O mundo sente saudades do Brasil! Pois eu posso garantir, o Brasil está de volta ao mundo". A frase, de Lula da Silva, foi uma das primeiras a serem ditas, na noite de 30 de outubro de 2022, depois da vitória nas eleições presidenciais, num sinal evidente de que a política externa seria prioridade do presidente recém-eleito. E nesse ponto, pelo menos, Lula tem cumprido o prometido. Portugal é já o sexto país que o presidente brasileiro visita depois da tomada de posse, há pouco mais de 100 dias. E o que nos diz, politicamente, o itinerário escolhido?."Lula segue uma ordem que reflete, primeiro, prioridades históricas, depois, necessidade de investimentos financeiros, pelo meio, o desejo de reconhecimento internacional, aqui e ali, alguns vícios do Partido dos Trabalhadores, e pouco valor dado, na prática, a África, apesar da retórica em sentido contrário", analisa Vinícius Rodrigues Vieira, especialista em Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado.."Lula começou por visitar Argentina e Uruguai, dois países que sempre foram importantes para o Brasil. A Argentina como principal parceiro regional e o Uruguai por, em função de disputas territoriais da época da colonização, ter chegado a ser parte do Brasil", lembra o professor universitário ao DN..Em seguida, o presidente do Brasil escolheu as duas principais potências mundiais, com os Estados Unidos, não por acaso, como primeiro destino, e a China, como segundo. "Os Estados Unidos foram visitados primeiro pelo presidente do Brasil do que a China porque seria um ultraje para Joe Biden se Xi Jinping fosse o primeiro", diz Vieira. Biden, aliás, foi um dos primeiros chefes de Estado do mundo a dar os parabéns a Lula pela vitória, indiferente ao ruído do derrotado Jair Bolsonaro em torno da lisura do sufrágio, à imagem do que Donald Trump fizera dois anos antes.."Mas, se isso aparentemente daria uma oportunidade para Washington ser generoso com o Brasil, o encontro resumiu-se a uma declaração", lembra o investigador brasileiro. Além disso, a contribuição americana para o Fundo da Amazónia foi descrita no país de destino como "uma gorjeta" ou "uma migalha". "Pelo contrário, Pequim assinou 15 memorandos, embora de conteúdo duvidoso, porque nem sempre a China cumpre os acordos", acrescenta Vinícius Vieira. "Depois passou ainda pelos Emirados Árabes Unidos, a única exceção ao roteiro por aliados históricos porque o país do Médio Oriente é importante na importação de carne e em eventuais investimentos". "E, curiosamente", nota o professor de Relações Internacionais, "África, que do ponto de vista retórico é muito importante nos discursos de Lula, é colocada, na prática, para último lugar".."Além do mais, falta, para já, mais América do Sul, não tanto a América Latina no seu todo, nomeadamente o México, porque talvez Lula não queira bater de frente com López Obrador, que liderou o espaço da esquerda regional enquanto o Brasil esteve governado à direita, mas Chile e Colômbia, com governos à esquerda, com os quais Lula poderia explorar afinidades. Ele não os visitou, talvez por esses países, liderados por Gabriel Boric e Gustavo Petro, de uma esquerda mais esclarecida, divergirem do Brasil, afetados por alguns vícios do Partido dos Trabalhadores, na abordagem à guerra na Ucrânia".."E agora é a vez da Europa, começando pela ex-metrópole, Portugal, o que é natural, dados os laços entre as nações, e depois a Espanha"..E o que representa a visita e o que valem as relações entre os dois países, tendo em conta que Lisboa foi destino logo após a vitória eleitoral e antes ainda da posse? "Há, claro, um interesse genuíno na relação bilateral com parceiros estratégicos, como Portugal", diz ao DN Carolina Pavese, professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing e especialista em Europa.."Os dois países fazem parte de organizações multilaterais, como a CPLP, os PALOP, e estão unidos por questões culturais, históricas e sociais, dada a forte emigração brasileira em Portugal, mas querem ligar-se ainda mais em áreas como a educação". "Mas também", sublinha, "no comércio e no investimento, uma vez que Portugal tem ainda um peso tímido na economia brasileira..."..Depois de Argentina, Uruguai, Estados Unidos, China, Emirados Árabes Unidos, Portugal, Espanha e a viagem com destinos ainda a confirmar por África, o périplo de Lula, que já visitou tantos países em 100 dias como Bolsonaro no mandato inteiro, deve prosseguir na reunião do G7, no Japão, entre 19 e 21 de maio, para a qual o Brasil foi convidado..dnot@dn.pt