Inflação já contamina rendas de casa e vai alastrar

Inflação total atingiu 7,2% em abril, máximo desde 1993. Tirando energia e alimentos vai no maior valor desde 1995. Além das rendas, Banco de Portugal alerta que deve estar a alastrar a serviços de educação e saúde, restaurantes e cafés.
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A inflação muito elevada, que em abril disparou para 7,2% em Portugal, segundo avançou recentemente o Instituto Nacional de Estatística (INE), já não afeta apenas os preços da energia e das matérias-primas agrícolas, alimentares e industriais.

A subida forte dos preços no consumidor já está a contaminar muitos outros segmentos de bens e serviços, incluindo as rendas de casa, avisa o Banco de Portugal (BdP), no boletim económico de maio, ontem publicado.

O Instituto Nacional de Estatística (INE) já tinha alertado para este fenómeno de contaminação na semana passada e agora foi a vez do banco central governado por Mário Centeno reiterar o alerta.

Segundo o novo trabalho do BdP, "uma análise complementar - que decompõe a inflação total observada nas variações de preços dos itens elementares classificados por grau de volatilidade histórica dos respetivos preços - aponta para que as pressões ascendentes estejam a transmitir-se aos preços das componentes tipicamente mais estáveis".

"A subida da inflação no período recente é explicada em larga medida pelo quartil [25% das observações feitas ao nível dos preços] de maior volatilidade. No entanto, a variação homóloga média dos preços nos quartis de menor volatilidade também aumentou no final de 2021 e início de 2022".

Estes conjuntos de preços de bens e serviços mais estáveis e que até agora pareciam mais imunes à subida da inflação da energia e alimentar "incluem, por exemplo, alguns serviços de educação e saúde, as rendas e os restaurantes e cafés", diz um estudo inserido no boletim.

"A variação homóloga dos preços no período 2016-2020 manteve-se próxima da média de 1,5% para o primeiro quartil de volatilidade e em 1,1% para o segundo quartil, mas aumentou para 2,9% e 5,2%, respetivamente, em março de 2022."

Uma comparação com a zona euro ao nível das medidas apresentadas "aponta para uma tendência ascendente da inflação similar à observada em Portugal" pelo que é "importante continuar a monitorizar estas medidas, a par de outros indicadores relevantes de pressões inflacionistas, com destaque para os salários e as expectativas de inflação", aconselha o BdP.

A inflação homóloga em Portugal acelerou para 7,2% em abril, "o valor mais elevado desde março de 1993", revelou o INE na semana passada.

Além disso, percebe-se que foi agora, em abril, que Portugal começou a sentir, finalmente, o embate mais amplo e completo da crise energética e de matérias básicas na economia.

"O indicador de inflação subjacente (índice total excluindo produtos alimentares não transformados e energéticos) terá registado uma variação de 5% (3,8% no mês anterior), registo mais elevado desde setembro de 1995", diz o INE.

Isto significa que a inflação nos combustíveis e na alimentação já está a contaminar o resto da economia e os custos de outros bens e serviços ao nível do consumidor final, das famílias, escreveu o Dinheiro Vivo no último sábado.

Segundo o instituto, "estima-se que a taxa de variação homóloga do índice relativo aos produtos energéticos se situe em 26,7% (19,8% no mês precedente), valor mais alto desde maio de 1985", ao passo que "o índice referente aos produtos alimentares não transformados terá apresentado uma variação de 9,5% (5,8% em março)".

O boletim de maio não traz novas previsões para a economia portuguesa, mas disseca com algum detalhe o que aconteceu no ano passado.

Por exemplo, o banco central refere que a taxa de poupança das famílias portuguesas terminou 2021 nos 10,9% do rendimento disponível, bastante acima do valor pré-pandemia. Isto foi, em parte, reflexo de um forte impulso na compra de casas e do aumento "elevado" no recurso ao crédito imobiliário para esse fim.

No ano passado, "as famílias tiveram um aumento do rendimento disponível, o que sustentou a recuperação do consumo"; a sua taxa de poupança até "diminuiu de 12,7%, em 2020, para 10,9%, em 2021, mas manteve-se acima da anterior à pandemia".

O rácio de poupança dos particulares tinha ficado em 7,2% do rendimento disponível em 2019, recorda o banco central governado por Mário Centeno.

Esta acumulação de capacidade financeira durante a pandemia é um fenómeno das famílias e também terá acontecido no conjunto das empresas, o que permitiu um aumento do investimento no ano passado, muito apoiado ainda pelo investimento público, claro.

Mas é inequívoco que boa parte do investimento das famílias é em imobiliário, aproveitando ainda o ambiente de taxas de juro muito baixas que pautou 2021.

"Os novos empréstimos à habitação às famílias registaram um crescimento elevado (32,8%), num contexto de menor incerteza e de decisões adiadas devidos às restrições sanitárias", observa o BdP.

Além disso, "a evolução dos novos empréstimos em 2021 refletiu sobretudo o aumento do número de devedores, mais 22%, tendo o montante médio por devedor aumentado 8,8%", quantifica o BdP.

luis.ribeiro@dinheirovivo.pt

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