Gaza: Guterres recorre a artigo só usado três vezes na história da ONU

Secretário-geral recorreu ao artigo 99 da Carta das Nações Unidas para instar o Conselho de Segurança a evitar "uma catástrofe humanitária" e pedir "cessar-fogo".
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O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, recorreu esta quarta-feira pela primeira vez à mais poderosa ferramenta à sua disposição - o artigo 99 da Carta das Nações Unidas - para obrigar o Conselho de Segurança a discutir a situação em Gaza. O português insta este órgão a "ajudar a evitar uma catástrofe humanitária" no enclave palestiniano apela à "declaração de um cessar-fogo humanitário" que considera "urgente". Mas nada obriga a que, da reunião, saia uma resolução e Israel denuncia "um novo ponto baixo moral" para Guterres.

O artigo 99 da Carta da ONU, uma ferramenta da "diplomacia preventiva" que dá poder político ao secretário-geral, diz que este "pode chamar a atenção do Conselho de Segurança em relação a qualquer assunto que, na sua opinião, pode ameaçar a manutenção da paz internacional e da segurança". No passado, terá sido mencionado em poucas ocasiões e usado formalmente apenas três vezes: em 1960, em 1979 e em 1989.

A primeira vez que o artigo foi usado (apesar de não ter sido citado explicitamente) foi pelo segundo secretário-geral, o sueco Dag Hammarskjöld, em resposta a um pedido de ajuda da República Democrática do Congo. Na reunião do Conselho de Segurança, foi aprovado o envio de uma força de manutenção de paz para o país. O segundo a usar o artigo foi o austríaco Kurt Waldheim, para responder à crise dos reféns na embaixada dos EUA em Teerão em 1979. A última vez que foi usado foi pelo peruano Pérez de Cuellar, em 1989, por ocasião dos 14 anos de guerra civil no Líbano, considerando que a violência tinha escalado a um nível sem precedentes. A guerra só acabaria em 1990.

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Guterres usa pela primeira vez esta ferramenta na véspera dos dois meses do ataque do Hamas em Israel - que apelidou de "abomináveis atos de terror" e insistiu que condena - e do início da guerra na Faixa de Gaza. "Mais de oito semanas de hostilidades em Gaza e Israel criaram um terrível sofrimento humano, destruição física e trauma coletivo em Israel e nos Territórios Palestinianos Ocupados", escreveu o secretário-geral.

Dando conta do balanço de vítimas mortais e do número de deslocados, Guterres diz que não há "proteção efetiva de civis" em Gaza. "No meio dos bombardeamentos constantes das Forças de Defesa de Israel, e sem abrigo ou o essencial para sobreviver, acredito que a ordem pública seja completamente destruída em breve devido às condições desesperadas, tornando impossível até mesmo a assistência humanitária limitada", avisa.

"Enfrentamos um risco severo de colapso do sistema humanitário. A situação está a deteriorar-se rapidamente para uma catástrofe com implicações potencialmente irreversíveis para os palestinianos como um todo e para a paz e segurança na região. Tal resultado deve ser evitado a todo o custo", refere.

A decisão de Guterres pode contudo não ter impacto. Até agora, o Conselho de Segurança só conseguiu adotar uma resolução sobre a situação em Gaza - após quatro tentativas falhadas. A resolução de 15 de novembro, aprovada com 12 votos a favor e três abstenções (Rússia, Reino Unido e EUA), pedia a libertação imediata de todos os reféns nas mãos do Hamas e para a criação de corredores humanitários para ajudar a salvar civis.

O embaixador de Israel nas Nações Unidas reagiu no X (antigo Twitter), criticando o "novo ponto baixo moral" de Guterres que volta a acusar de ter preconceitos contra o seu país. Gilad Erdan alega que o artigo 99 só pode ser usado "numa situação em que a paz internacional e a segurança estão ameaçadas", considerando o seu apelo a um "cessar-fogo" como "um apelo a manter o reino de terror do Hamas em Gaza". E volta a pedir a demissão de Guterres, defendendo um secretário-geral que "apoia a guerra ao terrorismo" e não um que atua "de acordo com o guião escrito pelo Hamas".

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O porta-voz das Forças de Defesa de Israel, contra-almirante Daniel Hagari, disse esta quarta-feira que estas romperam as defesas do Hamas no norte da Faixa de Gaza e também em Khan Younis, no sul. Nesta cidade, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, tinha dito que os militares estão a cercar a casa do líder do grupo terrorista palestiniano, Yahya Sinwar, que é o alvo principal para os israelitas. Hagari limitou-se a dizer que a casa é em Khan Younis, indicando que não há edifícios específicos rodeados. "Sinwar não está à superfície, mas no subsolo. Não vou elaborar onde especificamente e o que sabemos. O nosso trabalho é chegar a Sinwar e matá-lo", disse.

susana.f.salvador@dn.pt

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