História de Monzer al-Kassar, príncipe da 'Costa del Crime'
Armadilha de agentes americanos acabou por selar a sua sorte
A reputação do lado obscuro de Marbella torna esta cidade da Costa del Sollocal ideal para uma figura como Monzer al-Kassar. Há décadas que a Costa del Sol se tornou também conhecida como "Costa del Crime". O ambiente perfeito para o sírio que, atraído pela pequena criminalidade, em duas décadas se transforma num afluente comerciante de armas.
Pouco antes de ser detido em Espanha há pouco mais de um mês a pedido da justiça americana, Kassar passava parte dos dias numa vasta residência forrada a mármore, situada num promontório sobre a costa de Marbella, preenchida por obras de arte e peças kitsch, manifestações exteriores de riqueza, cães de guarda sem açaime e guardas com armas, cultivando um estilo de vida que o levou a ser conhecido como o "príncipe de Marbella".
O nome deste sírio nascido em 1945 na localidade de Nabek, região montanhosa junto à fronteira jordana, vai surgir associado a quase todos os conflitos das últimas décadas, assim como a nomes como o de Saddam, o do ex- - presidente argentino Carlos Ménem ou o do palestiniano Abu Abbas.
A pequena lenda que se tece em torno de Kassar liga-o a falsificação de divisas na Áustria nos anos 90, aos grupos que combateram o regime sandinista na Nicarágua dos anos 80 e 90, à guerrilha colombiana das FARC, aos regimes do Iémen e do Sudão, a senhores da guerra na Somália, a facções na ex-Jugoslávia, não faltando alusão a uma "colaboração" como homem de mão dos EUA.
Em 2005, um tribunal iraquiano pede a sua captura por cumplicidade com a insurreição. Kassar, numa entrevista de Outubro de 2006, afirma que "seria uma honra, se fosse verdade. E se fosse verdade, não continuaria aqui", em Espanha. Nos anos 80, passa pela Argentina, onde cultiva relações com Carlos Ménem. Esta amizade, selada com a oferta de uma pistola-metralhadora banhada em ouro ao líder argentino, irá valer-lhe negócios e um passaporte daquele país. Na sua "área de negócios", o sírio movimenta-se como peixe na água, vendendo à força aérea argentina aviões franceses montados em Israel, comprados com uns milhões de litros de petróleo pagos por Saddam em troca de armas ligeiras para a guerra com o Irão (1980/88).
Os negócios com Israel não impedem Kassar de ter o nome associado à Frente de Libertação da Palestina (FLP), de Abu Abbas, responsável pelo assalto ao paquete Achille Laure, em 1985. A justiça espanhola irá acusar o sírio de cumplicidade com a FLP, alegando que emprestou o seu avião particular para a fuga dos assaltantes.
A viver em Málaga, Kassar terá o seu processo instruído pelo juiz Baltasar Garzón, mas acabará ilibado por falta de provas. As testemunhas de acusação vão aparecer mortas (abatidas em nítidos casos de execução), sofrem estranhos acidentes e, last but not least, mudam de opinião.
Mas o sírio não é só um negociante de armas; é um "cidadão do mundo" com passaporte diplomático do Iémen (Estado que representaria na Polónia), além do argentino e mais uns tantos citados em outras tantas investigações. Como frequentemente sucede neste submundo, ficção e realidade estão indissociavelmente ligadas.
Sabe-se que começou por roubar viaturas ainda no país natal, onde cumpre uma primeira pena de prisão. Transfere-se depois para a Dinamarca, onde se envolve no negócio de estupefacientes. Também aqui é preso. Passa a viver na Grã-Bretanha e opera na mesma "área de negócio". A prisão torna-se uma espécie de segunda residência. Nos anos 70, cultiva laços com sectores palestinianos radicais, abrindo-se uma porta para lucrativos negócios com veículos roubados, armas e estupefacientes. Para os partidários de teorias da conspiração, o erro de Kassar foi manter-se fiel a amigos que foram ou são inimigos dos EUA e um free lance num mercado dominado por grandes empresas.
Há quem diga que, com a passagem do tempo, este género de personagem se descuida, não entende a mudança de circunstâncias, confia em alguém errado. Talvez por um ou pela soma destes factores, Kassar não tenha duvidado de uma generosa encomenda de oito mil metralhadoras, 120 mísseis SAM-7 terra-ar e toneladas de explosivos C4 - para as FARC colombianas estarem em condições de fazerem frente ao exército colombiano e às forças especiais americanas presentes neste país. Só que a encomenda foi feita por dois agentes americanos. Por consentimento mútuo, a negociação foi gravada. Resultado: Kassar e dois dos seus colaboradores aguardam agora a decisão da justiça espanhola quanto à sua extradição.