Globalização e alterações climáticas

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A globalização é como o PIB per capita. Quando medida por inteiro, conduz-nos a uma leitura única e monolítica, mas quando cortada às postas, revela os ganhadores e os perdedores. E também alguns paradoxos, que todos havemos de pagar.

Vem isto a propósito das redes logísticas globais, que levam tudo de e para todos os lugares. Até de mais. Ontem, deliciei-me com a crónica de Miguel Esteves Cardoso no Público. Contava a história de uma caneta que viajou de Málaga para a sua casa em Colares, transportada pela DHL. Pelas minhas contas, o exercício seria mover um pacote de umas gramas ao longo de 680 km por estrada, algo que demoraria não mais do que oito horas. A realidade, tal como nos descreve MEC, foi bem diversa. Apesar de uma primeira etapa útil, em que se deslocou na direção certa até Sevilha, a caneta foi depois engolida pela globalização, guinando para nordeste com passagens por Vitória, no país basco, e Leipzig, na Alemanha (do leste), após o que regressou a Vitória e daí partiu para Lisboa. É certo que deu a volta à Europa em apenas dois dias, mas, ainda pelas minhas contas e se fosse por estrada, terá viajado cerca de 8 vezes o necessário, mais quase 5.000 quilómetros do que o justo. É a globalização!

Este relato traz-me à memória as mangas. Na minha estatística pessoal, quando pergunto que fruta têm em restaurantes portugueses, quatro em cada cinco começam pela manga, só depois referindo, a medo, a maçã e a laranja, "que não estarão tão boas". Menos mal, eu até gosto de mangas. O problema é que por cá não se produz esta iguaria da natureza. Vindas, como grande parte, do Perú, as mangas viajam de Lima para S. Paulo, no Brasil, daí para Roterdão ou Madrid, conforme venham de barco ou de avião, e depois de camião para Portugal. São 20 mil quilómetros desde a plantação até ao prato, sem contar com as incoerências por que passou a caneta de MEC. É a globalização!

E há também o caso do ténis. Magnífico desporto, sobretudo quando se joga nos grandes palcos como Wimbledon. Pois as bolas do Open de Inglaterra são também muito viajadas. Feitas nas Filipinas, mas embaladas na Indonésia, juntam materiais que vêm de longe, como a argila dos Estados Unidos, a sílica da Grécia, o carbonato de magnésio do Japão, o óxido de zinco da Tailândia, o enxofre da Coreia do Sul ou a borracha da Malásia. A lã, então, é a campeã das milhas. Produzida na Nova Zelândia, vem dar uma volta a Inglaterra para ser transformada em feltro, voltando depois para oriente onde forrará as bolinhas amarelas. Por fim, quando prontas e colocadas dentro das caixas, as redondinhas chegam a Wimbledon, após os seus materiais terem viajado por 11 países, 4 continentes e 50.000 milhas, o mesmo é dizer 80.000 quilómetros. É a globalização!

O que há, então, de comum entre a caneta de MEC, as mangas servidas nos nossos restaurantes e as bolas jogadas em Wimbledon? A resposta curta já foi dada: são muito viajadas, devido à globalização. Porém, o diabo esconde-se nos detalhes. O que tornou possível chegarmos a este estado de coisas foi o facto do transporte de bens pelo planeta se fazer a um custo insignificante, cêntimos por unidade. Mas como é isso possível? Agora vem o diabo: as emissões de CO2 emitidas por este sistema logístico da globalização nunca foram contabilizadas, monetizadas e incluídas no preço do transporte. São as chamadas externalidades. Negativas, no caso. E esse custo, de biliões de objetos e materiais a fazer turismo e gerando triliões de toneladas de carbono, há de ser pago pelos perdedores da globalização, em forma de alterações climáticas.

Deputado e professor catedrático

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