Guineenses ainda desconhecem razões da "guerra de 07 de Junho"

As razões que levaram à guerra de 07 de junho na Guiné-Bissau ainda são desconhecidos para os guineenses, quando se assinalam 20 anos de um conflito político-militar, que provocou mortes e destruição de património.
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Na madrugada do dia sete de junho de 1998, Vasco Lima, então jovem taxista de 20 anos, nem ouviu os primeiros disparos de armas ligeiras, daí que se tenha deslocado do bairro de Missirá até Pluba, numa distância de cerca de sete quilómetros, para ir buscar o carro para iniciar mais uma jornada.

Quando o patrão o mandou de volta para casa, alegando que "havia deflagrado uma guerra", Vasco Lima nem quis acreditar, até porque na sua cabeça de jovem nunca pensou que "alguma vez pudesse haver uma guerra na Guiné-Bissau", contou à Lusa.

Mas, na realidade havia um conflito em marcha, opondo uma junta militar, comandada pelo brigadeiro Ansumane Mané, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, demitido dias antes, e o antigo Presidente guineense João Bernardo 'Nino' Vieira.

A venda de armas do exército guineense aos rebeldes de Casamança, província do Senegal que luta pela independência, era apontada oficialmente como o ponto de discórdia entre Mané e Vieira, velhos camaradas de armas desde os tempos da luta contra a ocupação colonial.

Fosse qual fosse o motivo que levou ao desentendimento entre os dois militares, o sociólogo Dautarin Costa e o jurista Augusto da Silva não reconhecem "nenhum resultado palpável" do conflito "a não ser um mar de mortes e de destruições de bens patrimoniais e morais" na sociedade guineense, afirmaram.

"Foi um momento de triste memória em termos coletivos, em termos nacionais", observou Dautarin da Costa, para notar que do conflito emergiram "novos atores menos ou mal preparados" que substituíram os que criticavam.

A fragilidade das instituições da República, as dificuldades na construção da Nação, motivadas pelas fissuras na coesão e na própria soberania, assinalam-se com o conflito de há 20 anos, defendeu também Dautarim Costa.

Tirando "uma certa liberdade" que os guineenses passaram a ter, permitindo uma maior participação cívica dos cidadãos na política, o jurista Augusto da Silva, presidente da Liga dos Direitos Humanos, culpa o conflito de há 20 anos pela instabilidade que persiste no país e ainda pela "ascensão dos militares na vida política".

A juntar a tudo isso, Augusto da Silva constatou ainda que desde o conflito aumentaram os níveis de violência enquanto a impunidade, que já vinha de trás, agravou-se na Guiné-Bissau.

Gervásio da Mata, jornalista da rádio privada Bombolom FM, capturada e batizada voz da Junta Militar, e João Tambá, jornalista da Rádio Nacional, estiveram do lado dos revoltosos.

Vinte anos depois, culpam os políticos pelo "rumo errante" que o conflito acabou por tomar, através de "conselhos e incentivos" que foram dando a Ansumane Mané "a quem diziam que tinha toda a razão para fazer a guerra" e a 'Nino' Vieira "a quem falavam que ele era o chefe, logo não podia aceitar a afronta do seu subordinado".

João Tambá, que acabou nomeado secretário particular do então primeiro-ministro, Francisco Fadul, encarregado de dirigir o Governo de transição, endossou também "parte da responsabilidade" à comunidade internacional "que pressionava a Junta" para que organizasse as eleições e, assim, entregasse o poder aos civis.

Mas, sublinhou o jornalista, a Junta "não tinha nenhum projeto" para o futuro imediato do país.

"Posso dizer agora que aquela guerra surgiu como forma de proteção pessoal daqueles que alinharam com a Junta, mas também aquilo não tinha nenhum projeto", sublinhou Tambá.

Fazendo uma retrospetiva dos factos, Gervásio da Mata disse que "foi um erro forçar a Junta" a organizar eleições gerais, seis meses depois de um conflito que durou 11 meses em que, lembrou, a população civil ficou com as armas abandonadas pelos militares em debandada.

"Até hoje há muita gente, civis, com armas militares", notou Gervásio da Mata, conhecido desde o conflito de há 20 pelo nome de Comandante Tchotche.

Segundo estimativas de organizações não-governamentais, morreram cerca de 2.000 militares guineenses, senegaleses e da Guiné-Conacri e civis, mas este número nunca foi confirmado oficialmente.

O sociólogo Dautarim Costa vê uma única lição a tirar da crise: Os guineenses passaram a perceber que numa guerra em que irmãos se matam uns aos outros, ninguém sai a ganhar, para considerar ser pouco provável que um conflito daquela natureza volte a acontecer na Guiné-Bissau.

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