Herança genética

Os testes genéticos permitem saber se temos risco aumentado para vir a desenvolver cancro da mama ou do cólon e ter essa informação permite prevenir a doença, como fez a atriz Angelina Jolie. Mas no ADN resguardam-se muitos outros defeitos e alguns são sinal de doença certa e incurável, como o Alzheimer e o Parkinson familiares. Ainda assim há quem queira saber se vai ou não ter uma doença fatal.
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Jorge Pinto Basto é médico especialista em Genética Médica e diretor clínico do CGC Genetics / Centro de Genética Clínica, no Porto.

Há vários tipos de testes genéticos. Qual foi o que fez a atriz Angelina Jolie?

_Pelo que foi possível ler na comunicação social, a atriz Angelina Jolie não sofria de cancro da mama e parece ser uma pessoa saudável. Realizou um teste genético para saber se era portadora de uma mutação específica pois tem história familiar de cancro da mama hereditário. Os testes genéticos realizados em pessoas sem doença, mas com história familiar e uma mutação identificada designam-se por testes preditivos ou pré-sintomáticos.

Em causa os genes BRCA1 e BRCA2. Quando apresentam alterações, o que é que acontece?

_Quando se identifica uma mutação num destes dois genes, significa que há uma predisposição genética muito elevada para o desenvolvimento de cancro, sobretudo da mama, mas também do ovário.

Quais as mulheres que devem pesquisar eventuais alterações naqueles genes?

_Mulheres já afetadas com a doença e também mulheres saudáveis que tenham familiares a quem tenha sido identificada uma mutação num daqueles genes. Há mais probabilidades de encontrar alterações nas pessoas que têm vários casos de cancro da mama e/ou ovário na família, sobretudo em idades mais jovens; nas situações de cancro da mama bilateral e nas que têm um familiar homem com cancro da mama. A ausência destes dados na história clínica de uma doente não significa que não exista uma mutação num daqueles genes, significa apenas que é menos provável.

Além do cancro da mama, há outros tumores que resultam de diversas alterações genéticas já identificadas?

_Apesar de a maioria dos cancros ter fatores genéticos associados, são relativamente poucas as famílias em que se identifica um cancro hereditário como no caso do cancro de mama/ovário provocado por mutações nos genes BRCA1 e 2. Algumas famílias com cancro do cólon, do estômago ou com um tumor específico dos olhos (retinoblastoma) apresentam mutações em genes que conferem uma predisposição muito elevada para o desenvolvimento desses tumores. A avaliação dessas famílias é muito importante para saber se se trata de uma forma hereditária de cancro e para se iniciarem medidas preventivas e de rastreio nos familiares em risco.

Estamos a falar de probabilidades. Ter uma alteração num determinado gene nem sempre significa que venha a desenvolver-se a doença, certo?

_Ter a mutação significa que se tem um risco muito elevado de vir a desenvolver a doença comparativamente ao risco médio da população. Por exemplo, as mulheres com mutação num dos genes BRCA (1 ou 2) têm entre 75 e 80 por cento de probabilidades de vir a ter um cancro da mama ao longo da vida. Já o risco de vir a ter um cancro no ovário é de 40 por cento. Isto quer dizer que não têm um risco de cem por cento, têm é uma probabilidade muito superior à de outra mulher que não tenha a mutação. E é isto, bem como as opções de prevenção existentes, que deve ser muito bem explicado numa consulta de genética médica antes da realização de qualquer teste.

Em que circunstâncias é que se deve fazer um teste genético?

_Podem ser realizados em pessoas já afetadas com uma doença, para se confirmar ou excluir um diagnóstico de que o médico suspeita, por exemplo fibrose quística. São os chamados testes de diagnóstico. No entanto, também se fazem testes genéticos em pessoas saudáveis para avaliar o risco que têm de vir a desenvolver uma doença genética ou o risco de a transmitir aos seus filhos (testes de portador, preditivos e de suscetibilidade). Os testes realizados em pessoas saudáveis levantam questões muito específicas, pois podem ter consequências para a vida futura de quem faz o teste e para toda a família. Daí a importância de fazer um aconselhamento genético adequado e cuidadoso no âmbito de uma consulta de genética. Hoje em dia há testes que são realizados a um feto, durante a gravidez, para avaliar a presença de uma determinada doença, por exemplo a trissomia 21. Também é possível avaliar a resposta que um doente em concreto irá ter à ação de alguns medicamentos, nomeadamente quanto à eficácia e possíveis efeitos secundários, como já acontece na oncologia.

Alguns testes também permitem saber se vamos desenvolver doenças incuráveis, por exemplo algumas neurodegenerativas.Vale a pena saber?

_No caso de algumas doenças que se manifestam no início da vida adulta e que ainda não têm cura ou tratamento eficaz - por exemplo as doenças de Alzheimer ou de Parkinson familiares, a doença de Huntington, a paramiloidose e a doença de Machado-Joseph -, a decisão de fazer ou não fazer o teste preditivo é complicada devido às implicações que o resultado pode ter no caso de se ser portador dos genes mutados - é que ser portador é praticamente sinónimo de vir a ter a doença. E esta é uma decisão que tem de ser cuidadosamente ponderada pois, uma vez conhecido o resultado, não é possível voltar atrás. Geralmente, nas doenças que aparecem na vida adulta e que não podem ser prevenidas, os testes só se realizam depois dos 18 anos de idade e só a própria pessoa pode avaliar, no seu caso e circunstâncias concretas, se vale a pena. Claro que tudo isto é discutido com grande pormenor durante as consultas de aconselhamento genético, mas a decisão é sempre da pessoa.

O que é que leva alguém a querer saber se daqui a dez ou 15 anos vai ter uma doença incurável?

_Acabar com a incerteza é uma das principais motivações. Por vezes, chega uma altura na vida em que as pessoas que sabem que têm risco preferem esclarecer tudo a continuar a viver na incerteza. Outras vezes, fazem testes porque estão a pensar em ter filhos e querem saber qual o risco de transmitir a doença aos seus descendentes, como na doença de Huntington.

No dia a dia, quais os outros benefícios que já resultam da realização dos testes genéticos?

_São os testes genéticos que permitem ter a certeza de que uma doença de que se suspeitava clinicamente é de facto a que afeta o doente. Isto é muito importante porque permite ter um diagnóstico de certeza, sem sujeitar a pessoa a mais exames e permite orientar a família em termos de risco. A importância do diagnóstico mais precoce também é fundamental para que se iniciem medidas terapêuticas ou preventivas o mais cedo possível. Como é cada vez maior o número de doenças para as quais existem testes disponíveis para avaliar do risco de as virmos a desenvolver, é também crescente o número de situações em que podermos atuar preventivamente e evitar ou minorar as suas consequências - é o caso da diabetes tipo 2, doença para a qual já é possível saber se temos ou não suscetibilidade.

Que outras informações podemos obter com a realização de testes genéticos?

_Do ponto de vista médico, servem para responder a questões sobre saúde, doença, conhecer a resposta a um medicamento. Fora do contexto clínico, a informação genética de cada indivíduo pode ser usada para testes de identificação criminal, de paternidade, identificação de cadáveres, etc. As técnicas laboratoriais usadas são muitas vezes semelhantes, mas os objetivos são diferentes e a formação necessária para cada caso também é distinta.

O que importa saber e compreender antes de fazer um teste?

_O teste genético tem algumas particularidades em relação a outros testes médicos, pois muitas vezes tem implicações para o resto da família e a informação obtida não muda - cada teste só se faz uma vez na vida. Quem o realiza deve conhecer as limitações do teste, a razão por que o está a fazer, o alcance da informação que irá obter, as consequências para o próprio e eventualmente para a família. Estes são assuntos que devem ser discutidos antes da realização de qualquer teste.

Os progressos da biologia molecular e da biotecnologia permitiram um aumento enorme da oferta de testes genéticos, que até podem ser comprados na internet. Quais os riscos?

_Qualquer decisão que tenha implicações na saúde de uma pessoa tem de ser tomada com toda a informação disponível na altura. E é exatamente aqui que reside o principal problema dos testes vendidos pela internet: para que servem, qual a utilidade, o que significa um resultado ou outro, que implicações têm para a saúde de quem os faz, quem os valida, etc. Além disso, também se desconhece a qualidade dos procedimentos técnicos utilizados e muitas vezes nem se sabe onde são realizados. Na área da genética, o mais prudente será pedir conselho ao médico assistente e sempre que necessário recorrer a uma consulta de genética.

A prevenção e o controlo das doenças passam cada vez mais pelo conhecimento dos genes. É inevitável uma medicina cada vez mais personalizada?

_Caminhamos no sentido de adequar e adaptar cada vez mais as decisões médicas, incluindo as de tratamento, a cada pessoa. É muito interessante o que hoje já se sabe e é usado na prática clínica diária para escolher um medicamento ou outro em função do património genético de cada doente. Mas este é um caminho do qual ainda só vislumbramos o início.

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