Os 539 presos que se encontram a cumprir pena por dias livres - estão na prisão apenas aos fins de semana pois foram condenados por crimes menores - vão poder pedir a substituição da pena por reclusão em casa com pulseira eletrónica. A reforma legislativa que acaba com a prisão por dias livres (PDL) e regime de semidetenção foi ontem aprovada em Conselho de Ministros e pode entrar em vigor ainda este ano..O documento tem uma mudança fundamental: as pessoas que se apresentavam nas cadeias para cumprir a pena ao fim de semana vão ser enviadas para prisão domiciliária, com pulseira eletrónica, e autorização para trabalhar, frequentar aulas de cursos de formação profissional ou superiores e consultas médicas..A Direção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais já teve luz verde do ministério para ter um "reforço de carros para os técnicos que vão instalar a vigilância eletrónica dos reclusos que saírem das prisões para casa e também haverá pelo menos mais 42 técnicos a reforçar os já existentes", avançou ao DN o diretor-geral Celso Manata..A ministra da Justiça, Francisca van Dunem, aceitou assim o pacote de propostas da comissão nomeada para preparar a reforma, presidida pelo professor Figueiredo Dias. A ideia principal foi acabar com o regime de PDL para crimes menores e punidos com penas até dois anos, segundo dois membros do grupo de trabalho, Inês Horta Pinto e Maria João Antunes, que o DN contactou, por escrito.."A Comissão propôs que se extinguisse, para o futuro, essa espécie de pena e formulou uma proposta de regime transitório para as prisões por dias livres ainda em execução, segundo a qual os condenados podem requerer ao tribunal a substituição do tempo que faltar por outra pena legalmente prevista ou o seu cumprimento em regime de permanência na habitação", responderam as professoras de Direito da Universidade de Coimbra que integram a comissão..A transição será progressiva, nunca automática, mas o diretor- -geral das prisões prevê uma enchente de pedidos na justiça: "Os 539 reclusos do regime PDL vão requerer outras penas e isso não será progressivo, será assim que a reforma entrar em vigor. Vai ser um problema para os tribunais." Celso Manata contraria assim a ideia avançada ao DN pelo gabinete da mi-nistra de que o novo regime será adaptado "de forma gradual e sustentada", não se antecipando que "venha a suceder num número significativo de casos num curto espaço de tempo"..Sair para trabalhar ou estudar.Como os presos que estão no regime PDL podem trabalhar, porque só vão para a prisão aos fins de semana, o que vai acontecer aos que vão passar a cumprir a pena na habitação? "Será uma decisão caso a caso pelo tribunal de condenação. Assim, o tribunal poderá autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado. As autorizações de ausência e as regras de conduta poderão ser modificadas, ao longo da execução, pelo tribunal de execução das penas, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes que o justifiquem", clarificou Inês Horta Pinto..Mas há ainda muito trabalho pela frente. "As inovações propostas implicarão, efetivamente, alterações ao Código Penal, ao Código de Processo Penal, ao Código da Execução das Penas e à Lei da Vigilância Eletrónica", responderam Inês Horta Pinto e Maria João Antunes. Celso Manata não arrisca dizer quantos presos vão sair com a nova reforma do sistema porque acha que vão ser mais de mil. "Se passar de mil presos com pulseira eletrónica, como temos atualmente, para dois mil ou mais, não consigo essa transição com os mesmos meios"..O responsável máximo pelas 49 cadeias do país adiantou que já tinha pedido ao ministério um reforço de técnicos de reinserção social dos quais 36 seriam para os centros educativos (onde estão os delinquentes menores) e mais seis para a vigilância eletrónica (42 no total), o que foi agora aprovado. Celso Manata também está confiante que não será preciso abrir novos concursos para aquisição de mais pulseiras: "Temos um a decorrer para o efeito. De acordo com as regras da despesa pública, será possível alargar o número de pulseiras pedido sem abrir novo concurso. Será suficiente para resolver o problema.".Segundo as duas professoras da comissão, a execução prática da prisão por dias livres deparava-se com vários problemas: o elevado número de incumprimentos, dificuldades para cumprir motivadas pelas distâncias elevadas entre a residência do condenado e o estabelecimento prisional, inexistência de recursos humanos aos fins de semana que possam assegurar um trabalho efetivo de ressocialização junto dos reclusos, inexistência de espaços físicos de alojamento para o efeito, entre outros. Em conjunto estavam "a tornar a pena, na prática, ineficaz".."A Comissão propôs - entre outros ajustamentos ao regime jurídico das penas - a possibilidade de o juiz, na sentença, determinar que as penas de prisão até 2 anos de duração sejam cumpridas em regime de permanência na habitação". O objetivo é haver um "efetivo acompanhamento dos condenados pelos serviços de reinserção social, devendo a execução basear-se numa avaliação caso a caso das necessidades de reinserção social de cada condenado"..Será obrigatório elaborar "um plano de reinserção social sempre que a pena for superior a seis meses e sempre que se trate de jovem até 21 anos". Também se pretende que os 12 programas aplicados a reclusos em meio prisional passem a estar disponíveis a condenados que estejam em regime de permanência na habitação..Celso Manata espera as conclusões de um grupo que nomeou há meio ano, dentro dos serviços prisionais, "para apresentar um novo projeto sobre a pulseira eletrónica".."É positivo para aliviar o sistema".Entrevista a Rui Abrunhosa Gonçalves, psicólogo da justiça.Como psicólogo forense e autor de programas de acompanhamento a presos nas prisões, o que pensa da reforma aprovada em Conselho de Ministros?.É positivo para aliviar o sistema. Estas pessoas do regime de prisão por dias livres estavam a ocupar celas aos fins de semana e a sobrelotar o sistema. Além disso, não se fazia nada com estes reclusos a nível de intervenção psicológica . Pior: ao fim de semana eram misturados com outros presos de perfil mais perigoso. Não havia um efeito real de prevenção ou ressocialização neste regime. Só vejo o cumprimento de penas curtas de prisão para dar uma lição a um agressor conjugal moderado, por exemplo. Não nas situações dos presos por condução com álcool. Sei de casos de alguns que se iam apresentar alcoolizados na prisão aos fins de semana..A prisão na habitação tem um efeito mais ressocializador?.Acredito que sim. Pelo menos estas pessoas, ao ficarem em casa com pulseira eletrónica, mesmo que continuem a beber - no caso dos condutores com álcool - acabam por convencer a família a fazer algo com elas, a procurar tratamento. Na prisão não tinham apoio psicológico nenhum aos fins de semana..Para já, a reforma é para penas até aos 2 anos mas acha que há condições para ser alargada?.Bem, para mim nunca faz sentido punições sem intervenção. Muito destes presos têm problemas a vários níveis. Tenho um paciente que pediu a consulta e estava em pulseira eletrónica. Vai todos os meses à consulta: primeiro foi para lidar com a ansiedade relacionada com o julgamento, e agora é enquanto espera o recurso. Sentiu que o apoio o ajudou melhor a lidar com o julgamento.