O choque pela notícia da demissão do ministro da Cultura do governo de Michel Temer, na sexta-feira à noite, foi rapidamente engolido pelo impacto das razões para essa demissão, divulgadas pelo próprio titular da pasta, durante a tarde de sábado. Disse Marcelo Calero que sai por causa de pressões do influente ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, a propósito de uma questão imobiliária na cidade deste último, Salvador, capital do estado da Bahia. "Não desejo a ninguém estar diante de pressão política, diante de um caso claro de corrupção", afirmou Calero..Em causa uma decisão do Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (Iphan), cuja tutela pertence ao Ministério da Cultura, que impedia a construção de um luxuoso edifício com 30 andares em Salvador - o La Vue Ladeira da Barra - por se situar ao lado de obras consideradas património cultural do país. Geddel, que comprou ainda na planta um apartamento avaliado em perto de um milhão de euros no 23.º andar do edifício, pressionou então Calero a revogar a decisão. "Ele queria que eu, agente público, fizesse uma intervenção num órgão público em razão de um interesse privado", disse o agora ex-ministro da Cultura. E prosseguiu: "Na última ligação que ele me fez, no dia 6 de novembro, foi bastante enfático e disse que não queria ser surpreendido por nenhuma decisão, que não queria ter de ir pedir a cabeça da presidente do Iphan.".Calero, um diplomata de carreira independente de 34 anos, quinta escolha para um cargo que chegou a ser extinto no início de funções do atual governo, afirma que levou o caso ao presidente Michel Temer, que disse: "Mas o presidente sou eu, não o Geddel." No entanto, ainda segundo o ministro demissionário, as pressões não terminaram aí..Geddel, histórico quadro do Partido do Movimento da Democracia Brasileira (PMDB), de 57 anos, reagiu em entrevistas aos principais jornais do país. "Há nas declarações dele um certo exagero, eu tratei do tema com ele na ótica "Calero, você tem de tomar cuidado com isso, esse assunto está em discussão judicial na Bahia faz tempo, gera insegurança política para quem comprou unidade"", disse. Admitindo que comprou, de facto, um apartamento no La Vue, nega a intenção de deixar o cargo à disposição de Temer, de quem é um dos principais conselheiros, por causa do caso. "Deixar o cargo por isso? Não, por amor de Deus.".O tema, porém, é considerado uma "inesperada e inconveniente dor de cabeça para Temer", segundo o colunista da Folha de S. Paulo Leandro Colon. "O presidente ou ignora e aceita as explicações de Geddel, ou demite uma figura do seu núcleo duro (...), ambas as medidas desgastam o governo." Fontes do Planalto citadas pela imprensa contam que o caso é visto por Temer como "uma situação da mais alta gravidade". No entanto, não está prevista uma reação oficial..Calero é o quinto ministro do governo Temer a cair em seis meses. O primeiro foi Romero Jucá, presidente do PMDB que ocupava a pasta do Planeamento, apanhado em escutas a tentar "estancar essa sangria", referindo-se à Lava-Jato. Jucá, aliado de longa data do presidente, foi entretanto nomeado líder do grupo parlamentar do PMDB no Senado Federal..Henrique Eduardo Alves, do Turismo, e Fabiano Silveira, da Transparência, também se demitiram por motivos relacionados com a Lava-Jato. Por sua vez, Fábio Medina, o advogado geral da União, cargo equiparado ao de ministro, foi exonerado por, segundo o próprio, ter tomado medidas contra parlamentares da base governamental envolvidos ainda na Lava-Jato..Nas últimas semanas, outros temas trouxeram preocupação ao núcleo político do governo: as detenções dos também peemedebistas Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, e Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, e o acordo de delação premiada entre 80 executivos da Odebrecht com o juiz coordenador da Lava-Jato Sérgio Moro.