Falta uma assinatura: mulheres de Lisboa e Setúbal sem rastreios de cancro da mama
Estava prometido arrancar em força em 2018 mas falta uma assinatura. Esteve para ser ainda no ano passado, depois foi apontada para antes deste verão e por último para setembro. Mas a verdade é que as mulheres das regiões de Lisboa e Setúbal ainda não têm um rastreio organizado do cancro da mama por falta de um protocolo entre a Liga Portuguesa contra o Cancro e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, que tem sido sucessivamente adiado.
Os rastreios populacionais na Grande Lisboa são discutidos há dez anos mas resumem-se neste momento a três agrupamentos de centros de saúde (ACES), informação avançada pela própria ARSLVT. Isto apesar de no início do ano a Administração Regional de Saúde ter garantido ao DN que o universo de ACES abrangidos pelos rastreios tinha passado de quatro, em 2016, para seis. Todos eles fora das grandes zonas urbanas, nas regiões do Ribatejo e do Oeste.
Em janeiro, a administração de saúde garantia que já estava em curso o alargamento do Programa de Rastreio do Cancro da Mama através de protocolo entre a ARSLVT e a Liga Portuguesa contra o Cancro, embora "a dimensão e a complexidade" deste programa obrigassem a "um planeamento rigoroso a preceder o alargamento da cobertura geográfica do rastreio populacional do cancro da mama durante o ano de 2018". Agora, em respostas enviadas ao DN em agosto e reafirmadas nesta quarta-feira, a ARS volta a dizer que "está previsto ainda para 2018 o alargamento deste protocolo de forma a abranger os restantes ACES".
O presidente da secção sul da Liga Portuguesa contra o Cancro até entende que existe capacidade técnica para avançar em pouco tempo, mas espera para ver se desta vez há vontade para concluir um protocolo que está pronto para ser assinado há dois anos. "É inexplicável. A verba está orçamentada, mas parece que falta vontade para cumprir a lei, que impõe o alargamento dos rastreios a todo o território nacional, e dar às mulheres de Lisboa e da península de Setúbal as mesmas condições de acesso à saúde do resto do país".
Francisco Cavaleiro Ferreira argumenta que o serviço que a LPCC pode prestar em toda a região de Lisboa - e já presta no Norte, Centro e Alentejo - é uma "bênção para o Estado": "Estamos a falar de um custo inicial que não chegará a um milhão de euros, porque depende da participação das mulheres, que no arranque não é tão elevada. Só uma carrinha com mamógrafo representa um investimento avultado, que só uma organização sem fins lucrativos como a Liga consegue. E depois beneficia da experiência que temos em rastreios organizados."
Os rastreios da Liga contra o Cancro são feitos sobretudo em unidades móveis, que se deslocam de dois em dois anos aos concelhos. São enviadas cartas-convites às mulheres em idade rastreável (que neste momento é entre os 50 e os 69 anos) inscritas nos centros de saúde para realizar uma mamografia, que é depois estudada por dois radiologistas. Em caso de dúvida, a mulher é chamada para uma consulta de aferição. Se as dúvidas persistirem, é encaminhada para um hospital.
Um relatório da Direção-Geral da Saúde do ano passado defende que os programas de rastreio organizado revelam-se mais eficazes do que os oportunísticos (quando o doente vai ao médico de família, que lhe prescreve um exame) e que a evidência científica é consensual sobre a utilidade de programas de rastreio para três doenças oncológicas: cancro do colo do útero, cancro da mama e cancro do cólon e reto. No caso da mama, levam a uma taxa de redução de mortalidade da ordem dos 30%. Ainda assim, apesar de a Grande Lisboa nunca ter tido nenhum rastreio organizado de cancro da mama, o coordenador do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas afirma que as mulheres não têm falta de testes nem de diagnóstico precoce. Para Nuno Miranda, "prova disso é que não há um aumento da doença nas mulheres desta região".
Mas para Francisco Cavaleiro Ferreira, a eficácia de exames feitos num programa de rastreio, "em que o processo da doente está todo no mesmo sítio", e com técnicos que analisam os resultados de milhares de mamografias por ano, é "completamente diferente de exames oportunísticos".
- Segundo o Relatório de Monitorização e Avaliação dos Rastreios Oncológicos em Portugal, de um total de 15 ACES da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo - que se estende de Abrantes até Setúbal -, só quatro fizeram rastreios do cancro da mama em 2016, através do programa com a Liga Portuguesa contra o Cancro. Nesse ano, os agrupamentos de Lisboa, Setúbal, Loures/Odivelas, Almada/Seixal, Oeiras, Cascais e Sintra não convocaram nenhuma mulher para fazer mamografias ao abrigo do programa. E em toda a região foram rastreadas apenas 29 mil mulheres entre os 45 e os 69 anos, pouco mais de metade das 57 mil que foram convidadas a fazê-lo nos quatro agrupamentos que tinham rastreios.
- Apesar das falhas em Lisboa, a nível global, Portugal registou em 2014 a maior taxa de mamografias realizadas de toda a União Europeia, com 84,2%, muito acima da média europeia, que foi de 62,8%. Segundo o relatório da DGS, este resultado reflete-se na taxa de sobrevida aos cinco anos do cancro da mama, que é de 87,9%, quatro pontos percentuais acima da média europeia, que se fixa em 83,8%.
- Tendo em conta dados doHealth at a Glance, da OCDE, o cancro da mama provoca menos de 30 vítimas mortais por cada cem mil mulheres portuguesas, quando a média na Europa ronda as 33 vítimas, o que os autores correlacionam com o rastreio. Os tumores malignos da mama são os mais comuns, com 13,8% de incidência em 2012.