Intervenção na segurança do Rio e Janeiro é excepcional e sem efeitos garantidos - analistas

O anúncio de que as polícias do Rio de Janeiro vão ser comandadas pelo governo federal e um oficial militar, para conter a atual onda de violência, é uma medida excecional sem resultados garantidos, afirmam especialistas consultados pela Lusa.
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Para João Trajano Sento-Sé, investigador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a medida terá um impacto limitado e acende um sinal de alerta sobre o cumprimento dos direitos humanos.

"Já ocorreram outras situações de intervenção no Rio de Janeiro. Normalmente quando as autoridades desta área [de segurança] não sabem o que fazer elas chamam as forças federais, que intervém de forma pirotécnica, para fazer uma prestação de contas espetacular à população que geralmente não produz efeitos sequer de curto prazo", analisou.

"Com a intervenção temos uma novidade gravíssima porque vai ser a primeira vez que o Governo do Estado do Rio de Janeiro abdica da sua autoridade, das suas prerrogativas e delega no Governo Federal a soberania da segurança", acrescentou.

Segundo o investigador, a medida formalizada hoje por um decreto assinado pelo Presidente Michel Temer é muito grave porque "configura uma situação quase de guerra" que abre espaço a violações de direitos.

"Espero que as Forças Armadas comandem isto de uma forma cuidadosa, mas os riscos de que a condução da segurança pública acabe redundando em mais violação de direitos nas áreas carentes, mais violência num uso desnecessário das forças por parte das autoridades é grande", salientou.

Ubiratan Angelo, coordenador de segurança da organização não-governamental Viva Rio, afirmou à Lusa que a intervenção aconteceu porque o Estado do Rio de Janeiro atingiu o limite máximo para administrar a área da segurança, mas alertou que a ação não resolverá o problema, que tem raízes profundas.

"Não se deve esperar que a intervenção federal vá resolver as questões estruturais do Rio de Janeiro porque ela não vai. Pode resolver problemas de curto e, no máximo, médio prazo e conter o crescimento desta onda de violência", salientou.

O especialista da Viva Rio avaliou que além do descontrolo da criminalidade, existem interesses políticos no decreto anunciado hoje pelo Governo brasileiro.

"Quando o Governo anunciou um reforço das forças armadas na segurança no Rio de Janeiro no ano passado, o ministro da Defesa num discurso falou mais sobre a questão da corrupção e de temas políticos do que em segurança", argumentou.

"Isto sinaliza para mim que a intervenção vai além do objetivo legal do estabelecimento da lei e da ordem (...) a intervenção veio sendo anunciada paulatinamente e o ministro [da Defesa] já aludiu no passado a esta componente da recuperação política do Rio de Janeiro", acrescentou.

Já Daniel Falcão, advogado constitucionalista, explicou à reportagem que embora o país seja uma república federativa, na qual os Estados têm autonomia e o dever de fazer o controlo da segurança pública no seu território, a Constituição de 1988 prevê a possibilidade de o Presidente decretar intervenções excecionais.

"O texto da Constituição é muito claro ao afirmar que a regra é não haver intervenção [do Governo Federal nos Estados], porém, hipóteses previstas no artigo 34.º preveem este tipo de ação desde que o Congresso Nacional aprove", disse.

"A alínea três do artigo 34.º, diz que a União [Governo Federal] não intervirá no Distrito Federal nem nos Estados exceto se houver um grave comprometimento da ordem pública, o que me parece ser o caso [do Rio de Janeiro]", frisou.

O advogado também lembrou que embora o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, tenha concordado com a intervenção, se o Presidente verificar que o Estado está numa condição grave, pode intervir mesmo sem anuência prévia do administrador regional.

"O que surpreende é que o Governador [do Rio de Janeiro] concordou e assumiu que não consegue mais controlar a segurança pública, apesar de ter sido eleito para isto", concluiu.

A decisão de decretar uma intervenção federal e deixar a segurança pública do Estado nas mãos do Governo Federal e do Exército, que a partir de agora comanda a polícia civil e militar do Rio de Janeiro, foi adotada três dias após o fim do Carnaval, marcado este ano por numerosos e sérios episódios de violência.

O Rio de Janeiro, principalmente a capital e região metropolitana, têm sofrido com a escalada da criminalidade desde o final dos Jogos Olímpicos de 2016, problema agravado por uma grave crise económica que fez com que o governo local tivesse dificuldade em manter equipamentos de segurança e pagar salários às policias.

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