Em entrevista à Lusa, Shirley Yam, vice-presidente da associação, faz um diagnóstico negro: "Numa escala de 1 a 10, em 1997 diria que [a liberdade de imprensa] era 7 ou 8 (...). Agora diria que é 2 a 3, porque ainda temos acesso livre à Internet, o nosso direito à liberdade de imprensa e de expressão é protegido pela lei. Nenhum dos nossos jornalistas foi detido ou morto"..Yam diz que para se compreender o momento atual é preciso perceber que há dois "pontos de viragem" em Hong Kong após a transferência para a China: em 2003 e 2014. .Até à primeira data, Pequim deixou a cidade quase "entregue a si própria", mas as coisas mudaram depois do grande protesto que juntou meio milhão de pessoas contra uma lei para punir crimes de traição à pátria, secessão e subversão, o chamado Artigo 23.º.."Uma analogia seria que antes de 2003 estavam [o Governo central da China] sentados no banco detrás do carro e depois passaram a estar sentados ao lado do condutor", comenta..Um segundo momento foi o 'Occupy Central', protestos pró-democracia que paralisaram a cidade por 79 dias, em que [Pequim] passou "a ocupar o lugar do condutor".."A mesma mudança aplica-se aos 'media'. Desde 2003 que se vê um maior controlo sobre os editores e os patrões, que são empresários com muitas ligações na China. [No passado] ninguém proibia que assim fosse, mas seria surpreendente se empresários da China comprassem 'media' em Hong Kong sem que perguntassem: 'Há objeção?', devido às implicações no princípio 'Um país, dois sistemas'", explica..A vice-presidente da associação, com cerca de 700 membros, aponta vários exemplos de uma liberdade de imprensa diminuída, por uma pressão exercida não através da censura, mas do medo..Em 2014, a imprensa de Camberra noticiou que o líder do Governo de Hong Kong teria recebido 50 milhões de dólares de Hong Kong (5,7 milhões de euros) de uma empresa australiana, existindo suspeitas de corrupção. "Surpreendentemente não foi a abertura das notícias da noite. No dia seguinte, dos 18 diários publicados em chinês e inglês, apenas quatro tinham a história na primeira página", recorda.."Quais são os motivos para os editores de 14 jornais decidirem que este escândalo relacionado com dirigentes de topo de Hong Kong não era bom o suficiente para a primeira página? Uma resposta fácil é que se trata de autocensura", afirma..A jornalista destaca também a agressão policiail do ativista Ken Tsang, durante uma noite do 'Occupy Central', cujas imagens correram mundo depois de serem transmitidas pela televisão local TVB. .Ainda que o guião da peça -- que descrevia a agressão -- tenha sido editado várias vezes, Yam acredita que a peça só foi emitida devido à hora. "O 'censor principal' estava a dormir, por isso conseguiram pôr no ar", comenta..O caso teve consequências: "O editor (de madrugada) que aprovou a transmissão passou a investigador. Quase toda a gente relacionada com o caso foi castigada. Outro editor que estava lá, mas que não esteve envolvido com a decisão, foi afastado por não ter travado" a emissão..A colunista do South China Morning Post conta que "o pior" veio depois. "O cargo do editor que virou investigador foi ocupado pelo antigo secretário-geral de um partido Pró-Pequim de Hong Kong. No espaço de poucos meses uma fatia significativa de ações da TVB foi vendida ao antigo vice-secretário-geral do Partido Comunista de Xangai", relata..Com uma imprensa livre como peça essencial do princípio "Um país, dois sistemas", são as próprias fundações deste regime, que garante a Hong Kong e Macau um conjunto de liberdades acrescidas, que ficam corroídas..Yam recorda como há cinco anos foi contactada por uma revista de Taiwan que lhe pediu ajuda para encontrar famílias que partilhassem as suas reflexões a propósito do 15.º aniversário da transferência.."Abordei alguns amigos, de famílias de classe média. Das dez famílias que contactei, apenas uma aceitou. As restantes disseram coisas como: 'Não queremos tanta exposição', ou 'O meu marido trabalha na China', 'Eu trabalho na China'.."Deviam estar muito infelizes com o que se passa, e têm medo de falar disso. Mas a lei promete-nos liberdade de expressão. E isto foi antes do movimento 'Occupy', antes dos livreiros de Causeway Bay", que publicavam livros sobre a vida privada dos líderes chineses e que desapareceram, reemergindo mais tarde sob custódia da polícia da China. .As divisões que se sentem hoje na sociedade de Hong Kong refletem-se no jornalismo.."Quando há uma crescente autocensura, os jovens jornalistas tornam-se mais antagonistas, mais hostis contra o sistema. E isso não é bom. Quando te tornas hostil perdes a tua independência, o teu discernimento e isso compromete o teu trabalho e a confiança do público em ti", lamenta Yam..No contexto da China, Hong Kong é vista como uma cidade com garra, um "David" feroz contra um "Golias" intocável. .Mas Shirley Yam receia que se trate mais de um caso de fama com pouco proveito: "Em Hong Kong, a opinião pública conta, mas não para mudar coisas. É suficiente para travar algo, para impedir o pior de acontecer, como o artigo 23.º, mas não o suficiente para tornar o mau em bom, como a reforma política".