tóquio a enveredar por este caminho, mas a uma mudança de opinião dos nipónicos.."Nos países e regiões vizinhos, o reforço das capacidades dos mísseis nucleares, a rápida consolidação militar e as tentativas de alterar unilateralmente o statu quo pela força tornaram-se ainda mais pronunciados", disse Kishida em conferência de imprensa. E assegurou que as políticas de defesa vão permanecer defensivas e o país não irá ameaçar outros Estados nem realizar ataques preventivos..Em resposta, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da China instou o governo japonês a "refletir sobre as suas políticas". "O Japão ignora os factos, afasta-se dos entendimentos comuns entre a China e o Japão e do seu empenho nas relações bilaterais, e desacredita a China", disse o porta-voz, Wang Wenbin..cesar.avo@dn.pt