Imaginário medieval de santos milagreiros e "profetas do mijo" abre "Arte e Ciência"

O culto de São Damião que segura um frasco com urina ou São Brás a salvar uma criança com uma espinha de peixe atravessada na garganta são alguns dos muitos exemplos da escultura medieval portuguesa incluídos no primeiro volume "Arte e Ciência" de Paulo Pereira.
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"De algum modo, os santos são curandeiros e este universo é abordado neste primeiro volume, tal como as cabeças (São João ou São Pantaleão), que ainda hoje são objeto de culto, visitação, respeito e veneração para os mesmos fins profiláticos, que tinham na Idade Média. Isto faz parte do 'anthropos': todas as pessoas têm um lado mágico-religioso, por muita ciência que haja à volta", disse à Lusa o investigador Paulo Pereira autor da coleção ilustrada "Arte e Ciência", que trata do período desde a Idade Média até ao século XVIII.

Entre outros assuntos e disciplinas, o primeiro volume - "A Criação Divina. O Homem" - trata das curas milagrosas representadas na escultura portuguesa da Idade Média, evoca santos, e também os cientistas, físicos ou médicos, então conhecidos por "profetas do mijo".

No caso de São Brás, santo protetor das doenças de garganta, o livro mostra uma figura esculpida no século XV, que faz parte da coleção do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, e que representa um culto que em Portugal "parece ser mais frequente no sul do país".

A São Brás (San Blas em Espanha, Saint Blaise em França ou S. Blasen na Alemanha), que virá a ser bispo de Sebaste, na Arménia, são atribuídos vários milagres sendo o mais célebre a salvação de uma criança, que ficara com uma espinha de peixe atravessada na garganta, "pela aposição de duas velas cruzadas sobre a boca".

O livro do historiador Paulo Pereira mostra também uma escultura de São Damião sobre o portal da Igreja da Misericórdia, em Caminha e o médio-relevo em que é retratado com o irmão - São Cosme - e que se encontra no MNAA, em que seguram um frasco.

"Relembre-se que, por causa da importância da análise da urina no diagnóstico medieval e pós-medieval, os físicos ou médicos eram, muitas vezes, alcunhados de 'profetas do mijo'", escreve o autor.

As figuras da Senhora do Ó, Santa Ágata, São Mamede, São Sebastião ou Santa Luzia são também exploradas pelo historiador.

"Este é um livro em que falamos da Idade Média. Falamos de paraciência, superstições e de amuletos que eram uma maneira de as pessoas se protegerem do mau olhado que incluía ficar doente. A medicina, inclusivamente, socorria-se destas coisas", refere Paulo Pereira sobre os temas do livro.

A nova coleção ilustrada e em grande formato está dividida em quatro volumes: "Criação Divina. O Homem", "Os 4 Elementos. O Corpo", "Equações da Arte" e "A Descrição do Cosmo".

Paulo Pereira, historiador de Arte e professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa é autor, entre outras obras da coleção "Lugares Mágicos de Portugal".

O primeiro volume de "Arte e Ciência -- A Criação Divina /o Homem", do historiador Paulo Pereira (Círculo de Leitores, 224 páginas), é lançado este mês.

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