Índios peruanos em guerra contra saque da Amazónia

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Os índios amazónicos peruanos, cansados de "uma história de saques" na Amazónia, vivem uma mobilização sem precedentes cujo impacto começa a pesar sobre as empresas, as cidades e os políticos das regiões do Amazonas.

Em Lima, um Parlamento tenso recuou quarta-feira e suspendeu, após quatro horas de debate, um decreto controverso sobre a exploração florestal, que um ano de negociações não conseguira alterar.

Em Tarapoto, no Nordeste do país, a 900 quilómetros da capital, quatro bloqueios indígenas impedem a passagem pelas estradas em direcção a Yurimaguas, a 130 quilómetros dali, asfixiando aquela cidade de perto de cem mil habitantes, e que enfrenta uma verdadeira penúria de alguns bens.

"Alguns produtos aumentaram mais de 100%. O frango passou de seis soles (dois dólares) para 18 soles. Os mais pobres voltaram a cozinhar com lenha uma vez que o gás aumentou entre 50% e 70%", explicou à AFP uma mãe de cinco filhos, no mercado principal, onde escasseia a mercadoria.

Os habitantes de Tarapoto e de Yurimaguas apoiam as exigências dos indígenas - a suspensão do decreto-lei sobre as concessões mineiras e agrícolas na Amazónia. Mas, sobretudo, não suportam mais o bloqueio.

"Tarapoto está a perde 40% dos rendimentos da agricultura, do comércio e dos serviços", confirma Sandro Rivero, presidente da Câmara da cidade onde os hotéis estão apenas com metade da lotação, em pleno pico da época turística de Inverno. E Yurimaguas é pior. Ali os portos fluviais no Huallaga, outro eixo-chave desta província amazónica de Loreto, funcionam em câmara lenta, devido às barragem de canoas índias.

No extremo Norte, perto de Andoas e de Trompeteros, duas instalações petrolíferas da empresa argentina Pluspetrol ficaram paralisadas este fim-de-semana, após a ocupação de um dos poços e de um aeródromo privado.

Nenhum destes bloqueios parece estar prestes a ser levantado, apesar da suspensão do decreto na quarta-feira e apesar dos gestos de boa vontade das autoridades. Exemplo disso foi a cena insólita na barragem de Yurimaguas, onde os índios esperavam a sua vez de passar pelas mãos dos dentistas do Ministério da Saúde.

"Os indígenas não confiam no Governo", resumiu o vigário católico local, Carlos Maruyari. "Não falam em desenvolvimento económico, no valor das coisas, nunca discutem a educação ou as necessidades das comunidades de terem hospitais, estradas". "A Amazónia tem uma história de expropriações", lembra o religioso, ele próprio de raízes étnicas Cocama.

"Basta lembrarmo-nos da época do boom da borracha nas selvas amazónicas (no início do século XX), depois da chegada das petrolíferas, das explorações florestais ilegais, sem que nunca tenha havido uma autoridades estatal a defender os indígenas", continuou Maruyari. E estes "cansaram-se de serem marginalizados pelos governos sucessivos".

O actual Executivo, em resposta às violências em Bagua, que fizeram pelo menos 38 mortos, 25 dos quais polícias e nove indígenas, difundiu um anúncio televisivo a lembrar que os índios têm "12 milhões de hectares para 400 mil pessoas" e esperam que a pátria nunca renuncie "aos progressos conseguidos".

Os peruanos "não querem seguir o caminho do regresso à idade da pedra", reafirmou quarta-feira o Presidente Alan Garcia.

Na barragem de Loreto, os Candoshi e Shiwiro explicam aos jornalistas o sentido histórico das cores pintadas nos seus rostos: "O amarelo significa luta, o vermelho que são bravos e, se tiver uma linha negra, representa a morte; que atacamos para matar".

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