Irene Cruz: "Vi a morte mas não era a minha hora"

Soube que estava destinada a ser atriz quando era criançae já lá vão 53 anos de carreira, com uma condecoração pelo meio. Nunca fez plásticas por ter medo de se tornar numa "coisa", mas reconhece que as rugas na TV pesam. Não poupa críticas ao governo e à igreja, mas desfaz-se em elogios aos Homens da Luta. Irene Cruz abre o coração e conta o que ainda espera da vida.
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Na novela Rosa Fogo dá vida a Gilda Azevedo Mayer, uma mulher que já sofreu muito e que perdeu dois filhos. Revê-se nesta personagem de alguma forma?

Não é que não tenha tido sofrimentos na minha vida, mas foram menores do que os da Gilda. Não sou empresária, não sou uma senhora cheia de dinheiro, pelo contrário vivo do que ganho. Se trabalho mais, ganho mais, se trabalho menos, ganho menos. Em relação à humanidade, revejo-me porque ela vê as pessoas como gente e não como coisas, porque é assim que deve ser... o dinheiro não é nada. E esta mulher, apesar de ter um fausto de vida, é uma pessoa que entende o ser humano. Nos primeiros episódios identifiquei a cor da personagem e a sua musicalidade e depois segui o ritmo... e eu via a cor da Gilda muito violeta. Apaziguadora e acolhedora, amava as pessoas que a circundavam e cuidava muito bem dos empregados.

O seu núcleo tinha uma carga emocional muito forte. Confrontos com as netas e um impostor que se fazia passar por seu filho. Como é que lidou com isso?

Consigo separar as coisas porque sou atriz há 53 anos, portanto tenho essa obrigação. Em teatro é mais perigoso porque encarnamos a mesma pessoa todas as noites. Em televisão vivemos as personagens em instantes e em bocadinhos. Tanto faço cenas do episódio 20, como a seguir faço do episódio 40. A dificuldade aí é perceber a trajetória da personagem, perceber a sua identidade, como dizer as frases e que condimento colocar... o sentimento do instante. E é por isso que temos uma folha com a trajetória da personagem, mas são pequenas análises de cena a cena que nos dão algumas dicas. No início leio os episódios de fio a pavio, depois começo a ler apenas as minhas cenas.

Qual é o truque para não se deixar abalar pelo percurso das suas personagens?

Quando as personagens são mais ferozes para a minha sensibilidade, tenho um ritual: chego ao camarim e levo muito tempo a despir a roupa, a tirar os acessórios... e como tenho um duche no meu camarim vou para debaixo dele e limpo a minha alma! Depois olho ao espelho, vejo a Irene e digo: 'a ver se não te magoas muito'. Aprendi a pôr o coração de parte. A entregar o meu coração à personagem no momento exato, mas não o da Irene.

Qual tem sido o feedback deste seu trabalho?

Começou logo no estúdio, porque vejo logo pelas caras das pessoas se estão agradadas ou não em relação ao trabalho que estou a fazer e esse é o meu público imediato. Mas o feedback que vem do exterior é o mais importante porque é para essas que eu trabalho. E tem sido muito bom, é muito agradável ouvir as coisas bonitas que as pessoas me dizem. Eu, ao ver-me, ponho sempre imensos defeitos, porque acho que pode ser sempre melhor. Não está mal, mas tenho a mania das perfeições.

Esteve três anos parada antes desta novela. Porque ficou afastada da TV tanto tempo?

Aconteceu. Não tenho contrato de exclusividade com nenhuma estação... Nunca me propuseram, mas eu prefiro mesmo ser independente.

Consegue identificar algum motivo para nunca ter assinado um contrato?

Sou uma pessoa muito independente. A partir de um determinado momento da minha vida tornei-me assim em todos os aspetos. Mas se alguém me oferecesse...não sei, tinha de ser pensado. Se monetariamente compensasse, talvez pensasse nisso...

Isso nunca aconteceu?

Não... talvez porque mostrei sempre esta minha faceta. Em todo o caso, não tenho agente nenhum. Não tenho nem quero... mal ou bem vou fazendo os meus negócios. Mal, porque não sei negociar. Mas estou feliz comigo própria e sinto-me bem assim...

Mas falávamos sobre o facto de ter estado três anos fora do pequeno ecrã...

Três anos parecem longos, mas passaram rapidamente. E aconteceu não ter projetos nem na TV nem no teatro. Na televisão não sei o que aconteceu mas não me chamaram. E eu também não sou de andar a telefonar às pessoas para as lembrar que existo. Eu existo, as pessoas sabem que há uma atriz chamada Irene Cruz que até não representa mal de todo e é só comunicar que, se eu quiser, estiver livre e me apetecer, digo que sim. Não sei explicar esses três anos.

Nesse tempo que esteve afastada, teve medo de nunca mais ser chamada para a televisão? Até porque isso já aconteceu a alguns atores com uma longa carreira...

Pois. Eu fazia um exame de consciência, que é este: eu tenho a minha maneira de estar no trabalho. Sou uma trabalhadora, oiço os outros, digam eles barbaridades ou coisas acertadas. Depois, tiro as minhas ilações, as coisas acertadas fixo mas as disparatadas não aceito. Não sei tudo, mas sei alguma coisa mais que alguns outros. E quando esses outros querem dar ordens eu oiço, mas não ligo. Oiço porque sou uma pessoa bem-educada e depois dou a volta por cima. Mas depois há pessoas que dizem coisas nas nossas costas em relação a nós. Aqui há alguns anos tinham inventado que eu rejeitava as novelas porque achava que fazê-las não era digno...

E alguma vez pensou que fazer novelas não era digno?

Nunca, e até é uma barbaridade. Quando soube isto comecei a transmitir o contrário nas entrevistas porque há sempre quem oiça e quem leia. Até que alguém me telefona e eu digo: até que enfim que alguém me convida, porque eu estava a ser posta de parte pela maledecência de uma pessoa. Nada melhor para afastar alguém do que dizer mal de alguém. Disseram coisas horríveis da minha pessoa... foi muito grave. Fiquei com a vida muito complicada.

Mas sentiu-se esquecida?

Quem não aparece acaba por ser esquecido. Não devia acontecer com todas as pessoas porque eu já cá ando há muitos anos e já dei provas mais do que provadas daquilo que sei fazer. Mas nesses três anos senti-me esquecida e perguntava-me 'porquê?'. E via colegas da minha idade a fazerem trabalhos e a repetirem-se. E pensava: 'porquê que a mim não me convidam?' Lá está, porque não se lembraram da minha existência. As pessoas da produção deviam ser mais atentas e ver o que se faz em teatro porque há muito valores por aí que não são aproveitados.

Entretanto, as gravações já terminaram. Foi um trabalho cansativo?

Dormia duas horas por noite porque também estava a fazer uma peça. Chegava a casa perto da uma da manhã, mas o sono não vinha logo. Aproveitava sempre antes de adormecer para dar uma olhada nos textos porque ajuda a fixar. E muitas vezes vinham-me buscar às 7 e eu, às 5, já estava acordadérrima porque para já não posso acordar e andar à pressa. Tenho de ter o meu tempo para tratar de mim e dos meus meninos, que são os meus cães, para dar-lhes carinho e festinhas. As 5 e meia, punha-me a olhar outra vez para os textos para voltar a fixá-los porque decorar 20 e tal cenas por dia não consigo. Porque somos humanos, não somos máquinas, embora às vezes as pessoas pensem que somos [risos]. Mas eu tenho a mania que tenho de ser perfeita, depois enervo-me e começo a bloquear.

Quais foram os momentos mais penosos na sua vida de atriz?

Não sei, porque sempre me entreguei de alma e coração e com tanto amor e tanta paixão. Porque a maior paixão que tenho na vida é aquilo que sei fazer melhor. Também tenho paixão pelo meu filho, claro. Costumo dizer-lhe: 'ó Nuno, desculpa a minha paixão maior porque já era antes de nasceres. E nunca se relega a primeira paixão', e ele acha graça. Porque a seguir à paixão pela representação, que é uma coisa diferente, és tu. Porque eu sou uma mulher de paixões.

Já há muito tempo que as novelas portuguesas passaram a ser o produto mais visto em televisão. Como vê a evolução da ficção nacional?

Está a evoluir muito bem, felizmente, e já temos meios técnicos excelentes e pessoas que estão atrás e à frente das câmaras com uma grande formação, que sabem fazer muito bem o seu trabalho, com muita dignidade e amor. Vou constatando isso pelas várias vezes que vou fazendo televisão, porque já existem cursos no nosso país para essas valências. Quando nós parámos de fazer televisão, nos anos 70, os brasileiros começaram. E nunca é de mais dizer que se aprende com quem sabe, devemos ter essa nobreza. E digo-lhe uma coisa. Tenho a nobreza de dizer que quando estou em casa, vejo as nossas novelas e depois vejo alguns atores brasileiros com grande tarimba e eu aprendo. Gosto de ver como eles agem, como falam... ninguém sabe tudo.

Foi, aliás, a primeira atriz portuguesa a ser contratada para uma novela brasileira...

Eu e o João Lourenço, que era meu marido na altura. Para a TV Record, a novela chamava-se Os Deuses Estão Mortos, gravada em 1971, e foi muito gratificante. Aprendi muito, devo dizer. Foi uma escola fenomenal em todos os sentidos.

"Em Portugal as rugas [de um ator] pesam um bocadinho"

Esta nova geração de atores tem futuro?

Alguns têm muito talento, que já nasce com eles, outros nem tanto, mas que trabalham para isso. E há outros ainda que, além de não terem muito talento, não trabalham. E não basta ter uma cara bonita para se ser ator. Mas o tempo encarrega-se de fazer uma escolha natural e separa o trigo do joio. Mas a miudagem fala muito mal português... há ali uma preguiça para debitar palavras e até vemos isso em locutores e apresentadores.

Acha que existe espaço em Portugal para os atores com uma carreira mais longa? Há papéis suficientes?

Se os guionistas quiseram, há. A Gilda foi escrita de propósito a pensar em mim. Nas histórias há sempre mães, há sempre avós, vizinhas... e como as coisas são escritas cá não vejo porque não rentabilizar os atores que temos. Mesmo da minha idade. Na minha idade não existem assim muitos atores, mas os que existem têm muita qualidade. E às vezes estamos subaproveitados

Mas porque é que isso acontece?

Não sei. As histórias das novelas são escritas por portugueses. Se não se lembram que existe fulano e cicrano... não sei explicar.

Em Portugal as rugas pesam?

Pesam um bocadinho. Nunca fiz plásticas e não tenho tantas rugas como aparece na televisão. E com estas televisões ainda pior, parece que levamos um murro na cabeça e ficamos atarracados. Se a iluminação não estiver muito correta, os defeitos ou as marcas da idade ficam sublinhadas. O trabalho não marca a cara numa miúda de 30 anos, mas marca numa miúda de 68 [risos]. E há dias em que noto que estava mesmo mal.

Sente-se acarinhada pelo público?

Absolutamente. Há dias estive a fazer compras numa grande superfície, porque ando muito na rua e sou uma pessoa como as outras. E ouvi muitas pessoas dizerem: 'olha, é a dona Gilda. Mas já mudou a cor de cabelo'. E eu respondo: 'pois, agora a Gilda só está no ar todos os dias aquela hora. Agora já sou a Irene Cruz'. E as crianças olham muito e ficam com receio se vou reagir mal ou não. E quando percebo isso retribuo o olhar com um sorriso. Então as pessoas percebem que podem vir falar comigo, só não gosto que me metam as mãos em cima. Porque nós atores pertencemos a quem? Ao público. E trabalhamos para quem? Para o público. E vivemos de quê? Do público. E há muita gente que me acarinha, graças a Deus.

Alguma vez lhe passou pela cabeça deixar de ser atriz?

[pausa] Às vezes passam-me umas coisas parvas pela cabeça [risos]. Mas encarnar outra pessoa é um prazer muito grande. Preenche a minha alma e a minha vida.

Vê-se assim para o resto da sua vida?

Até que Deus me dê cabeça e corpo para me mexer e decorar papéis. Espero ter mais 15 anos de profissão... já terei uma idade avançada. Mas também faço por isso, faço muitas caminhadas. Porque a idade tenho de ter, mas o monstrozinho não.

A Irene foi distinguida pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, em 2002...

[interrompe] Fui, sim senhora.

Foi agraciada com a Cruz de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique

Quando me telefonaram, não quis acreditar. Pensei que a pessoa que me estava a ligar estava a brincar comigo. E disse: 'Mas porquê?' E a pessoa do outro lado: 'Oh Irene, porquê? Por todos estes anos de trabalho e da grande representação das mulheres que já fizeste'. E eu parecia uma parvinha ao telefone e quando fechei os olhos e percebi pensei: 'isto é uma responsabilidade, mas é bonito'. E depois comecei a pensar: 'eu não sou muito vaidosa, sou um bocadinho, mas eu mereço. Já dei muito de mim a este país. E sou conhecida de norte a sul por muita gente'.

Mas o que é que sentiu?

Não cabia em mim de contente. Quando fui à cerimónia agradeci imenso ao senhor presidente que conheço desde pequenina. E ele é que me fez lembrar disso...

Então?

Nunca brincámos juntos, mas uma familiar minha era governanta em casa do pai do Jorge Sampaio. E ele é que me contou que me conhecia. Ele nunca se esqueceu porque foi seguindo os meus passos e fiquei muito comovida e orgulhosa por ter sido escolhida para uma condecoração que não é para qualquer um. Na altura limitei-me a agradecer-lhe porque as palavras fugiram. E a lagrimita veio aos olhos...

"O meu primeiro cachê foi uma caixa de pastéis de feijão de Torres Vedras"

O que lhe vem logo à memória quando pensa na sua ida para o Conservatório?

Quando o meu pai inscreveu-me no Conservatório, disse-me: 'agora a responsabilidade é toda tua. Vais ser atriz e vais ter uma responsabilidade muito grande na vida'. A minha mãe estava mais aflita, mas concordava com as palavras dele e portanto, com 15 anos, já era responsável por uma profissão que, ao contrário do que as pessoas pensam, não é leve. É árdua.

Muitas pessoas têm essa ideia, de facto...

Eu sei o que é cavar terra, os meus padrinhos tinham uma quinta e eu adorava ir para lá de enxada na mão e os trabalhadores gostavam porque eu gostava de saber mexer na terra. Andar com uma enxada na mão para cavar é muito complicado, mas o meu trabalho também é uma enxada. Tenho de cavar para abrir sulcos, deitar a semente, germinar e dar a flor que é o meu trabalho. São flores que vou semeando... esta imagem saiu-me agora [risos].

Soube logo na infância que queria ser atriz?

Sim, porque o meu pai era ilusionista, também tinha uma barbearia que era o seu ganha pão. Mas era um amante de ilusionismo e também representava num grupo de teatro amador da terra. E eu com seis anos, tal como a minha irmã, fomos para esse grupo. Fizemos uma peça, vestidas a rigor, com muita competência. E às vezes perguntam-me se eu ganhava dinheiro por isso, e eu digo: 'não, mas tinha o meu cachê que era os pastéis de feijão de Torres Vedras'. Porque ofereceram-me uma vez na estreia e eu disse que cada vez que viesse representar queria uma caixa e tinha, uma caixa com seis pastéis.

Quis ser outra coisa além de atriz?

Acho que quando nascemos já estamos destinados. Nasci destinada a ser atriz, não podia ser outra coisa. Pensava que ia ser professora porque gostava muito de ensinar os miúdos da minha família, ajudava-os a fazer os trabalhos de casa e tinha muita paciência. Pensava que era isso que iria ser, mas a representação falou mais forte. A minha estreia como atriz foi no Teatro Dona Maria II no dia 7 de março em 1959, porque fui chamada para fazer um papel com uma companhia profissional. E é aí que comemoro o meu aniversário como atriz.

Como disse anteriormente, a sua irmã, Henriqueta Maia, também é atriz. Costumam fazer críticas uma à outra?

Não. Às vezes perguntamos uma à outra se está tudo a correr bem com a profissão e fica por aí. Sempre fomos muito independentes, tanto na vida como uma com a outra. Começamos a trabalhar muito novas, com 15 anos, e ela também seguiu as minhas pisadas porque ela é mais nova que eu dois anos.

Entretanto, foi uma das fundadoras do Teatro Aberto...

Sim, eramos o Grupo Quatro. Era eu, o João Lourenço, o Rui Mendes e o nosso querido Morais e Castro, que já morreu e que foi padrinho do meu casamento e também do meu filho. Eramos muito jovens, tínhamos 20 e poucos anos e deu-nos a loucura de fazer o Teatro Aberto depois do 25 de Abril. Sem condições e sem dinheiro de ninguém, nem nosso. Lá tivemos a ajuda de uma ou outra entidade, ficamos a dever dinheiro, levámos muito tempo a pagar as nossas dívidas mas ficamos sem dever nada a ninguém. Ali podíamos ser donos de nós próprios, era o filho de nós todos. Três pais e uma mãe.

Também trabalhou no Parque Mayer. Entristece-a ver este e outros espaços artísticos sem o devido aproveitamento?

Pois... ainda por cima, o teatro de revista é uma coisa portuguesa, só nós temos. Mas a cultura vive tempos muitos difíceis...

"Tenho receio que as coisas não se endireitem sem uma nova revolução"

Vejo aqui no seu camarim um pouco de hinduísmo, budismo e até catolicismo. Tem alguma religião?

Não, não tenho. Pratiquei a religião católica durante alguns anos. Em criança era obrigada, mas eu gostava daquilo. Os padres davam-nos catequese na escola e o que eu gostava mais era as cantigas, essa parte já tinha a ver comigo [gargalhada] levantava logo a mão. Mas eu ia à missa porque era obrigatório, se eu não fosse à igreja tinha falta na escola, no tempo do Salazar e do cardeal Cerejeira e essa gente toda horrorosa que existiu. Agora há seguidores. Eu tenho um feitio especial e sou muito teimosa, senhora do meu nariz. E comecei a perceber onde estava o bem e o mal. E quando os padres nos obrigavam a contar os nossos pecados... que pecados é que uma miúda de sete anos tem?

Sentia-se constrangida?

Claro. As perguntas horrorosas que eles faziam que não me esqueço podiam ter sido nefastas para mim como pessoinha que ainda era. Mas sempre tive uma força muito grande. E comecei a não acreditar na igreja. Só voltei a ir à missa depois do 25 de Abril porque havia padres progressistas que diziam coisas extraordinárias... de tal forma que foram perseguidos e presos. E eu deixei de ir à missa. No entanto, o meu filho andou sempre em colégios católicos...

Porquê, se não é católica?

Porque eram os que tinham o melhor ensino e os melhores professores, e ainda hoje. O meu filho foi Salesiano e ainda bem que foi porque é uma grande escola.

Vivemos numa altura conturbada, com despedimentos, cortes de subsídio, etc. Tem medo do futuro?

Tenho. Já passei por várias situações muito nefastas e foi preciso vir a revolução do 25 de Abril para que houvessem algumas mudanças e valeu muito a pena. Mas tenho receio que as coisas não se endireitem sem uma outra revolução. As pessoas têm de se unir porque é muita humilhação para os seres humanos retirarem-lhes os subsídios que é uma maneira de sobrevivência. As pessoas são enxovalhadas e nem todos perceberam isso ainda.

Mas disse-me há pouco que havia por aí uns seguidores do Salazar. Tem medo de um novo regime autoritário?

O nosso regime agora é de direita direitíssima. Estou à vontade porque não sou de direita, embora não pertença a nenhum partido. Tenho os meus ideais, mas de direita jamais! Não é direita, é direitíssima, aquela direita feroz. Que não educa nada nem ninguém nem traz nada de bom, como se está a ver. E as gentes da nossa terra têm de perceber que estão a ser humilhadas. Mas as pessoas não têm direito a comprar uma casa? A ter o seu carrinho para passear porque nos outros dias trabalharam loucamente para as grandes empresas e os grandes empresários para agora levar pontapés no rabo. E este governo está a compactuar com isso... estamos a perder todos os direitos que levámos anos a conquistar. Há uma prepotência muito grande nos nossos governantes, não são maleáveis, não são amáveis... são de prepotências. Eu quero, posso e mando. Mas aqueles dois moços que fazem aquele programa na SIC à noite...

Os Homens da Luta?

Sim. Eles têm uma coragem... devia haver mais gente com aquela coragem, juntarem-se a eles para dizerem aquelas verdades. Eles não são ordinários, não maltratam ninguém, apenas dizem verdades com graça. Gosto muito de os ver e tenho um afeto muito especial por eles. As pessoas que estão a sofrer na pele o que o governo está a fazer deviam seguir o exemplo deles. Não é estando calado que as coisas vão ao sítio.

A Irene já deu a entender que é uma mulher que acredita no destino...

Sim, sim. Estamos cá na terra a mando de alguém. Alguém escolhe outro alguém para que nos estejamos na barriga desse alguém para depois termos uma função para cumprir. A minha é esta, dar de mim aos outros. Já nasci destinada a ser atriz. As pessoas quando nascem já trazem um destino marcado, mas às vezes não se apercebem e fogem para o lado errado. Acredito que alguém nos orienta num outro lado, mas sinto que tenho um anjo comigo a proteger-me. Sou protegida por algo que não é terreno porque os da terra não nos protegem. A inveja é um mal maior que destroí.

Já sentiu essa inveja?

Já e é horrível, porque sinto logo quando a minha energia é desviada por outras pessoas cuja energia não é tão boa assim. Não é que seja excelente, mas trabalho para a minha dignidade pessoal.

Mas houve alguma coisa que a fez acreditar que existe algo que nos transcende?

Uma vez aconteceu-me uma coisa muito estranha. Fiz uma pequena cirurgia, quando tinha 30 e poucos anos, com uma anestesia local, a um caroço que tinha e fui-me embora por breves instantes. A morte bateu-me à porta, mas não era a minha hora. Mandaram-me para cá outra vez.

Mas viu alguma coisa?

Não vi ninguém, nem o meu corpo, mas vi o tunel. É uma coisa que está na minha memória e que não sei reproduzir. Vi um lilás bonito, uma música que, se quisermos pensar numa música celestial, ela estava lá.

Tem a certeza de que não era um sonho?

Não, não. Era uma realidade muito forte. Acordei com aqueles desfibrilhadores a tentarem reanimar-me e não disse aos médicos o que vi porque disseram-me que foi um choque, uma reacção má à anestesia.

Mudou a sua maneira de encarar a vida?

Não mudou muito, apenas ajudou-me a acreditar ainda mais no divino. A partir daí fiquei com uma crença maior. Um dia toda a gente morre, mas voltamos. Nisso eu acredito. Sei que já cá andei e isto foi um aviso. Vi a morte, mas não era a minha hora de morrer porque o meu filho era pequenino e tinha muita coisa para cumprir. Vai-te embora que estás enganada na porta [risos].

Qual é o segredo da sua jovialidade. Disse há pouco que nunca fez nenhuma plástica.

Acho que é da genética. O meu pai com 80 e tal anos, apesar de ter tido Alzheimer e ter sido castigado com os sinais da doença, tinha a pele lisinha. Continuava esticadinha. A minha mãe também. Teve um cancro, foi muito penoso.

Duas doenças retratadas na novela...

Pois. São doenças muito complicadas e dolorosas [silêncio]. Nem gosto de pensar nisso.

Alguma vez se sentiu pressionada a fazer uma plástica, já que trabalha em televisão?

Não, ninguém me falou nisso. Tenho medo disso. Gostava de repuxar o pescoço, mas tenho medo de deixar de ser a Irene. Parecer uma coisa. Se a operação for mal feita, há o perigo de perdermos a nossa expressão. Então prefiro ter um pescoço menos bonito. E nos meus piores dias fecho-me em casa e não falo com ninguém. Quando estou danada, as minhas pragas são dizer palavrões. Acalmo-me e pronto... não sei porque me dá para aí. Não parto nada, só a minha finesse enquanto Irene, mas ninguém me ouve. É uma forma horrível de abrir a minha alma, mas é a minha.

O que espera do futuro?

Sou eu que fico à espera daquilo que o futuro tem para me dar. Que sejam coisas bonitas.

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