Gasolina tornou-se droga entre crianças angolanas

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Entre bancas de fruta e legumes num dos mercados de Luanda, um grupo de crianças cheira um pano embebido em gasolina, prática que está a generalizar-se, com consequências incalculáveis para a juventude deste país, um dos principais produtores de petróleo de África.

Encostado a um muro, Betinho, de 11 anos, olha o vazio. "Comecei a cheirar a gasolina há dois meses", diz com dificuldade. "Quando cheiro, faz-me mal ao coração. Para a comprar, peço esmola..."

Da mesma idade, Agostinho inspira do mesmo pano húmido. Não sabe porque o faz. Descalço, envergando uma T-shirt rota, diz apenas que a gasolina é fácil de encontrar.

O petróleo é abundante em Angola que, com os seus 1,9 milhões de barris por dia, rivaliza com a Nigéria pelo primeiro lugar de produtor de crude em África. Esta abundância não impede que um terço dos angolanos viva na extrema pobreza e busque um conforto artificial.

Os jovens são dos mais vulneráveis: após a longa guerra civil, mais de 43 mil menores continuam separados dos pais, segundo a UNICEF. Entre os viciados, há muitos "órfãos da guerra e da sida", diz Koen Vanormelingen, da UNICEF em Angola.

"Há ainda os que foram abandonados pelos pais, que têm de trabalhar e não se podem ocupar deles, e ainda os que, apesar de terem um tecto, passam o dia na rua a tentar ganhar dinheiro", explica.

Crianças às vezes com apenas dez anos, com os cinco ou seis dólares que ganham a lavar carros podem comprar meio-litro de gasolina por um dólar. E em Angola, onde mais de 50% da população tem menos de 18 anos, 15% dos toxicómanos começaram pela ga- solina, segundo a Associação Nacional de Luta contra a Droga. A prática danifica fígado, rins e, sobretudo, o cérebro e leva ao consumo de drogas duras.

"Em Angola apanha-se cada vez mais droga nas fronteiras", diz Vanormelingen. Este constata "um recuo da pobreza e, no espaço de oito anos, mais 1,5 milhões de crianças deixaram a rua e vão à escola". Mas faltam instituições para tratar a toxicodependência; apenas associações religiosas ajudam os viciados.

"Aqui recebemos todos, sem excepção", diz Luís Macedo, que dirige o Centro Cristão de Reabilitação de Marginais. Mas poucas raparigas aparecem; estas depressa são absorvidas nas malhas da prostituição.

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