Futebol americano à portuguesa

Numa altura em que o futebol à europeia, o soccer, está a ganhar adeptos na América com o sucesso no Mundial, fomos descobrir em Portugal o futebol americano, o da bola oval.
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Num dos seus habituais passeios de sábado pelo Parque da Cidade do Porto, o americano Albert Alberti ouviu sons familiares. Desatou a correr em direcção aos ruídos e vozes e, do alto de uma pequena colina, avistou o que inicialmente pensou ser «uma fantasia»: um treino de futebol americano da equipa Porto Renegades. «Estava a passear calmamente quando me pareceu ouvir o som característico do choque de shoulder-pads (protecções de ombros)… Então, corri para ver o que era e deparei com um grupo de uns 15 rapazes a treinar… Quer dizer, mais pareciam estar a bater uns nos outros», recorda, sorrindo, o antigo praticante de futebol americano nos escalões jovens no Texas e, posteriormente, na US Navy Academy.
Deslumbrado, Albert Alberti, que veio para Portugal em 2005 por razões profissionais, foi de imediato convidado pelos responsáveis do Porto Renegades para treinar a equipa. Há um mês em Portugal, a cinco mil quilómetros do seu país natal, onde o futebol americano é um dos desportos mais populares e o seu preferido, e «farto de ver jogos de soccer (futebol) na televisão», Alberti aceitou o convite sem pestanejar – e ocupou o cargo até ao fim desta época. Isso foi determinante para o desenvolvimento e implantação da modalidade em terras lusas nos últimos cinco anos.
«No primeiro ano brincávamos ao futebol americano, mas a partir do momento em que entrou o treinador demos um grande salto a nível técnico e até físico e as coisas passaram a ser bem diferentes», recorda Miguel Carratão, capitão de equipa e presidente do Porto Renegades.

Quatro clubes em quatro anos
Foi com a criação do clube portuense que o futebol americano despontou em Portugal. Em Novembro de 2004, o Parque da Cidade do Porto («casa» do Renegades), em frente ao Edifício Transparente, recebia o primeiro treino de um grupo de jovens entusiastas. Quatro meses depois, no mesmo dia em que Seattle Seahawks e Pittsburgh Steelers (10-21) disputaram o Super Bowl (final da Liga norte-americana), realizou-se a assembleia geral em que o Porto Renegades – Clube de Futebol Americano foi constituído oficialmente.
Estava-se em 2005 e, partindo da estaca zero, a modalidade tem crescido a pouco e pouco, combatendo preconceitos que resultam principalmente do grande desconhecimento que os portugueses têm do jogo. Associam-no muitas vezes a violência, quando, segundo os próprios praticantes, deve falar-se antes num desporto de contacto, agressivo, intenso e viril, com enorme sentido de grupo e espírito de equipa.
«O desconhecimento que as pessoas têm do futebol americano é um dos principais obstáculos ao crescimento da modalidade, porque as pessoas fazem uma ligação errada do desporto a violência», diz Marco Gouveia, atleta e presidente dos também nortenhos Paredes Lumberjacks: «Apesar de ser um jogo de grande contacto não é tão violento como as pessoas pensam.»
Entretanto, na Bobadela surgiram os Crusaders FA, que estão actualmente em processo de integração com o Clube Social Lisbon Casuals, e que utilizam as instalações do St. Julians School, em Carcavelos (Cascais).
Em 2007, um dos fundadores dos Crusaders abandonou o clube e fundou, juntamente com um grupo de amigos, os Navigators, que assumiram a designação Clube Parque das Nações Navigators, por integração naquele clube lisboeta. Já em 2008, e depois de uma primeira experiência na liga espanhola LNFA 2 – no que foi acompanhado pelo Porto Renegades –, o clube perdeu o apoio que tinha e refundou-se com o nome Lisboa Navigators Clube de Futebol Americano.
Ainda nesse ano foi criada a Associação de Promoção do Desporto Futebol Americano, cuja principal missão, como o nome indica, é divulgar, fomentar e desenvolver a modalidade entre os portugueses. O crescimento do desporto sofreu novo impulso com a criação em Paços de Ferreira, em 2008, dos Lumberjacks. Em Agosto do ano seguinte, devido à falta de apoios na capital do móvel, mudaram-se para um concelho vizinho, adoptando, então, a designação Altis Clube Paredes Lumberjacks, ao mesmo tempo que recebiam oito atletas experientes vindos dos Renegades, o que emprestou à equipa uma qualidade que dificilmente alcançaria tão rapidamente. Com apenas um ano de existência, a estreia absoluta dos «lenhadores» em competição foi coroada com um brilhante segundo lugar.
«A modalidade está a crescer em Portugal», sustenta o coach Alberti. «Há um pequeno grupo que já tem uma enorme paixão pelo jogo e muitos outros jovens têm grande curiosidade, acabando por experimentar, gostar e continuar. São muito poucos os que desistem», diz.
A prova desta tendência é a provável criação de mais dois clubes, o Guimarães Conquerors e o Algarve Sharks, o que estenderia a modalidade do Minho ao Algarve, dando dimensão nacional ao futebol americano.

Liga Portuguesa
A época desportiva de 2009/2010 fica, desde já, na história do desporto em Portugal pela criação de um campeonato nacional, prova que na estreia contou com a participação das quatro equipas existentes e ainda de uma espanhola, Galiza Black Towers.
Numa final com muito público, os Lisboa Navigators sagraram-se campeões nacionais ao bater os Paredes Lumberjacks por 45-25.
Depois de Renegades e Navigators terem disputado a liga do país vizinho em dois anos consecutivos, a APDFA decidiu criar uma competição nacional. A realização da primeira edição da Liga Portuguesa de Futebol Americano (LPFA) é, ao fim de cinco anos, a primeira grande vitória e afirmação pública de um desporto que até há pouco não tinha qualquer implantação em Portugal.
«É muito melhor haver uma Liga Portuguesa, porque assim o desporto cresce no país, é mais fácil formar-se uma equipa, pois os custos são mais baixos e também se consegue arranjar mais jogadores», defende o treinador que deixou os Renegades no final da época.
Fernando Campos, que acumula as funções de treinador-jogador nos Lumberjacks com as de presidente da LPFA, que organiza a competição nacional, considera que «era importante» criar uma prova em Portugal.
«O futebol americano com competição é outra coisa e muito mais apelativo», explica o também ex-Renegades.
Esta opinião é partilhada por Miguel Carratão: «É mais vantajoso termos uma competição interna, porque os jogos são em campos nacionais e a divulgação é muito maior. No ano passado, nós e os Navigators fazíamos noventa por cento dos jogos em Espanha. Depois, podemos sempre fazer jogos internacionais, como, por exemplo, no Renegades Bowl, um torneio de fim-de-semana com jogos entre nós e equipas convidadas.»

Divulgação
Iniciativas como o Renegades Bowl servem igualmente para promover a modalidade, que tem a vantagem de poder acolher praticantes que muitas vezes não têm lugar noutros desportos.
«O futebol americano pode crescer bastante. Nunca será como o soccer, mas é uma excelente alternativa, porque aqui cabem todos os que não cabem no futebol. Aqui há lugar para qualquer velocidade, qualquer peso, qualquer tamanho…», explica Albert Alberti.
«Este desporto é para toda a gente, até para aquelas pessoas que são mais pesadas e que noutros desportos não têm lugar», corrobora Marco Gouveia, presidente dos Lumberjacks.
Acções junto das escolas, das universidades e até nas redes sociais online são algumas estratégias de divulgação utilizadas pelos clubes com o propósito de captar novos atletas, uma vez que o número de jogadores por equipa deve ser, no mínimo, trinta.
«No ano passado, atacámos as redes sociais, começámos a fazer uma newsletter e conseguimos atrair muita gente. Acabámos por fechar o núcleo da equipa com 35 atletas», recorda Miguel Carratão. «Se tivéssemos a sorte de aparecer numa novela, como tem acontecido com outros desportos, disparávamos...»
Actualmente, todos os clubes estão a promover treinos de captação com o intuito de aliciar novos atletas, já com a segunda edição da Liga Nacional na mira. Em Portugal, os jogadores de futebol americano são essencialmente recrutados nas universidades.
«Cerca de oitenta por cento dos jogadores portugueses são estudantes universitários, com a maioria a pertencer à classe média, média-baixa», sustenta o presidente da LPFA, explicando: «Por isso é que, por vezes, temos tantas dificuldades no investimento inicial para aquisição dos equipamentos.»
Como qualquer modalidade que está a dar os primeiros passos, enfrentando ainda um enorme desconhecimento, alguns obstáculos financeiros são muitas vezes ultrapassados pelos atletas (aquisição de capacete, protecções de ombros, pagamento de viagens, etc.), daí os clubes procurarem não apenas patrocinadores, mas na maioria dos casos integrar outros clubes já estabelecidos, que lhes possam dar guarida e algum apoio.
O site www.fatuga.net é o ponto de encontro do futebol americano no ciberespaço, um desporto que, como diz o presidente da LPFA, «vive de muita carolice e existe graças ao grande amadorismo dos seus elementos».
Confiante, Miguel Carratão remata: «O futebol americano tem tudo para dar certo e cada vez tem mais atenção das pessoas.»

COMO SE JOGA

O futebol americano pratica-se num campo rectangular (44,8x109,8 metros), marcado a cada dez jardas (cerca de nove metros e meio), em cujos extremos está a denominada EndZone (zona de pontuação), onde ao centro estão colocados os postes, em tudo semelhantes aos do râguebi, tal como a bola (a diferença está na ausência de costuras).
O jogo disputa-se entre duas equipas de 11 jogadores, durante sessenta minutos, divididos em quatro quartos de 15 minutos. As equipas mudam de campo no final dos primeiro e terceiro quartos. As substituições são livres e podem acontecer entre jogadas. A cada jogada efectuada (normalmente não duram dez segundos) ou ilegalidade cometida, o relógio pára, o que faz que os jogos durem entre duas a três horas.
O objectivo é somar pontos, sendo a principal jogada a entrada na EndZone do adversário com a posse da bola (touchdown), o que vale seis pontos com direito a um pontapé livre, que vale um ponto extra (extra point), ou mesmo dois, se em vez do pontapé livre aos postes a equipa optar por jogar à mão. É ainda possível pontuar através do field goal, pontapé de campo que consiste em fazer passar a bola entre os postes, valendo três pontos, e ainda o raríssimo safety, que acontece quando um defesa consegue placar um atacante em posse de bola dentro da sua EndZone, valendo dois pontos. Em caso de empate, há lugar a prolongamento, em que a regra da «morte súbita» define o vencedor.
Cada equipa tem quatro tentativas (downs) para progredir dez jardas rumo à EndZone adversária, dispondo de mais quatro tentativas caso seja bem sucedida. Se não conseguir, a bola passa para a equipa adversária.
O futebol americano é um jogo extremamente táctico e estratégico, em que o contacto físico é totalmente permitido, pelo que os atletas são obrigados a usar capacete e protecções de ombros (shoulder pads). A dureza com que se atinge e se é atingido define a qualidade de um jogador.
Em Portugal, as equipas têm apenas nove jogadores e as partidas têm quatro quartos de 12 minutos, num total de 48 minutos. A idade mínima para jogar futebol americano é 18 anos.


UM SILVA NO SUPER BOWL

James J. Silva, de 25 anos, é defesa dos Indianapolis Colts desde 2008 e na última época realizou o sonho de qualquer atleta de futebol americano: jogou o Super Bowl, a grande final da NFL (National Football League), considerado o evento mais importante do calendário desportivo dos Estados Unidos. A equipa do lusodescendente foi derrotada pelos New Orleans Saints (31-17), um acontecimento que atraiu mais de cem milhões de telespectadores.
Filho de Steven Silva e Debra Bellamy – casal que há muito deixou São Miguel, nos Açores –, Jamie Silva, como é conhecido, nasceu a 14 de Dezembro de 1984, em East Providence, no estado de Rhode Island, na costa leste dos Estados Unidos.
Casado com Theresa Silva e a viver em Indianápolis, Jamie deu nas vistas ainda na Universidade de Boston, onde se formou em Comunicação. No ano de 2007, o defesa, facilmente identificável pela farta cabeleira loira, fez uma época de sonho que, no ano seguinte, o guindou ao profissionalismo nos Indianapolis Colts.
Jamie Silva não é o primeiro da família a praticar futebol americano, mas é, sem dúvida, o que chegou mais alto. O pai, agora retirado, chegou a tentar a sorte nos New England Patriots, mas sem grandes resultados. Os seus dois irmãos ainda jogam: Ryan, o mais novo, anda a tentar o profissionalismo, e Steve, o mais velho, jogou recentemente na Liga Austríaca.



FUTEBOL vs. FUTEBOL

O termo football remonta à Idade Média, quando designava todos os jogos praticados a pé, pela plebe, por contraponto aos jogados a cavalo pela aristocracia. Mais tarde passou a ser atribuído a uma grande variedade de desportos colectivos em que o pontapear de uma bola para marcar golos ou pontos era o objectivo. A partir de finais do século XIX, passou a juntar-se à palavra football a especificidade da respectiva modalidade, como aconteceu com o rugby-football, para marcar a diferença em relação ao desporto controlado pela Football Association – recorde-se que o organismo que controla o futebol mundial se designa por Fédération Internationale de Football Association (FIFA) – e que era conhecido por association-football. No entanto, informalmente, ambos os jogos eram designados apenas por football – aportuguesado entre nós para futebol.
Nos Estados Unidos, football designa o desporto que na esmagadora maioria dos países do mundo é conhecido por futebol americano ou gridiron football («futebol de grelha», devido às marcas no terreno de jogo), enquanto se chama soccer àquilo que em quase todos os países é conhecido simplesmente por futebol.

Apesar da pouca implantação e de continuar a perder em popularidade para o futebol, o soccer nos Estados Unidos tem vindo a evoluir e a afirmar-se na cena internacional, tendo já uma história de relativo sucesso a nível mundial. Com nove presenças nas 19 fases finais de Mundiais (mais do que Portugal), a selecção norte-americana tem sido um dos principais motores da divulgação do desporto num país onde a vertente feminina é já hoje um dos expoentes planetários. No Mundial de estreia, em 1930, no Uruguai, os Estados Unidos venceram o seu grupo, à frente do Paraguai e da Bélgica, fruto de dois triunfos por 3-0. Porém, caíram nas meias-finais às mãos do vice-campeão do Mundo, a Argentina, por 1-6. Quatro anos depois, no Itália’34, nova goleada desta feita ante o país anfitrião (1-7) e eliminação logo no jogo de estreia, não marcando presença no França’38.
Passado o interregno por causa da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos, apesar de se ficarem pela fase de grupos, alcançaram um resultado histórico em 1950, no Brasil, ao baterem a Inglaterra por 1-0, um feito marcante perante a nação-berço do futebol.
Seguiu-se um longo jejum de 36 anos em que os norte-americanos não conseguiram apurar-se para qualquer das nove edições do Campeonato do Mundo. O regresso aos grandes palcos sucedeu no Itália’90, logrando os Estados Unidos não falhar qualquer edição desde então. Paulatinamente, o soccer tem ganho o seu espaço e a prova disso foi a presença nos quartos-de-final no Mundial 2002 (Japão e Coreia do Sul) e a carreira na prova a decorrer na África do Sul, onde a selecção americana ficou em primeiro lugar do grupo em que estava a… Inglaterra. A qualificação para os oitavos-de-final repetiu o feito de 1994 no Mundial nos Estados Unidos, tendo agora sido eliminada pelo Gana (1-2), após prolongamento.

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